Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

26 de mai. de 2014

O que você faz quando... ninguém te vê fazendo?



Muitas vezes eu já refleti sobre o desperdício de dinheiro e a falta de ética na administração pública e nas empresas em geral... Como tenho elevado senso crítico, reparar em algumas coisas acaba sendo inevitável...
A aquisição de veículos luxuosos, por ex., não se justifica. O carro oficial deve ser moderno e econômico, mas não necessariamente topo de linha. Há interessantes opções entre os chamados “médios”, com ótimo padrão de conforto. E por que não pensar também no valor de revenda? Afinal, um dia as viaturas acabam sendo vendidas ou leiloadas... Ao contrário disso, alguns gestores parecem competir uns com os outros pelo melhor automóvel (com as inexplicáveis placas de metal do “Poder tal” que inviabilizam multas por radares), submetendo o erário ao desfalque. O cidadão paga pelo consumo de combustível, pela manutenção e pela depreciação. Isso tudo, às vezes, por conta do egoísmo de quem vai usar, da cobiça de quem vai lucrar com a licitação criminosa e/ou do benefício político com a aparente melhoria do serviço... A polícia, por ex., não precisa de tantas custosas camionetas...
Certas instituições (especialmente as militares) proporcionam hospedagem, alimentação e lazer para seus integrantes à custa do orçamento público sem que a despesa tenha a ver com a atividade-fim. E parece que ninguém se opõe... Ainda que porventura haja autorização legislativa, isso tem de ser revisto.
As solenidades públicas deveriam ser bem simples em vez de se equipararem a pomposos jantares. Mas a intensa publicidade, telões, bandas, quitutes e flores sempre tornam a conta bem mais cara, e tudo isso sem necessidade alguma.
As regalias estão por toda a parte. Alguns servidores gastam, em hotéis e restaurantes, quantias muitos superiores àquelas que despenderiam em viagens particulares. No trabalho deixam luzes e computadores ligados no período de ausência e em casa advertem os filhos por causa disso. Essa postura se verifica também no setor privado, onde gastos exagerados são relativamente comuns. Ao contrário do que pode parecer, esse problema não é só das empresas, pois repercute nos preços que elas praticam e atinge diretamente os consumidores.
O que justifica os excessos, o desperdício? Nada mais do que a falta de comprometimento com o que é do outro ou, mais precisamente, com aquilo que o outro vai pagar. Há quem pense também que se o outro pode, ele também pode... Simples assim...
A falta de bom senso ao gastar nem sempre recebe a atenção merecida. Raramente os meios de comunicação abordam essa questão. Vez ou outra divulgam gastos públicos tidos como injustificáveis. Órgãos e instituições encarregados da defesa do erário poderiam atuar mais efetivamente, questionando e investigando excessos. Afinal, a discricionariedade do gestor público não se confunde com arbitrariedade, mas esbarra em princípios como o da moralidade e da economicidade.
Enquanto licitações muitas vezes se pautam apenas no melhor preço e resultam na aquisição de produtos de péssima qualidade para a prestação do serviço público, toda essa pseudo-economia acaba se tornando inócua diante de despesas absurdas e evitáveis de servidores que se julgam imunes às regras; que um dia criticaram outros e acabaram fazendo a mesma coisa. O que dizer dos portais suntuosos construídos nas entradas de cidades pequenas e de inexpressiva atividade turística? Capricho, vaidade, egocentrismo... Chega a ser cômico ingressar e verificar que nada mais há de atraente além do portal que pode ter custado várias casas populares...
Está mais do que na hora de os servidores se atentarem para detalhes: uso racional do papel; instituição de um banco de trocas de móveis, viaturas e materiais sem uso ou prestes a se vencerem; melhor aproveitamento da comunicação eletrônica em detrimento do uso do telefone (PABX com senhas individuais para controle de ligações); armazenamento e reutilização de água pluvial para limpeza em geral e descargas dos sanitários; controle do consumo de energia (substituição de lâmpadas pelas econômicas, redistribuição dos pontos de luz, instalação de sensores etc.). A conscientização pode implicar até em economia de copos descartáveis, que podem ser utilizados ao longo do dia todo pela mesma pessoa para o consumo de água...
E você? Parafraseando trecho de uma música interpretada pelo Capital Inicial, “o que você faz quando, ninguém te vê fazendo”? Pega uma folha nova ou utiliza o verso de uma usada como rascunho? Usa uma ou duas toalhas de papel do sanitário público ou puxa várias sem necessidade? Preserva o patrimônio publico ou se diverte rabiscando portas de banheiros? Cumpre realmente o seu papel fiscalizador da administração ou comodamente se omite porque dá trabalho denunciar ou investigar abusos? Prefere comer e beber mais que o necessário, ainda que isso não seja bom para a sua saúde ou que vá passar mal, apenas porque o patrão vai pagar? Bebe cerveja na conta do empregador e pede nota fiscal de “refeição”? Nunca se atentou para o que acabei de expor? Crê que não há nada a ser feito para melhorar? Acredita que como sempre foi assim, não será você a mudar algo? Acha tudo isso muito chato? Está na hora de rever os seus conceitos...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito e Professor no Unisalesiano
(redigido para a edição de maio/2014 da Revista Comunica)

Quando um não quer, dois não brigam...



