Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

8 de dez. de 2015

Você tem tudo a ver com o Corinthians!

A sua vida tem muita coisa em comum com a do Sport Club Corinthians Paulista. Acha que não?
Às vezes você não tem a impressão de que joga todos os dias uma final de campeonato? As cobranças externa e interna são cada vez maiores, não é mesmo? Você é movido pela necessidade de estar sempre no topo da tabela. As disputas estão cada vez mais equilibradas. Ora adversários tidos como fracos lhe abatem; mas na maioria das vezes você derrota com louvor adversários que nem imaginava que seria capaz de vencer. E nem sempre você se dá conta dessas vitórias. Está cada vez mais difícil prever o que vai acontecer. Mas o fato é que com empenho é sempre possível manter um bom índice de aproveitamento.
Vez ou outra as pessoas não subestimam o seu potencial? Mas a verdade é que na maioria dos casos, por absoluta falta de consciência da sua força, você mesmo é quem se subestima.
Há quem critique você simplesmente por criticar; e há até quem lucre com isso. Mas você ganha com as críticas quando sabe recebê-las como necessárias a uma mudança de postura. Afinal de contas, sempre há alguma coisa que pode ser melhorada e nem sempre você detecta isso. De resto, quando as críticas são infundadas, basta que sejam ignoradas.
Não se lembra de conquistas suas que, muito embora importantes, foram depreciadas pelos adversários, mesmo que em tom de brincadeira? Mas, independentemente disso, saiba que existe e sempre existirá uma grande torcida apaixonada pelo que você é e pelo que faz; que é capaz de vestir a sua camisa mesmo quando você não estiver disputando nada; mesmo depois de derrota.
Se você é capaz de contagiar, sempre será invejado, inclusive pelos que possuem títulos, mas não contagiam na mesma proporção. Pois essa capacidade de contagiar não é para qualquer um!
A todo o momento haverá alguém falando de você. Assuntos sobre você poderão ficar para o final da conversa para prender o expectador. Mas boa parte das piadas que fizerem terá como pano de fundo uma grande vontade de fazer parte da sua torcida...
Não raramente estará em desvantagem e um verdadeiro “bando de loucos” continuará sempre emitindo boas vibrações e lhe incentivando. Para essa torcida, infinitamente superior em número de integrantes, o amor será incondicional. Não importa a conquista do título, mas a luta, a dedicação. Ela vibrará mesmo se você for rebaixado para a segunda divisão, e se você souber aproveitar esse apoio, subirá logo em seguida!
Essa torcida se alimenta de paixão. É uma coisa inexplicável o quanto você tem condições de contagiar pessoas com a sua garra. À medida que demonstra que não desiste nunca, todos os holofotes se voltam para você e assim pode influenciar positivamente os outros. Veja que responsabilidade!
Essas pessoas, em contrapartida, passam a emanar uma energia que é capaz de fazer você virar o jogo nos últimos minutos. Tem gente que corre o risco de morrer de infarto de tanto torcer por você!
O fato é que você sempre tem condições de superar as adversidades com o apoio da sua torcida. Basta que tenha equilíbrio suficiente para ouvi-la, para perceber a presença dela. Ela é maior do que você acha.
Enfim, as coincidências são várias...
Motivei-me a escrever porque o Timão deu uma lição de superação no Brasileirão 2011! Mesmo desacreditado por muitos, foi conquistando passo a passo o título. Contou com um grupo guerreiro e unido. Teve sorte, sim, mas quem não precisa dela? E a sorte geralmente aparece para quem se esforça... Retribuiu a torcida com muita luta e recebeu ainda mais carinho e motivação. Que torcida começa a empurrar o time quando ele leva um gol? Sempre reflito: que diferença faz não ter o título da Libertadores para essa torcida? Nenhuma! Qual é o problema de as demais torcidas tentarem sempre negar que o “Curingão” foi o primeiro campeão mundial em torneio da Fifa? Nenhuma. Caso contrário, nossa torcida não se expandia cada vez mais. Isso porque por mais que os outros clubes tenham títulos, façam e aconteçam, parafraseando o Capitão Nascimento, “nunca serão, jamais serão”, Corinthians!
Parabéns, alvinegro, nem tanto pelo título de 2011, mas por você ser assim e proporcionar tudo isso para todos nós, corinthianos ou não!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Integrante do “bando de loucos”
(publicado no Jornal Regional de Penápolis de 6/12/2011)

