Segundo a Wikipédia, a “Malhação de
Judas ou Queima de Judas é uma tradição vigente em diversas comunidades
católicas e ortodoxas ... também realizada em diversos outros países, sempre no
Sábado de Aleluia, simbolizando a morte de Judas Iscariotes. Consiste em surrar
um boneco do tamanho de um homem, forrado de serragem, trapos ou jornal, pelas
ruas de um bairro e atear fogo a ele, normalmente ao meio-dia”.
A tradição de “malhar Judas” está se
perdendo, mas o costume de “malhar todo mundo” tem se intensificado...
Antigamente as pessoas discordavam
ou mesmo se desentendiam e cada uma ia para o seu lado refletir sobre o
ocorrido, tentar se colocar no lugar da outra, se aconselhar, reconhecer
acertos e falhas, enfim, analisar friamente o incidente e quiçá se desculpar.
Atualmente, com a proliferação de redes sociais e o acesso facilitado pelo
telefone celular, muitas vezes uma pequena divergência faz com que a parte
envolvida, de forma impensada, leviana, “despeje” publicamente os seus descontentamentos
e dessa forma macule a imagem do outro sem qualquer necessidade. Essa reação
tem certa dose de infantilidade (“vou contar para a minha mãe que você me fez
isso”), na medida em que pessoas adultas e maduras devem solucionar elas
próprias os seus problemas sem ficar lamuriando e importunando desnecessariamente
terceiros. Em alguns casos esses “desabafos” acabam “recheados” de ofensas,
prejulgamentos e generalizações. E depois fica difícil se arrepender e reparar
o prejuízo à honra alheia.
Pior do que ficar postando todo e
qualquer incidente em redes sociais é comentar situações cujos detalhes não são
todos revelados por quem “desabafa” e em relação às quais não consta a versão
do outro contendor. Tem gente que se acostumou a julgar tudo o que chega ao seu
conhecimento, como se essa tarefa fosse simples. Como magistrado, por exemplo,
já cheguei a refletir durante alguns dias para solucionar alguns casos. Formar
convicção é uma tarefa difícil e que deve ser realizada com absoluta isenção. O
problema é que ela nem sempre está presente nas postagens no Facebook e no WhatsApp
acerca de fatos supostamente vividos pelos contatos de quem o comentarista se
propõe a ser conselheiro mesmo quando não foi chamado... E os comentários
acabam se sucedendo com a mesma rapidez e a mesma imprudência, no melhor estilo
“Maria vai com as outras”...
Como exemplo dessa leviandade é
possível citar o caso do juiz fluminense que se desentendeu com uma agente de
trânsito e acabou vencendo demanda e tendo o direito de ser indenizado
reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apenas pelo fato de
ele, segundo a imprensa, já ter se envolvido em outros incidentes, as pessoas
simplesmente o trataram como se fosse um boneco feito com trapos. Foi
achincalhado e internautas até fizeram uma “vaquinha” para que a agente de
trânsito pudesse pagar a indenização, eliminando, dessa forma, o caráter
pedagógico da condenação judicial. Fiz questão de ler com atenção o acórdão
prolatado nos autos do Proc. 0176073-33.2011.8.19.0001 aos 12/11/2014 e
verifiquei que ele analisou com profundidade as provas colhidas antes de
concluir que o juiz nada tinha feito que justificasse a reação da agente de
trânsito que o desprestigiou. O juiz apenas tinha esquecido a carteira de
habilitação na bolsa da esposa, que por sua vez trouxe rapidamente o documento.
Não portar a CNH é infração leve. O carro estava sem placas porque era novo e o
juiz contava com autorização do Detran para que pudesse transitar daquela
maneira porque a repartição estava atrasada nas instalações de placas. O
condutor se submeteu ao teste do etilômetro e não tinha consumido álcool. E ele
apenas queria que o carro não fosse apreendido de imediato porque estava cheio
de processos que tinha trazido do Fórum e temia que os documentos fossem para o
pátio. Segundo o Desembargador relator, “ao
desdenhar do conhecimento jurídico do réu, afirmando ‘você é juiz e desconhece
a lei?’, a autora [agente de trânsito] zombou dolosamente da condição do autor
[magistrado], menosprezando seu saber jurídico e a função por ele exercida na
sociedade, se distanciando da seriedade e urbanidade que se exige de um
servidor público no exercício de suas funções”. Ao receber voz de prisão por
desacato, segundo consta, a agente de trânsito afirmou que o fiscalizado era “só
um juiz, não Deus”. O julgado reconheceu abuso de autoridade da mulher.
Embasou-se nos relatos de várias testemunhas, dentre elas, uma que afirmou que
“em alguns momentos os
funcionários do Detran que trabalhavam na Lei Seca se mostraram arrogantes”; e
outra que garantiu que “em momento algum o representado perdeu o controle”. O
desembargador enfatizou, inclusive, que o processo administrativo deflagrado
pela agente contra o juiz foi julgado improcedente pela maioria dos
integrantes da Corte Especial do Tribunal, isentando de qualquer reprovação a
conduta do magistrado. De
resto, o que não está no processo não pode ser considerado pelo Judiciário.
Será que o juiz realmente se excedeu ou a agente quis se aproveitar do fato de
ter detectado infração praticada por ele? Afinal, infração praticada por juiz
acaba sendo sempre grave...
A nossa Constituição garante a
liberdade de manifestação do pensamento, mas, é claro, ela não é absoluta. Se
não for bem exercida, aquele que “falar o que quiser” poderá “escutar o que não
desejar”, além de ser compelido a pagar indenização, ser alvo de apuração
criminal e experimentar vários outros aborrecimentos... O juiz foi “malhado
como Judas”, mas, oficialmente, no entendimento de vários desembargadores do
órgão especial do Tribunal e do relator do recurso da agente de trânsito, agiu
acertadamente diante do excesso, o que tem de ficar bem claro. E nem se diga
que o Tribunal o “protegeu”, pois ao decidir outro caso, absolveu uma
jornalista a quem o juiz imputava a prática de crimes contra a sua honra. É
lamentável que a seriedade da atuação do Tribunal tenha sido colocada em xeque
por opiniões desprovidas de fundamentos técnicos e fáticos e muitas vezes
tendenciosas e sensacionalistas. Não tenho a intenção de defender o “Judas”,
mas apenas de expor a verdade apurada.
Que cada um de nós possa, a partir do
que foi exposto, avaliar melhor a necessidade e a conveniência de “arremessar
pedras” por meio das redes sociais em vez de usá-las para difusão de
conhecimento, de encorajamento e de boas práticas!
Adriano
Rodrigo Ponce de OIiveira
Juiz
de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook
Adriano Ponce Jurídico
(publicado
no Diário de Penápolis de 27/11/2014 e na Revista Comunica de dez/2014)