Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

10 de fev. de 2013

Desabafo sobre ações revisionais bancárias

            Não é novidade que o Poder Judiciário enfrenta um atoleiro de processos. Uma das causas é a flexibilidade com que se pode demandar.
            Preocupa-me, especialmente, o crescente aumento de ações revisionais de contratos bancários que, no meu entender, estão surgindo como decorrência de uma espécie de “linha de produção”, sem a observância de regras processuais mínimas.
            Tais demandas estão transformando o Judiciário em um grande escritório de contabilidade de devedores que, maioria das vezes, não têm certeza das irregularidades contratuais que invocam. É claro, não podemos generalizar...
            Escudados em princípios do Direito do Consumidor que demasiadamente os protegem, esses devedores, muitas vezes suficientemente instruídos para livremente contratar, costumam se servir de petições padronizadas. Querem rediscutir relação bancária de anos de duração... Alegam sempre as mesmas coisas e sempre de forma genérica, bastante ampla. Na maior parte dos casos, não dispõem de contratos e extratos que fundamentam o que alegam.
            O ideal seria que ou houvesse solicitação administrativa desses documentos, ou, diante de negativa, prévio manejo de ação de exibição de documentos. De posse dos documentos, o correntista deveria discorrer especificadamente sobre as suas reclamações, fazendo referência expressa às datas e cobranças que entendesse indevidas. Visando demonstrar indevida capitalização mensal de juros, o interessado deveria declarar, claramente, em que datas ela teria acontecido, demonstrando, matematicamente, o ocorrido. Os pareceres contábeis deveriam, dentro do possível, trazer, lado a lado, a evolução do débito adotada pelo banco e aquela que seria cabível, favorecendo a comparação por parte do julgador. Quem entende que os juros praticados foram extorsivos deveria apontar os índices tidos como aceitáveis.
            Mas infelizmente não é isso que tem acontecido...
            Na prática as petições têm contemplado sempre as mesmas teses padronizadas e não se referido a documento algum, ainda que alguma coisa já venha encartada. Traduzem, em muitos casos, apenas cogitações de irregularidades. Repetem excessivamente os mesmos argumentos e transcrevem exageradamente precedentes judiciais nem sempre tão atuais. O abuso do “copiar e colar” às vezes se torna evidente quando trechos das petições nada têm a ver com as discussões postas. Normalmente falta objetividade.
            Os correntistas comodamente solicitam muitos documentos que, no meu modo de ver, teriam a obrigação de apresentar. Presumo quem não guarda extratos bancários não tem o mínimo de organização, o que pode de certa forma justificar o descontrole das finanças. Esse descontrole, por sua vez, nem sempre tem a ver com despesas contraídas por necessidade, mas em alguns casos para a manutenção de regalias, para mera ostentação. Comodamente, os endividados insistem na prova pericial cuja produção os Juízos acabam deferindo quando muitas vezes poderiam tratar diretamente do mérito.
            Essa forma de conduzir ações revisionais tem contaminado servidores do Judiciário e profissionais do Direito. Com o devido respeito, até as instâncias superiores, em alguns casos, em vez de enfrentarem as discussões e de evitarem a banalização do manejo do pleito revisional, acabam devolvendo os autos para perícias que não raramente são inconclusivas ou exprimem apenas opiniões pessoais de Peritos leigos em Direito. E, como dito, nem sempre essas perícias são imprescindíveis.
            Por meio de petições padronizadas, alguns Advogados são capazes de distribuir várias ações revisionais bancárias por dia, já que muitas vezes não se debruçam especificamente sobre o caso. Para alguns importa somente suspender o registro negativo do cliente na Serasa.
            Os devedores, em vista da sua situação financeira, geralmente são agraciados com gratuidade processual (não custeiam taxa judiciária) e demandam praticamente sem riscos, onerando consideravelmente o serviço judiciário.
            O resultado é uma enxurrada de ações volumosas, trabalhosas e de desfechos demorados, em grande parte, improcedentes.
            É preciso reverter esse quadro, exigindo do jurisdicionado a rigorosa observância da técnica processual civil, com explícita demonstração das ditas irregularidades, já que compreendidas na causa de pedir prevista no art. 282 do Código de Processo Civil.
            Também é preciso evitar perícias desnecessárias, pois são custosas e retardam os desfechos. Se o Juízo é adepto da possibilidade de capitalização mensal de juros, por ex., não precisa da prova pericial para decidir. E se decisão nesse sentido tiver de ser revertida em grau de recurso, o acórdão poderá retratar condenação ilíquida e só a partir de quando se tornar irrecorrível, via de regra, é que a produção da prova se justificaria.
            Não estou defendendo que as instituições financeiras não abusam. Sustento apenas a necessidade de maior rigor na admissão e no processamento das ações revisionais. Em alguns casos me parece que nem mesmo o interesse de agir é clarividente, diante das conjecturas invocadas. É preciso exigir do correntista que arque com o ônus de demonstrar a presença de pelo menos indícios do que alega.
            Com esse “ajuizamento responsável e controlado” nem de longe se vedaria o acesso à Justiça. Ao contrário, o Judiciário teria mais condições de cumprir o seu papel.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)

Muita calma nessa hora...