24 de nov. de 2015

Chega de luxo


A divulgação de despesas públicas tidas como exageradas ainda é feita timidamente pelos meios de comunicação, mas há bons exemplos desse importante trabalho.
O programa Radioatividade da Rádio Jovem Pan idealizou a campanha “Chega de Luxo” para mobilizar as pessoas a contestarem os excessos. O “site” www.chegadeluxo.com.br assim resume a sua finalidade: “Nossa proposta não é nem entrar na esfera de direitos adquiridos, estrutura de cargos e salários ou eficiência administrativa, é algo bem simples, identificar o que pode ser legal, mas é imoral pagar com dinheiro público”. Os alvos são as mordomias recorrentes, tratadas como crônicas e históricas pelos idealizadores do projeto. A idéia é sensata.
Não seria produtivo questionar todo e qualquer gasto. Afinal de contas, o administrador tem, e tem mesmo de ter, desde que se oriente pelas normas e as respeite, certa liberdade para decidir quando e onde deve investir. E quando elegemos nossos representantes, fazemos isso justamente para que eles tomem decisões por nós, que temos a prerrogativa e o dever de fiscalizar como os recursos são aplicados. Ademais, há assuntos que despertam os mais variados pontos de vista sem que se possa dizer que um seja muito mais acertado do que o outro.
Obviamente, não seria possível consultar todos a respeito de cada intenção de gasto, pela dificuldade de promover essas audiências e porque a diversidade de idéias “engessaria” a administração. Mas não se discute que a pressão popular pode surtir bons resultados...
Certos gestores públicos cometem abusos para satisfazem os próprios egos; pela falta de bom senso; porque gastar proporciona prazer (especialmente quando o outro paga a conta); porque certos investimentos geram dividendos eleitorais por se tornarem verdadeiros “outdoors” do dirigente; ou por conta de um pouco de cada coisa...
Um dos principais focos do “Chega de Luxo” é criticar aquisições de veículos oficiais caríssimos. De fato, esse tipo de excesso é comum. Particularmente, não consigo compreender, por exemplo, porque instituições policiais adquirem imponentes camionetas se veículos que custam menos da metade do preço delas (quiçá, um terço) serviriam eficazmente à finalidade... Autoridades também gostam bastante de carrões com motoristas que muitas vezes são utilizadas sem qualquer tipo de controle, em benefício próprio. Aliás, é incompreensível que ainda seja mantida a tradição do uso de placas diferentes das convencionais para retratar o “poder” do seu passageiro e, em alguns casos, garantir impunidade de infrações de trânsito. O excesso de conforto gera elevados custos com abastecimentos e manutenções.
Outra prática bastante comum é esbanjar em restaurantes e hotéis. Muitas vezes fica evidente que determinada “viagem oficial” poderia ser evitada. Afinal, quase tudo pode ser resolvido pelos eficazes sistemas de transmissão de dados, imagens e sons. Em outros casos, formam-se numerosas comitivas desnecessariamente. Um verdadeiro “trem da alegria” de quem às vezes só quer passear, fugir do cotidiano das repartições... Algumas autoridades, por exemplo, poderiam refletir sobre o número de seguranças e assessores que são mobilizados sem motivo aparente. Muitas vezes as repartições são verdadeiros “cabides de empregos” e as “operações de guerra” nem de longe se justificam. Gestores são induzidos por quem quer propiciar uma “boquinha” para um amigo e não param para reflexar sobre o ônus decorrente. Isso tudo “engrossa” o custo com combustível, hotéis e restaurantes... É preciso se perguntar sempre: Isso é feito dessa forma por que razão? O aparato é realmente necessário?
O servidor público não pode comer o prato que quiser à custa do erário. Seria recomendável que todas as despesas fossem cuidadosamente auditadas. Afinal, aquelas notas fiscais com a discriminação genérica “refeição” invariavelmente ocultam despesas com terceiros que não deveriam ser beneficiados e com bebidas alcoólicas e outros produtos e serviços adquiridos de forma ilegal e imoral com o dinheiro do contribuinte. O agente público em serviço tem de se alimentar dignamente, mas é possível fazer isso sem desperdiçar.
O mesmo tem de ser dito sobre hospedagem. Para a escolha do estabelecimento é imprescindível considerar que o conforto não está atrelado à luxuosidade.
Será que o servidor se hospedaria no mesmo hotel se tivesse de pagar? Será que visitaria a mais cara churrascaria? Será que alugaria o automóvel “top de linha”?
Muito ainda poderia ser dito... O que se espera é que as pessoas se valham cada vez mais dos meios de controle; e que as repartições intensifiquem e detalhem regras que autorizam despesas, atuem com transparência e não encarem as prestações de contas como meras formalidades, mas as submetam a rigorosos critérios de avaliação e de aprovação.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito e Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico

(publicado na edição de nov/2015 da Revista Comunica e na edição de 12/11/2015 do Diário de Penápolis)


4 de nov. de 2015

Reflexões sobre o lixo

Sempre estive atento às omissões injustificadas e aos excessos cometidos em desfavor do meio ambiente.
É incompreensível que as pessoas, na maioria das vezes as ditas mais esclarecidas, ainda desprezem pequenas atitudes que, somadas, podem repercutir tão positivamente à preservação. Há quem tenha muitos copos de vidro e saúde para lavá-los, mas que prefere usar descartáveis nas recepções que promove...
Sugestões ambientalmente corretas são exaustivamente divulgadas e compartilhadas, muitas vezes, por quem, na prática, acaba ficando só no discurso, ainda que algumas medidas não gerem custos ou tantos esforços adicionais.
Certa vez estive num evento onde houve distribuição de mudas e abordagem de diversos temas ambientais, mas, depois ter frequentado a praça de alimentação, não encontrei lixeiras para os recicláveis... Latas, pratos de papel e restos de comida seguiram para o mesmo tambor, o que se costuma ver também em quermesses, muito embora pudesse ser evitado com facilidade.
A destinação do lixo é um problema cada vez maior para o poder público. Mas não é tão difícil reduzir a sua produção e aumentar o seu aproveitamento.
Por que muita gente ainda não separa lixo reciclável em casa? Há quem justifique que não sabe quando a coleta seletiva passa etc. para tentar explicar o seu comodismo e a falta de comprometimento e de consciência ecológica. Sacolas distribuídas em mercados (não creio que signifiquem risco porque podem ser aproveitadas) penduradas em locais estratégicos bastam à separação do lixo. Repartições públicas deveriam encabeçar esse projeto, já que produzem pouco lixo não aproveitável, o que favorece a reciclagem. Em Penápolis, uma cooperativa que emprega várias pessoas passou a distribuir sacos cor-de-rosa, o que tem incentivado e facilitado a separação e a coleta. Criatividade, boa vontade e perseverança são ingredientes obrigatórios para o êxito da reciclagem.
Penso até que a separação poderia compreender material orgânico e que, com pouco investimento, o poder público poderia implantar um interessante projeto de compostagem. Quitandas, restaurantes e feiras ofereceriam importantes materiais. Pessoas condenadas pela justiça à prestação de serviços poderiam ser convocadas. Muita coisa deixaria de seguir para aterros sanitários, as penas surtiriam interessantes efeitos pedagógicos e hortas públicas e comunitárias poderiam aproveitar esse adubo ecologicamente correto (e também a referida mão-de-obra).
O assunto “embalagem” é um dos que mais chama a minha atenção. Quem vai à farmácia buscar uma cartela de analgésico pode perfeitamente dispensar o saquinho de papel ou a pequena sacolinha. Quem já recebeu uma sacola numa loja não precisa de outra se nela pode acomodar a nova aquisição. Nos shoppings, aqueles papéis nas bandejas dos refeitórios são dispensáveis. O desperdício é gritante nas lojas de “fast food”, onde sempre sobra um monte de papel sobre a mesa. Os comerciantes teriam condições de alterar costumes para que houvesse economia de recursos naturais, a exemplo dos empresários de hotelaria que agora deixam ao critério do hóspede o momento de lavar as toalhas. Ninguém se ofenderia em ser perguntado...
Nas festas, quase sempre me pergunto a razão de um brigadeiro precisar, atualmente, de tantas forminhas de papel sobrepostas... Muitas vezes as pessoas não se utilizam de nenhuma delas, pois procuram a essência (o doce). Não seria o caso rever esse costume e de privilegiar a simplicidade em vez de acirrar verdadeiras competições de pompa, mas, ao mesmo tempo, de desperdício e mau exemplo? Nem sempre é razoável fazer escolhas apenas com base no quesito “beleza”.
Tenho para mim que muitas vezes falta às pessoas coragem e personalidade para “ser diferente” e “fazer diferente” e que ainda prevalece a preocupação com o que poderão pensar da opção pelo visual mais “clean” de determinada embalagem de presente ou de decoração de festa, só para exemplificar. Acontece que chegará o momento em que a revisão de práticas contrárias à preservação do ambiente já não será opção, mas obrigação (como tem acontecido nos racionamentos de água). Só que o cumprimento retardado de uma obrigação, como se sabe, na maioria das vezes, não educa, não gera os mesmos resultados, além de ser sempre mais tormentoso e de não induzir reflexão. É como aquela tarefa que o aluno tem o final de semana inteiro para cumprir, mas que acaba fazendo bem no fim da noite de domingo...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.direitoilustrado.blogspot.com.br
(publicado na edição de out/2015 da Revista Comunica)



