A intolerância é das infrações mais
graves que alguém pode cometer. Ela se dissipa silenciosamente, enraizando-se
nos mais diversos setores, corroendo o espírito de fraternidade que deve existir
entre seres humanos, contaminando os influenciáveis, fomentando o ódio gratuito
e fazendo milhares de vítimas mundo afora.
Trabalho em Penápolis(SP) há apenas
três anos e meio, mas penso que nunca tinha havido manifestação explícita de
intolerância como a protagonizada pelo Sr. Fernando Costa Fernandes por meio do
texto “Casamento Homoafetivo”, publicado nos jornais “Interior” e “Diário de
Penápolis” de 18/10/2012.
Diante da gravidade das publicações, já
remeti cópias delas à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, à Secretaria de
Justiça e Cidadania e São Paulo, ao egrégio Supremo Tribunal Federal e ao
egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, para conhecimento e eventuais
providências.
Não discuto decisões que tomo no
exercício da judicatura. Para contrariá-las existem recursos previstos em lei. Anoto
apenas que não posso fundamentar nada com base na Bíblia ou em qualquer outro
texto religioso, mas apenas na Constituição, na legislação infraconstitucional
e também nos tratados e convenções internacionais de que o Brasil é signatário.
Também não pretendo convencer ninguém
da adequação de se legalizar o casamento homoafetivo, muito menos o Sr.
Fernando. Não quero ficar dando “murro em ponta de faca”. Os comentários que
seguem terão o condão apenas de comprovar que não houve mera regular manifestação
do pensamento.
Causou-me espanto não o posicionamento contrário
ao casamento homoafetivo, que eu receberia com o respeito se tivesse sido equilibradamente
exposto, mas a agressividade do pronunciamento e o ódio que o articulista, que
sequer conheço, dirigiu à minha pessoa e à instituição “Poder Judiciário”, do
qual, com muita honra, faço parte.
Meu currículo já é bem conhecido e não
tenho necessidade de fazer autopromoção. Também não preciso ficar afirmando que
tenho orientação sexual heteroafetiva porque isso não interfere nas minhas convicções
e ninguém tem nada a ver com isso.
A publicação do texto, no meu entender,
materializou infrações penais contra a minha honra, pelo que representei ao
Ministério Público, no mesmo dia, por providências, bem como estou cogitando outras
medidas legais.
O representado tentou dar roupagem de mera
crítica embasada no direito de expressão ao discorrer sobre duas decisões por
meio das quais, na condição de Juiz Corregedor do Cartório de Registro Civil de
Luiziânia(SP), autorizei conversões de uniões estáveis homoafetivas em
casamentos. Ocorre que não se contentou em debater idéias. Tanto isso é verdade
que, na parte final, já previu que poderia ser acionado judicialmente, evidenciando
seu dolo e admitindo seus excessos e a ilegalidade da sua iniciativa.
Até tentou minimizar a gravidade da sua
tese extremista, reconhecendo que as minhas decisões tinham amparo legal, muito
embora tivesse dito que delas decorreriam “maléficos e catastróficos riscos
danosos à sociedade” (é inegável o estilo “bate, depois alisa”, do artigo).
Afrontou a instituição “Poder
Judiciário” (resvalando, inclusive, no Ministério Público, ao citar o Promotor
de Justiça Fernando Cesar Burghetti, que opinou pelos deferimentos dos
casamentos), cuja intervenção tem sido cada vez mais essencial à preservação do
regime democrático e à fruição dos direitos constitucionais por parte dos
hipossuficientes e discriminados.
Em dado momento, o articulista tachou todos
os Srs. Ministros da mais alta Corte de Justiça do País, assim como este subscritor,
de covardes, imorais e antiéticos. Imputou-nos falta de “coragem jurídica,
civil e moral de confrontar seguimentos minoritários”. Sustentou que
aquiescemos “à imoralidade em nome da legalidade (...) visando angariar a
simpatia das pessoas ligadas aos movimentos GLTB’s”. Afirmou que aderimos à “mentalidade
pós-cristã, que tem solapado a nossa sociedade e amaldiçoado violentamente as
famílias, as crenças, a moral cristã, as instituições sociais, as organizações
religiosas e a sociedade brasileira”.
Veja-se que não se restringiu aos
conteúdos das decisões, mas ofendeu as pessoas dos julgadores, dentre eles, este
subscritor, que foi escrachado publicamente, classificado como Magistrado
incapaz de decidir com imparcialidade, despreparado, imoral, e que, no entender
do articulista, ao julgar, procura agradar um ou outro, o que não posso admitir
e o que deverá ser severamente reprimido.
A falta de ponderação do representado e
a falta de tecnicidade do texto saltaram aos olhos a partir do momento em que,
ao comentar argumento utilizado pelo eminente Ministro Ayres Brito, do egrégio
Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é vedada qualquer discriminação em
função da preferência sexual, o articulista o classificou como uma “distorção
aviltante, catastrófica e satanizada na interpretação do preceito legal” [que
no caso foi o art. 3º da Constituição Federal].