Muita calma nessa hora...
            O ano se inicia e muita gente vai debutar no exercício de uma nova profissão ou mesmo ser promovido na área em que já atuava, tudo em razão da conclusão de determinado curso superior ou profissionalizante.
            É perfeitamente natural que a iminência de assumir maior responsabilidade gere muitas incertezas e preocupações que, não raramente, ofuscam o êxtase decorrente da formatura, da promoção, do reconhecimento profissional e do aumento de salário.
            A principal dica para os “iniciantes” é sempre manter um bom nível de conhecimento.
            Os cursos superiores e profissionalizantes oferecem informações valiosas e, via de regra, contam com professores experientes e capacitados, mas isso não basta. Os cursos são esquematizados levando em conta as diferenças de capacidade, desenvoltura, interesse e disponibilidade dos alunos. Notadamente nos cursos noturnos, não há condições de aprofundar demasiadamente os temas, inclusive, pela falta de tempo.
            É imprescindível constante aprimoramento teórico e prático para que se possa encarar com mais segurança o mercado de trabalho e se proteger das armadilhas e da responsabilidade civil e criminal. O profissional bem preparado teme (ou “treme”) menos e, em conseqüência, erra menos.
            Não há nada mais embaraçoso do que ser questionado sobre aquilo que não se conhece bem e que se deveria conhecer, não é mesmo? O profissional deve ser curioso (perguntar sobre trabalho aos mais experientes não ofende), se cercar de informações mais amplas sobre determinado tema e não apenas aquelas que serão, por exemplo, tratadas numa reunião. Deve questionar métodos que aprendeu em estágios e não se deixar contaminar por posturas comodistas de profissionais já “cansados” e/ou desatualizados.
            Voltando a falar da insegurança, é preciso assinalar que atinge a todos. Quando assumi meu primeiro plantão como Delegado de Polícia no 32º Distrito Policial, no (felizmente) corintiano bairro de Itaquera, muito embora tivesse estudado muito para ser aprovado no concurso, recorria bastante aos livros e roteiros que eu mesmo fazia para solucionar problemas. Achava-me impotente, mas a verdade é que essa pesquisa deve ser constante, pois a memória sempre nos trai. Informações elementares acabam sendo esquecidas por conta do nervosismo, da pressa, de preocupações externas e de inúmeros outros fatores. Ficava tenso com o tipo de ocorrência que poderia chegar e com a maneira como reagiria ao diálogo com os policiais. O interessante é que muitas vezes o policial que adentrava ao recinto também estava inseguro justamente porque falaria com o Delegado e não sabia que informações seriam solicitadas etc.
            A história se repetiu quando me tornei Magistrado. Trabalhando em Varas paulistanas, apesar de já experiente no serviço público e do conhecimento acumulado, ficava preocupado quando Advogados “de cabelos grisalhos” pediam para falar comigo. Isso tinha a ver com a impressão equivocada que eu tinha: a de que deveria saber tudo e responder a qualquer indagação prontamente. Isso não é possível, pois ninguém consegue dominar todos os assuntos e conhecer todas as situações. O Advogado chegava para falar de um processo que ele já tinha decorado e que eu, no primeiro dia naquela Vara, nunca tinha visto. Mas na verdade eu não deveria ter me preocupado, pois bastava ouvir o que o profissional tinha a dizer e responder que analisaria com carinho suas ponderações, depois de me inteirar do caso. Faltava-me justamente o conhecimento do andamento do processo e, em alguns casos, revisitar a teoria, mas isso era justificável no contexto. Mas também não faltaram situações nas quais Advogados aparentavam insegurança ao falar comigo também porque não tinham estudado o caso e/ou não sabiam a respeito do que poderiam ser interpelados ou de que maneira seriam tratados.
            Como se vê, a insegurança, em maior ou menor escala, acompanhará sempre iniciantes e experientes. Somente com o tempo passará a ser bem administrada. O aprimoramento e a dedicação constantes, a calma, a humildade e a consciência de que sempre haverá algo novo a aprender certamente contribuirão para que as dificuldades cotidianas sejam compreendidas e superadas com mais facilidade.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Professor do Curso de Direito do Unisalesiano, “Campus” Lins(SP)
(publicado no Correio de Lins de 6/2/2013)