E agora, Doutor?

Nos últimos dias atuava no Plantão Policial de Lins quando policiais militares me apresentaram três indivíduos com os quais tinham apreendido, em momentos distintos, porções de maconha.
Segundo os policiais, durante a observação de uma casa apontada como ponto de tráfico, eles conseguiram identificar dois compradores que foram abordados logo depois das aquisições. Os encontros das drogas em poder deles e a conseqüente confirmação do tráfico permitiram, ato contínuo, que a equipe desembarcasse na residência do vendedor e então o detivesse, mesmo porque estocava mais uma porção da mesma substância.
Em relação ao morador, não havia dúvida de que seria preso em flagrante por tráfico de drogas, diante da suficiência de elementos de convicção: provas testemunhais das vendas, apreensões em poder dos clientes e do próprio vendedor e, principalmente, condenações anteriores pelo mesmo crime. Além do mais, as embalagens e os formatos das porções encontradas eram absolutamente idênticos.
No tocante aos compradores, era preciso aferir as suas condições (traficantes revendedores ou usuários possuidores), e, em princípio, as quantidades das drogas (43 e 70 gramas, respectivamente) depunham em seu desfavor, apesar de este não ser o único critério para a distinção entre a posse para uso e para comércio.
Cientifiquei ambos de que estavam sendo investigados pelas posses das drogas e que, por isso, tinham o direito constitucional de permanecerem calados durante as suas inquirições. Disse-lhes, ainda, que se no passado havia disposição expressa no Código de Processo Penal acerca da possibilidade de interpretar o eventual silêncio em prejuízo da defesa; atualmente há previsão justamente do contrário, ou seja, no sentido de que o silêncio não poderia prejudicá-los, até mesmo em face da previsão do direito ao silêncio pela Constituição Federal. Informei-lhes, no entanto, que a confissão, caso optassem por ela, figurava no art. 65 do Código Penal como circunstância atenuante da pena.
Nenhum deles acatou a sugestão de acionar advogado, em pese a aparente condição de fazê-lo. Preferiria que o tivessem feito...
À medida que eu os orientava, eles analisavam algumas possibilidades. Como tinham sido vistos adquirindo drogas, de nada adiantaria negar tudo. Em contrapartida, se confessassem, aquisições para consumos próprios, apesar da benesse na fixação de pena, comprometeriam o vendedor, pessoa que lhes inspirava certo temor pela própria condição de traficante. Sob outra ótica, se silenciassem sobre as invocadas condições de usuários, poderiam ser equiparados ao traficante principal, posto que as quantidades apreendidas lhes permitiriam revender a maconha.
“E agora, doutor?” Era a indagação, muito comum no filme “Carandiru”, que eu mais ouvia durante aquela madrugada... Expliquei-lhes que não assumiria a responsabilidade pelas decisões de prestar ou não os esclarecimentos por escrito, pois, quaisquer que fossem as escolhas, poderiam vir a ser criticadas e alguém poderia sugerir parcialidade nas minhas sugestões. Cada pergunta recebida eu devolvia da seguinte maneira: “‘E agora?’, digo eu, pois tenho a obrigação legal de fundamentar a minha decisão com base no que está nos autos, e não no que informalmente estão me dizendo...”. Não posso negar que estava aflito em ter de decidir o que seria de ambos se viessem optar pelo silêncio... Intimamente, preferia que se pronunciassem duas os interrogatórios.
Instalou-se uma longa conversa (o registro da opção pelo silêncio teria sido muito mais prático!) e eu acumulava as condições de Delegado e de imparcial orientador, principalmente porque a transparência inspirava confiança aos dois detidos por compra de maconha. E não poderia ser diferente, pois a função da autoridade policial não é acusar, mas investigar, tentar se aproximar o quanto possível da verdade e oferecer suas convicções à justiça, ainda que o investigado se beneficie com o trabalho investigativo.
Ao mesmo tempo em que seriam interessantes formais indicações do traficante por parte dos dois compradores (que já o tinham delatado espontânea e informalmente, mas avaliavam o custo-benefício de fazê-lo por escrito), solidarizava-me com os justificáveis temores que externavam e com os arrependimentos dos abordados. “Já não tenho mais idade para isso”, “e se meus clientes descobrirem”, lamentavam os reféns do vício com os olhos lacrimejantes...
O meu relativo desconforto somente cessou quando ambos decidiram enfrentar o problema: confessaram as aquisições e as condições de usuários há longos anos; indicaram o vendedor (que tinha sido preso quase que concomitantemente, e sem a interferência dos compradores) e justificaram que para não se exporem tanto no ponto de tráfico, costumavam adquirir maconha que os abasteceria por algum tempo. Convenci-me de que eram usuários, pois os únicos antecedentes criminais que ostentavam tratavam justamente da posse de droga para uso próprio. Acatei as justificativas e ambos foram compromissados e em seguida liberados. Dessa maneira, auxiliaram a si próprios (sujeitar-se-ão, caso condenados, a penas condizentes com a sua situação) e à justiça; e o mais importante é que agiram espontaneamente, cientes dos direitos e das conseqüências dos seus atos. Talvez eu teria tomado decisão injusta se os dois detidos tivessem optado por nada dizerem, pois, apesar de o silêncio, como já dito, não poder ser utilizado para prejudicar, em razão dele eu teria tido certa dificuldade para justificar a solução que efetivamente tomei.
É por isso que a doutrina dominante defende o caráter misto do interrogatório: meio de prova e ao mesmo tempo meio de defesa.
Nem sempre a confissão reflete a verdade (há casos de coação, de tentativa de favorecer terceiro etc.), mas, aliada a outros indícios, não há dúvida de que demonstra arrependimento de quem confessa e de que traz tranqüilidade àquele que vai decidir. Assim, em que pesem algumas divergências doutrinárias, na maioria dos casos deve beneficiar o réu na futura decisão judicial, inclusive, na minha opinião, quando o investigado, antes mesmo de ela ocorrer, já fizer jus à sanção mínima prevista em lei, para que se estimule a sua efetivação.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito e Professor universitário
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.youtube.com/adrianoponce10
(publicado no Getulina Jornal de 26/2/2006, quando o autor era Delegado de Polícia de Guarantã/SP, e republicado no Diário de Penápolis de 29/10/2015)