A vida em sociedade tem sido permeada pela intolerância. De forma explícita ou não, ela tem se manifestado com preocupante freqüência e por meio das mais variadas reações.
Situações corriqueiras têm gerado conseqüências inesperadas por conta da exteriorização de preconceitos e da falta de empatia, entendida esta, em linhas gerais, como a capacidade de se colocar no lugar do outro, de entender o momento do outro.
É preciso que estejamos atentos, pois todos nós temos nossas intolerâncias. Aquele que se intitula imune à intolerância, por ex., pode, em verdade, ter dificuldade para aceitar críticas e ou reconhecer desvios de comportamento, o que, grosso modo, também é uma modalidade de intransigência. Tem gente, por ex., que não tolera o debate sobre a intolerância ou debate algum.
Os meios de comunicação costumam dar ênfase as modalidades mais comuns de discriminação (exteriorização do preconceito), ou seja, àquelas que têm como pano de fundo a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e que estão previstas expressamente na Lei Federal 7.716/1989, que trata de crimes de preconceito.
Todavia, a intolerância “silenciosa”, disfarçada, também é muito danosa, pois enfraquece relações sociais, desestabiliza famílias e empresas, muitas vezes é geradora de crimes violentos e adoece autores, vítimas e às vezes quem os cercam. Compartilhar um vídeo “engraçado” por “brincadeira” pode não ser uma atitude tão inofensiva. Afastar-se de uma pessoa por conta do sotaque, da compleição física, da faixa etária, da preferência sexual, dos trajes, de um adorno qualquer, muito menos.
            Há quem se transforme no trânsito, esquecendo-se de que o outro motorista pode não ser tão habilidoso e não ter os mesmos reflexos, pode não ter a mesma pressa (por estar de férias, por ex.) ou pode ter enfrentado situação traumática que ampliou as suas cautelas. Que tal conter aquela vontade de acionar a buzina? Recomendo, no You Tube, o vídeo do Pateta no trânsito... Afinal, o intolerante às vezes se torna patético.
            Várias outras situações corriqueiras despertam desnecessariamente a ira quando poderiam, no máximo, gerar um aborrecimento contornável com o mero afastamento do local onde se verifica o impasse; com a mudança do percurso para não encontrar a pessoa indesejável ou fugir do motorista mais lento; com a procura por outro funcionário da empresa ou repartição para despistar o atendente desinformado ou rude; com a mera ignorância àquela buzinada de quem, na verdade, pode estar desestruturado psicologicamente pelas mais variadas razões etc.
            De maneira geral, as pessoas formam convicções muito rapidamente acerca das outras e de condutas que presenciam. Eu costumo dizer que a gente enxerga apenas a ponta do iceberg e que os problemas que o outro vivencia e tenta contornar quase sempre não são do nosso conhecimento, sendo conveniente, sempre que possível, que nos abstenhamos de emitir juízos de valor.
            Uma das formas mais graves de intolerância é a manifestada por quem não consegue ouvir e observar sem criticar e sem tentar impor a sua opinião de “dono da verdade”. Para uns, cabelos azuis são ridículos e para os empregados da fabricante da tintura isso é sinônimo de emprego e renda. Para quem tinge os cabelos, não tingir, mesmo quando se deseja, apenas para não fugir dos “padrões sociais”, é um ato de covardia e de violência contra si mesmo. Tudo é questão de ponto de vista.
            As pessoas sempre serão diferentes e as posturas e impressões sempre terão estreita relação com a forma de criação, os costumes familiares, o meio em que o indivíduo foi criado e os valores que lhe foram transmitidos. Quem não é idoso e não sabe das limitações físicas que a idade impõe; quem nunca engravidou ou nunca conviveu com uma grávida para saber o que ela enfrenta; e quem nunca foi pai ou nunca saiu de casa com crianças para tentar resolver seus problemas, por ex., nem sempre consegue entender o porquê dos “privilégios” nas filas dos bancos... Por isso tentar impor opiniões pode se tornar uma missão impossível.
            Não estou dizendo que não devemos tentar alertar as pessoas queridas de que tomaram decisões aparentemente equivocadas e pouco proveitosas. Penso que expor idéias é algo que deve acontecer quando do outro lado existe alguém disposto a ouvir. Até para discordar é preciso ter categoria. Mas, é claro, cada um tem o seu livre arbítrio e responde pelas suas escolhas. Não devemos nos tornar intolerantes aos intolerantes, sob pena de formação de um destrutivo círculo vicioso. Devemos compreendê-los, ajudá-los e, se for o caso, denunciá-los ou simplesmente permitir que a vida propicie respostas e sanções. Caso contrário, nos equipararemos a eles.
Adotar uma postura mais serena e uma solução mais inteligente, abstendo-se de confrontar quando isso não se faz necessário, ou confrontando na exata medida, sem exageros, é um exercício diário. Mas devemos estar cientes de que a prevenção de conflitos depende, na maioria das vezes, unicamente da nossa postura. Afinal, conforme popularmente se diz, “quando um não quer, dois não brigam”.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Prof. no Unisalesiano
(redigido para a edição de junho/2014 da Revista Comunica)