Ao classificar a decisão do Supremo
como “famigerada e diabólica aberração, que na verdade, serve de escudo para a
poltronaria do egrégio colegiado do STF, bem como dos demais magistrados, que
se broquelam no efeito vinculante”, o representado novamente depreciou este
Magistrado, dando a entender que não se preocupou em promover a detida
apreciação de cada caso e se limitou a se alicerçar na decisão da última
instância, que, em verdade, muito embora a informação tenha sido omitida,
apenas reconheceu a união estável entre
pessoas do mesmo sexo e lhe outorgou os mesmos efeitos da união estável regida
pela Lei 9.278/1996, não tendo tratado, especificamente, nem de casamento
homoafetivo direto, nem da conversão de união homoafetiva em casamento
(confira-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, decidida aos
5/5/2011, por unanimidade, com eficácia “erga omnes” e efeito vinculante para
que todos os Magistrados decidam no mesmo sentido).
O representado até chegou a dizer,
contraditoriamente, que não é contra os homossexuais (?!), muito embora tivesse
externado verdadeira fúria ao afirmar que eles “cometem pecado, torpeza e
perversão”, e que jamais os admitiria “como membros da Igreja Evangélica
Denominada Primeira Batista em Penápolis”, o que é remediável, na medida em que
outras igrejas e crenças se dispõem a destinar respeito, conforto e ensinamento
verdadeiro àqueles seres humanos.
Em dado momento, o articulista tornou a
evidenciar a sua repugnância às pessoas dos eminentes Ministros e deste
profissional, recomendando que consultassem a Bíblia e novamente os descrevendo
como desprovidos de equidade, parciais e incompetentes, que decidem com base na
“ética de situação, (...) no existencialismo orientado pelo que se imagina ser
politicamente correto”. Generalizou nossa forma de trabalhar e fomos praticamente
endemoninhados.
Ainda não satisfeito, exteriorizou todo
o seu ódio com deboche, afirmando que os Magistrados do STF e este julgador
lançaram “maldição sobre as futuras gerações de Penápolis” e, expondo, no seu
dizer, como um “profeta da desgraça”, que Penápolis(SP) passaria de “Princesa
da Noroeste” a “drag queen”.
O seu apelo final reforçou a intenção
de incitar os leitores à homofobia e de jogar a comunidade religiosa contra
este Juiz de Direito, e escancarou a pessoalidade das ofensas e o
distanciamento do texto da mera “opinião desfavorável da crítica literária,
artística ou científica” protegida pelo ordenamento (art. 142, inc. II, do
Código Penal): “creio e penso que o homossexualismo e a homossexualidade são
pecados abomináveis aos olhos de Deus, assim como creio que Deus (...) tem
poder para libertar e curar os homossexuais desta escravidão
espíritoexistencial que flagela o ser e que lança terrível, catastrófica e
abominável maldição sobre a sociedade e às futuras gerações, ao contrário do
que argumenta Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Adriano Rodrigo Ponce de
Oliveira”.
Está claro, com a devida vênia, que o representado
extrapolou o direito de manifestação do pensamento, desrespeitando autoridade
judiciária em razão do exercício da função, ofendendo-lhe a honra sem qualquer
necessidade, já que seu ponto de vista poderia ter sido exposto de outra
maneira, com educação, urbanidade, respeito, enfim, com observância dos
ensinamentos morais, éticos e religiosos que ele alegou que costuma observar e
divulgar, mas que, verdadeiramente, foram atropelados.
Nem de longe detectei a “sensatez” que
o colunista Gilson Ramos, Diretor do Jornal Interior, fez questão de “aplaudir”
por meio de nota inserida na mesma página do artigo (o que não costuma ser
usual, diga-se de passagem, uma vez que comentaristas normalmente se reportam a
publicações de edições anteriores e não sobre as constantes na mesma edição). Falo
do mesmo Gilson que, na edição de 23/10/2012 do jornal “Interior”, solicitou
que posicionamentos sobre o assunto que, no seu dizer, “está rendendo”, “sejam
sempre respeitosos”...
Em
suma: este subscritor passou de julgador a réu. A sua forma de atuar, a sua
imparcialidade, a sua ética, a sua lisura no proceder, o seu profissionalismo e
toda a sua experiência de 15 anos de atividade jurídica foram lançados na lata
de lixo pelo Sr. Fernando. As suas qualidades pessoais e profissionais foram
violenta e propositalmente atingidas por quem fez questão de agredir, de uma só
vez, num só dia, por meio de dois dos três jornais locais, fazendo publicar texto
longo que, aliás, se distanciou dos padrões usuais de espaço destinados à
participação de leitores (e que justificou resposta na mesma medida).
Isso posto, adiantando que não
alimentarei polêmica, faço questão apenas de informar a quem se indignou (sou
grato pelo apoio que já recebi de muitos), que solicitei a deflagração de
persecução penal tendente a apurar crimes contra a minha honra, nunca antes
aviltada sem motivo algum e com tamanha brutalidade.
Era o que tinha a fazer. Eu não poderia
silenciar depois de ter me tornado, na condição de Juiz de Direito, mais uma
vítima da intolerância contra a qual sempre lutarei, custe o que custar, doa a
quem doer.
Afinal de contas, tal como sustentava o
saudoso Hely Lopes Meirelles: “A timidez da autoridade é tão prejudicial quanto
o abuso do poder. Ambos são deficiência do administrador, que sempre redundam
em prejuízo para a administração. O tímido falha, no administrar os negócios públicos,
por lhe falecer fortaleza de espírito para obrar com firmeza e justiça nas
decisões que contrariem os interesses particulares; o prepotente não tem
moderação para usar do poder nos justos limites que a lei lhe confere. Um peca
por omissão; outro, por demasia no exercício do poder”.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no jornal Regional Penápolis de 25/10/2012)