Dívida paga – 5 dias para exclusão da negativação

Os tribunais editam súmulas quando os seus julgadores passam a se posicionar de maneira uniforme sobre determinado tema. As súmulas não “engessam” os juízes, ou seja, nenhum julgador se torna refém daquilo que foi sumulado. Apenas no caso da chamada “súmula vinculante”, que foi criada pela Constituição Federal (art. 103-A) para que o Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, evite grave insegurança jurídica e a multiplicação de processos sobre questão idêntica, é que o enunciado deverá necessariamente ser observado pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
De qualquer forma, na maioria das vezes os juízes passam a observar as súmulas (mesmo as não-vinculantes) e a decidir em conformidade com os entendimentos dos tribunais superiores. Às vezes o juiz ressalva que pensa de outra forma, mas se curva ao entendimento da maioria, tudo de maneira a evitar que a sua posição minoritária acabe sendo revertida por meio de recursos evitáveis que “entopem” as instâncias superiores. Evita, como diz popularmente, “dar murro em ponta de faca”.
O egrégio Superior Tribunal de Justiça aprovou a edição, aos 14/10/2015, da Súmula 548, com o seguinte enunciado: “Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito”.
Se a dívida foi paga, nada justifica que a negativação persista por mais tempo. O Judiciário tem entendido que essa persistência de registro negativo gera danos morais. Isso porque esse registro fica à disposição de todos que acessarem os bancos de dados de devedores e o indivíduo continuará sendo exposto como inadimplente sem motivo.
O prazo de 5 dias a contar do dia útil subsequente à quitação (disponibilização do numerário) já tinha sido fixado pelo STJ nos autos do Recurso Especial 1.424.792. Conforme decisão publicada em setembro de 2014, incumbe ao credor retificar o banco de dados e eliminar o registro e não ao devedor, pois foi aquele que um dia se serviu da anotação como meio de coerção ao pagamento. Quem inseriu a anotação negativa é que deve providenciar a sua eliminação. Essa decisão tinha sido proferida com base no art. 543-C do Código de Processo Civil, que estabelece que quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o STJ pode firmar posição sobre o tema e o que decidir passará a reger as soluções dos futuros recursos, padronizando-se, dessa forma, os julgamentos do tribunal. O Ministro Luís Felipe Salomão, por ocasião do julgamento, destacou a importância dos cadastros de devedores: (a) constituem “legítimo instrumento de que se vale o credor para compelir o devedor a adimplir a obrigação”; (b) possibilitam “dinamização das relações econômicas”, pois favorecem que “um número maior de consumidores - que não estão em situação de inadimplência - tenha acesso ao crédito”; e (c) propiciam “que terceiros de boa-fé se previnam de devedores contumazes”. Ponderou que alguns entendiam que, quitada a dívida, o credor deveria providenciar a exclusão de imediato; e que outros diziam que isso deveria acontecer “em breve ou razoável espaço de tempo”. Considerou-se que às vezes os pagamentos são realizados mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio sujeito a confirmação; e que em alguns casos o efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor demora um pouco. E resolveu adotar o prazo de 5 dias, às vezes necessário para a confirmação da quitação, no que foi acompanhado pelos demais ministros.
A adoção do prazo pelo STJ evitará o subjetivismo, pois o que é “breve” espaço de tempo para alguém pode não sê-lo para outrem. O pronunciamento foi importante, pois não há prazo legalmente estabelecido para a exclusão da negativação e essa omissão da legislação gerava muita controvérsia. Às vezes as negativações persistiam por meses, o que retratava flagrante injustiça com aquele que já tinha pagado a sua dívida. O que se espera do credor é que se porte com a mesma responsabilidade que exige do devedor.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 22/10/2015 e abordado em entrevista à Rádio Regional Esperança aos 26/10/2015)


20 de out. de 2015

É preciso saber ouvir... [sobre a prova oral]


O interessante texto “História oral: os riscos da inocência”, de Michael M. Hall, traz importante alerta para delegados de polícia, promotores de justiça, juízes, policiais e todos aqueles que cotidianamente trabalham com depoimentos e informações trazidas pela população, como conselheiros tutelares, assistentes sociais, jornalistas, médicos etc.
Na verdade, ele não foi redigido especificamente para os citados profissionais que operam O Direito Penal, mas para pesquisadores e historiadores que se valem de informações para recomporem fatos.
Segundo o autor, “os relatos produzidos pela história oral devem estar sujeitos ao mesmo trabalho crítico de outras fontes que os historiadores costumam consultar”. Ele observa que há muito a ser pesquisado sobre o funcionamento da memória humana e sobre o quanto nossas lembranças estão suscetíveis aos envolvimentos emocionais. Ressalta que a memória de fatos está sempre sujeita às “alterações grosseiras pelas experiências posteriores na vida do entrevistado, e por uma variedade de outras modificações conscientes ou inconscientes”. Afirma, ainda, que não se podem desprezar distorções intencionais decorrentes, por exemplo, da exagerada importância dada a determinados acontecimentos; da ocultação de ações e da tentativa de vingança de velhos ressentimentos.
Muitos dos exageros ou distorções, no entanto, podem advir de puro equívoco sobre o contexto a que o entrevistado se reporta, ou mesmo da tentativa de transferir opiniões atuais para o passado.
Quando apresenta uma história pronta, o entrevistado pode nem se dar conta, por exemplo, do quanto a simplificação, que às vezes ocorre até mesmo de forma involuntária, pode ser prejudicial à revelação da verdade.
O problema se intensifica à medida que se constata, segundo o autor, que o entrevistado responde de maneira diferente segundo a identidade do entrevistador (sexo, idade, classe social etc.) ou mesmo influenciado pela maneira como a pergunta é formulada.
Para Hall, “não é necessária má-fé consciente para sair de uma entrevista tendo ouvido exatamente o que esperamos”, diante da possibilidade de inclusão de perguntas que conhecidamente o entrevistado gostaria de responder e da omissão daquelas que porventura o constrangeriam.
Em resumo, deve-se sempre levar em conta a confiabilidade relativa da memória humana.
A legislação processual penal é cautelosa ao estabelecer regras para as oitivas de testemunhas. Ora preocupa-se com o esquecimento ou distorção de informações importantes; ora procura evitar que depoimentos “encomendados” possam interferir na busca da verdade.
O Código de Processo Penal, no art. 204, autoriza que testemunhas se baseiem em algumas anotações durante depoimentos. As notas escritas, no entanto, devem se resumir às informações das quais o inquirido não se lembre com facilidade, como nomes de lugares e/ou pessoas, datas, valores e informações análogas. No tocante aos demais fatos, para evitar a manipulação prejudicial à realização da justiça, devem ser resumidos oralmente pelo inquirido, exceção feita aos depoimentos do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, que podem se pronunciar por escrito.
A forma oral permite ao inquiridor que avalie o grau de sinceridade e de espontaneidade do entrevistado.
A vedação legal à leitura de depoimento previamente escrito não impede, na plenitude, manipulações, mas funciona como fator de desestímulo à sua ocorrência, pois aumenta sensivelmente o risco daquele que pretende faltar com a verdade de cair em contradição.
De qualquer forma, Júlio Fabbrini Mirabete (Processo Penal, 2003) resume com precisão os cuidados a serem observados na obtenção ou interpretação de um depoimento: “É dos mais discutidos o valor do testemunho humano, sabido que nossos sentidos frequentemente nos iludem. Para Chaparède, há uma tendência inata de a testemunha diminuir o fator tempo e as dimensões das coisas, a desprezar o insólito (incomum) e o contingente (aleatório, ocasional, incerto), concluindo, afinal, que na vida judiciária há evidentes fontes de erros na prestação do testemunho, mesmo nos casos de boa-fé sem qualquer fator estranho de pressão. Não há no testemunho, observa ele, a precisão e a objetividade de um instrumento físico ou mecânico, ocorrendo frequentemente erros comuns de percepção de cores, de tempo e de distância e até mesmo de sons. Isso sem falar na mendacidade (falsidade) que frequentemente vicia o depoimento, estimulada por interesses pessoais ou sugestão ou ainda por sentimentos vários como amor, amizade, ódio, inveja etc.”.
Como se vê, o ato de inquirir requer muita habilidade e malícia por parte do inquiridor, que deve considerar todo o contexto e principalmente investigar se o inquirido está movido por alguns dos tais sentimentos pessoais; se tem interesse em determinado desfecho; se sua vida pregressa transmite confiança aos seus relatos etc. Exige, ainda, que se averigúe se o inquirido realmente acompanhou o ocorrido (ou se não há risco de uma mentira dita mil vezes ter se tornado uma verdade, ou seja, de a versão ser fruto do “disse-que-me-disse”) e, em caso positivo, se no momento em que vivenciou os fatos que estão sendo objeto da inquirição, a pessoa eventualmente estava alcoolizada, sonolenta, drogada, desequilibrada ou de qualquer outra forma influenciada a distorcer a compreensão do que ocorria ao seu redor; e até mesmo se maliciosamente está se aproveitando de qualquer dos estados para omitir ou alterar a verdade...
Esta lição vale até mesmo para os pais que ainda se preocupam em ouvir seus filhos e para aqueles que os ouvem demais...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado na edição de 15/10/2015 do Diário de Penápolis e abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 19/10/2015 – versão atualizada do texto publicado no Getulina Jornal de 27/6/2004)




Encargos do locador e do locatário


A Lei Federal 8.245/1991 (Lei de Locações), nos artigos 22 e seguintes, trata dos deveres do locador e locatário e parte deles tem a ver com despesas com o imóvel alugado.
Nem todas as previsões são claras. A lei não esgotou, e nem poderia, as possibilidades. Afinal de contas, não seria possível relacionar todos os gastos que podem decorrer da relação locatícia. Em razão disso tudo, às vezes surge debate sobre a responsabilidade por determinada despesa, especialmente quando há dúvida sobre a sua causa. É por isso que o locatário deve sempre exigir do locador, porque tem direito a tanto, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes. Evidentemente, o locador responde pelos vícios ou defeitos anteriores à locação, principalmente se forem ocultos, ou seja, se o inquilino não tiver condições de detectá-los de plano, como acontece com as infiltrações, goteiras, bolor e suscetibilidade do imóvel às inundações, todos, problemas estruturais.
Incumbe ao locador entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina. Por exemplo, se se tratar de locação comercial, o locador deve garantir que o imóvel seja aprovado em inspeções feitas pelo poder público para que a empresa possa nele operar.
Compete também ao locador pagar as chamadas “despesas extraordinárias de condomínio”, ou seja, as despesas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício. Como exemplos, podemos citar intervenções estruturais e relativas à habitabilidade e pinturas de fachadas e esquadrias externas; instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia e de intercomunicação.
Em consequência, cabe ao locatário arcar com despesas de manutenção rotineira. A definição sobre se a despesa é ordinária ou extraordinária dependerá da análise de cada caso. O locatário deve restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal, pois as que derivarem de ato doloso ou culposo dele, de familiares, visitantes e empregados deverão ser recompostas. Pode ser que o piso já não ostente o mesmo brilho, o que ocorreria de qualquer forma, mesmo diante de utilização normal. O Tribunal de Justiça, por exemplo, entendeu que no caso de locação para “lan house”, onde haveria movimentação de pessoas, se o piso não era apropriado para isso e por isso “sofreu” com o pisoteio, o locador não pode cobrar a sua substituição (Apelação 0003888-20.2013.8.26.0196). Quanto à pintura, normalmente se convenciona que o imóvel será restituído totalmente pintado, mas sem previsão expressa isso nem sempre será exigível se ela estiver limpa, em boas condições, pois “o desgaste natural do imóvel [...] deve ser suportado pelo proprietário” (Apelação 0545245-31.2010.8.26.0000).
O locatário tem o dever de levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este incumba. É recomendável que isso seja feito por escrito e com recibo (pode ser por correio eletrônico). Exige a lei que ele permita a vistoria do imóvel pelo locador, mediante combinação prévia. Essa vistoria pode ser importante para dirimir divergências e documentar danos.
O inquilino é responsável pelas “despesas ordinárias de condomínio”, ou seja, corriqueiras. Mais uma vez a lei menciona “condomínio”, mas as previsões servem para orientar também as locações simples. O condômino deve arcar com a manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança. O proprietário fornece os meios e o inquilino os conserva. Por isso, já se decidiu que o locatário deve responder por deterioração causada pelo abandono que gerou rachaduras nas paredes, abandono do jardim, danos no telhado e na parte elétrica (Apelação 0001362-67.2011.8.26.0126).
A lei prevê regras gerais que nem precisam ser reproduzidas no contrato, pois se presume que todos devem conhecer o seu conteúdo. Nada impede, todavia, que as partes convencionem regras específicas. Até por isso é sempre recomendável contratar por escrito e estipular minuciosamente o que cabe a cada parte, bem como realizar, ao término da locação, vistoria conjunta, devidamente ilustrada com fotografias, devendo o termo ser assinados por ambos. Havendo dificuldade para elaborar o documento, uma filmagem dessa vistoria que contemple as manifestações das partes sobre as condições do imóvel por ocasião da entrega poderá ser bastante útil se alguma divergência surgir naquele momento e tiver de ser dirimida judicialmente.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado nas edições de 1º/10/2015 do Diário de Penápolis e de 8/10/2015 do Correio de Lins; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 28/9/2015)

12 de out. de 2015

Ofendículo – uso responsável


Ofendículo, segundo o Dicionário Aurélio, é sinônimo de estorvo, embaraço, empecilho, objeto que faz tropeçar.
No “Vocabulário Jurídico” de Plácido e Silva, ofendículos são “obstáculos que são colocados para a proteção da propriedade” (edição 2008). No dizer de Damásio E. de Jesus (Código Penal Anotado, Ed. Saraiva), são “aparatos para defender o patrimônio, o domicílio ou qualquer bem jurídico de ataque ou ameaça”. De fato, não se prestam apenas à defesa de bens materiais...
Às vezes o ofendículo serve para proteger terceiros, como as pessoas que caminham nas imediações de linhas férreas. A ausência dele já gerou responsabilização pelo atropelamento de um surdo que não escutou a locomotiva, pois a administradora deveria ter previsto essa possibilidade (STJ, REsp 916.156).
Dentre os mais conhecidos estão as cercas eletrificadas, os cacos de vidro, as pontas de lança e os arames farpados que comumente são instalados em imóveis.
A utilização de ofendículos normalmente configura legítima defesa se forem facilmente perceptíveis, tiverem a finalidade única da defesa propriedade ou de qualquer outro bem jurídico e agirem com moderação, de forma compatível com a agressão que pretendem evitar. Não se vislumbra ilicitude na conduta de quem promove a sua utilização regular. Afinal, a inviolabilidade do domicílio é garantida constitucionalmente e o Código Civil tolera, inclusive, o uso de força física para preservação da posse (“O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” – artigo 1.210).
Como dito, deve haver moderação e compatibilidade entre o mal que possa ser causado pelo ofendículo e o mal que o morador ou empresário pretende evitar com a sua instalação. O STJ, por ex., manteve o julgamento pelo júri do indivíduo que preparou espingarda no quintal para disparar quando alguém adentrasse e acabou matando um invasor. Entendeu que não estava clara a legítima defesa (REsp 38.302, j. 10/11/1997).
A eletrificação de cerca de baixa estatura, em local acessível para crianças, ou mesmo a utilização de corrente elétrica desproporcional, que cause morte instantânea, por exemplo, evidentemente acarretarão a responsabilização do proprietário do dispositivo. O instalador poderá ser responsabilizado se tiver falhado. Não basta cumprir regulamentos sobre o assunto. É preciso avaliar se na prática houve suficiente prevenção de riscos.
O desfecho será o mesmo se, por exemplo, alguém eletrificar a maçaneta externa da porta de entrada de sua residência, posto que qualquer pessoa, até mesmo aquela que comparecer para uma visita cordial, poderá se ferir. É preciso que o dispositivo de segurança esteja claramente identificado. A ação do aparato oculto pode configurar crime doloso, se o risco foi previsto e aceito; ou culposo, se o resultado derivou de precipitação ou desatenção. Ex.: Instalação de cerca para proteger plantas de animais domésticos, mas cuja ação foi potencializada (causou morte) porque uma criança que a tocou tinha saído da piscina (TJSP, Ap. 128979-73.2006.8.26.0000). Outro ex.: Cerca para isolar porcos que acabou sendo tocada por criança que frequentava a casa (TJSP, Ap. 4447-88.2009.8.26.0269).
A simples eletrificação de grades que estejam junto ao passeio público, por si só, ainda que ninguém toque nelas, poderá configurar crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem. A legislação penal às vezes se antecipa para reprimir a mera causação de risco.
Pode ser que a pessoa lesionada teve culpa exclusiva, como aquela que escalou cerca para entrar sem pagar na boate (TJSP, Ap. 0000906-91.2011.8.26.0070) ou para tentar ir para o outro lado da arquibancada do estádio de futebol (TJSP, Ap. 9196493-50.2007.8.26.0000).
A verdade é que eventual excesso somente poderá ser apurado em cada caso. É preciso que o morador esteja ciente dos riscos e que tome as devidas cautelas para que o mecanismo não agrida desnecessariamente pessoas inocentes e desavisadas. Deve, por isso, indagar o instalador e analisar tudo com muita calma.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado na edição de 8/10/2015 do Diário de Penápolis; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 5/10/2015)


2 de out. de 2015

Juizado, Cejusc e os benefícios da conciliação


            A Constituição Federal, no seu artigo 22, previu os juizados “de pequenas causas”, expressão não sendo adotada na Lei Federal 9.099, publicada aos 27/9/1995, que adotou a denominação “Juizados Especiais Cíveis e Criminais”.
            Apesar de a lei limitar que se discutam certos assuntos no Juizado, ele absorve boa parte dos casos que envolvem Direito do Consumidor. Com a intensificação das relações comerciais pela Internet e a disseminação do uso do telefone celular, o Juizado “cresceu” e se tornou um importante meio de solução de crescentes conflitos nessas áreas.
            O Juizado está longe de tratar somente de “causas pequenas”. Alguns problemas não envolvem somas elevadas, mas subtraem a paz dos envolvidos. Na prática, somente aquele que vive o problema é que pode mensurar a sua extensão. O que é pequeno para um pode ser um tormento para o outro. Opinar à distância é fácil.
            Engana-se quem pensa que o Juizado não decide lides complicadas... Isso porque, muito embora, na justiça estadual, o Juizado somente possa ser acionado para causas cuja expressão econômica não supere 40 salários mínimos e cuja solução não dependa de perícia complexa, algumas demandas tratam de negócios firmados verbalmente e de fatos às vezes não testemunhados. Divergências entre contratante e construtor no que tange ao percentual da obra que foi executado nem sempre são fáceis de serem resolvidas quando não há ajuste escrito e recibos discriminados de pagamentos. Discussões sobre acidentes de trânsito sem testemunhas e sem exames periciais precisam ser resolvidas, ainda que os elementos de convicção sejam escassos. Pedidos indenizatórios por ofensas verbais às vezes contemplam versões absolutamente conflitantes que geram muitas dúvidas. O cidadão pode ajuizar ação sem assistência de advogado, diretamente no balcão do Juizado, se a sua pretensão não superar o equivalente a 20 salários mínimos, mas nem sempre tem a desenvoltura para produzir a prova do que alega. E se faltam informações, a tarefa do juiz se torna mais difícil.
            É recomendável que impasses sobre relações de consumo sejam primeiramente noticiados ao Procon. Poder ser que o problema seja solucionado por meio de um simples telefonema e dessa forma o interessado se prive do compromisso de comparecer ao juízo e da tensão e do risco que isso proporciona. O Procon tem alguns canais diretos com fornecedores de produtos e serviços.
            Envolver-se em demanda nunca é agradável. A prestação jurisdicional depende da observância de muitas regras e a resposta positiva depende da interpretação dada à prova. Às vezes o juiz até acha, no seu íntimo, que fulano tem razão, mas não dispõe de elementos para fundamentar decisão favorável e acaba negando a tutela. A audiência judicial pode gerar aflição. A sentença pode acabar desagradando as duas partes.             Por isso, um bom acordo é sinal de inteligência, ainda que o indivíduo acabe abrindo mão de parte da sua pretensão. Com o acordo o processo termina exatamente como desejaram as partes no ato da sua formulação, quando são aparados eventuais excessos naquilo que exigiam até então. O acordo gera tranquilidade; induz reflexão; serena os ânimos; reflete positivamente na saúde e tem muito mais condições de promover a paz do que uma sentença judicial.
            Transigir pode significar mais dinheiro no bolso, na medida em que o prosseguimento da ação pode gerar considerável custo; ou pode significar menos dinheiro, mas de forma mais ágil, o que normalmente também é interessante. Pode gerar interessante efeito pedagógico para o “brigão” que consegue enxergar outro caminho para a solução. Gosto bastante daquela expressão popular que diz: “Você quer ter razão ou quer ser feliz?”.
            Os Cejusc’s foram criados para fomentarem acordos. Conciliadores treinados pelo Tribunal de Justiça, todos eles bacharéis em Direito, podem atuar quando já existe processo ou mesmo antes disso (na chamada fase pré-processual). O interessado formula a reclamação e a parte contrária é convidada para uma conversa informal. O sistema tem apresentado ótimos índices de acordos. Por isso, os Juizados têm estimulado as pessoas a recorrerem primeiramente aos Cejusc’s, onde vários problemas corriqueiros podem ser tratados, como divergências entre vizinhos, satisfações de créditos, danos aos consumidores, pensões alimentícias, visitações de filhos etc. Escreva para conciliar@tjsp.jus.br e tire as suas dúvidas.
            A solução de problemas preferencialmente por meio da tentativa de conciliação é um caminho sem volta. Mas mais importante do que ter o Juizado e o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) à disposição é ter a vontade de conciliar, de solucionar amigavelmente, relegando para segundo plano a resistência exagerada à satisfação da obrigação, pretensões exageradas, o orgulho e a vaidade que muitas vezes fazem com que o indivíduo recalcitrante, mesmo que o processo prossiga e obtenha sentença favorável, na prática, antes disso, tenha se tornado um grande perdedor (de sono, de tranquilidade e até de dinheiro se a parte não tiver se atentado para o “custo-benefício” de demandar).
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 24/9/2015 e no Correio de Lins de 1º/10/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 21/9/2015)

Acidente de trânsito – produção de prova


            Boa parte dos pedidos de reparação de danos decorrentes de acidentes de trânsito desemboca no Juizado Especial.
            Muitas vezes os pedidos indenizatórios não são instruídos com suficientes elementos de convicção por conta de vacilos das partes.
            É sempre recomendável documentar o acidente por todos os meios disponíveis, principalmente por fotografias que demonstrem, de vários ângulos e distâncias, as posições dos veículos, os danos, a sinalização, os vestígios no pavimento, marcas de frenagens e outras informações relevantes.
            Não se deve abrir mão do registro da ocorrência. Economizar tempo no dia poderá gerar muitos aborrecimentos posteriormente. Pode ser que o acordo firmado na hora não seja cumprido.
            Às vezes uma das partes implora para que a polícia não seja acionada, por exemplo, porque não tem habilitação ou ela está vencida, ou porque o veículo está com o licenciamento atrasado. É importante ressaltar que a falta de habilitação e outras infrações administrativas normalmente não geram presunção de culpa, a não ser que tenha havido interferência na forma de condução do automóvel. Em alguns casos, a outra parte concorda em não acionar a polícia porque se solidariza. Noutros casos, imagina que ao dispensar a ocorrência, será indenizada mais rapidamente, diante da colaboração com aquele que no momento assume a culpa pelo evento, e pelo fato de o culpado acabar não tendo de pagar multas, diárias de pátio etc. Cada pessoa tem de arcar com as suas escolhas. A recomendação, nesse caso, é a de que, mesmo assim, toda a conversa e, em especial, o compromisso de indenização, sejam registrados. Isso pode ser feito por meio do telefone celular que disponha de aplicativo de gravação de áudio e/ou de vídeo. Ora, se a pessoa se dispõe a pagar, então provavelmente não recusará a gravação da sua fala. A recusa de confessar a culpa diante do microfone do aparelho será indicativa da falta de compromisso. A gravação da conversa por um dos interlocutores normalmente não é vista como invasão de privacidade pelos Tribunais.
            É conveniente que o envolvido em acidente se atente para a existência de câmeras de segurança nas imediações e peça ao proprietário os arquivos das imagens. Nos casos de acidentes não presenciados por testemunhas ou mesmo naqueles casos em que a parte tem dificuldade para promover oitivas de testemunhas (quando o paradeiro delas se torna desconhecido; quando se recusam a colaborar etc.), as filmagens poderão favorecer a intervenção do Judiciário.
            Quando o acidente gera lesão, cabe à polícia apurar a ocorrência ou não de crime previsto no Código de Trânsito. Acontece de os veículos serem reposicionados pelos próprios envolvidos porque a preservação do local poderia importar em riscos para outros motoristas. São constantes os acidentes de trânsito com vítimas e boa parte motiva ações judiciais de natureza cível (indenizatórias) e criminal (apurações de crimes). É preciso que a polícia judiciária reveja a praxe de dispensar exame do local sob o argumento de que houve remoções dos veículos envolvidos. A mim me parece que a justificativa não tem amparo legal. Ao contrário, o art. 6º do Código de Processo Penal prevê que a autoridade policial deverá “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias” (inciso III). Por meio da vistoria do local, mesmo que os veículos tenham sido retirados, sempre é possível colher informações importantíssimas para as soluções de demandas relacionadas. Ainda que a pessoa encarregada da vistoria venha a alegar que não tem como formar convicção, ou seja, ainda que o laudo seja inconclusivo, os elementos colhidos serão considerados pelo juiz, que não poderá se furtar de decidir. Se, por ex., a discussão tiver a ver com a invasão ou não da faixa de circulação oposta, vestígios no solo poderão favorecer a determinação da sede da colisão. Portanto, é conveniente insistir na vistoria do local e pedir ao policial que consigne na ocorrência que o pedido foi feito e, no caso de negativa, dos motivos.
            Aquele que se entende prejudicado deve sempre se acautelar e se lembrar que poderá ter de convencer o juiz daquilo que, dentro dele, pode já ser uma certeza, mas que será analisado em conjunto com a versão do adversário e de todas as demais provas em Direito admitidas.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 17/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 14/9/2015)

Corpo estranho em bebida ou alimento


          Muitas vezes o Judiciário é instado a analisar pedidos indenizatórios embasados na tese de que o consumidor deparou com algo estranho na bebida ou no alimento que adquiriu...
          Quem reclama normalmente pede o reembolso do valor do produto impróprio para consumo e despesas que decorreram dos efeitos danosos dele (problemas de saúde, prejuízos no trabalho etc.); além de invocar danos morais.
          Tais pretensões podem ser deduzidas em Vara cível, por meio de advogado, ou em Juizado, se o montante não exceder quarenta vezes o salário mínimo. Em se tratando de Juizado, nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
          O rito dos Juizados não permite exame pericial complexo. Muitas vezes não é fácil para o juiz analisar a tese de que a garrafa foi aberta depois de ter saído da fábrica ou de que o objeto foi introduzido posteriormente no recheio da bolacha sem que uma perícia seja realizada. Se o exame mais aprofundado for imprescindível, o processo que tramita no Juizado será extinto e a parte interessada deverá ajuizar nova ação.
          No que diz respeito aos danos morais, o egrégio Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo não têm reconhecido a sua ocorrência quando o produto não chega a ser consumido. O mero desapontamento de encontrar algo estranho no alimento, conforme tem sido decidido, não pode ser equiparado ao abalo psíquico exigível para a imposição da indenização por danos morais. Em suma: a constatação de corpo estranho em garrafa de bebida realmente causa indignação, mas indignação nem sempre gera indenização. Nesse sentido, sobre aquisição de refrigerante contendo inseto morto no interior da embalagem, assim se pronunciou o STJ: “RECURSO ESPECIAL DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO. EMBALAGEM DE REFRIGERANTE LACRADA. TECNOLOGIA PADRONIZADA. AUSÊNCIA DE INGESTÃO. DANO MORAL INEXISTENTE. MERO DISSABOR. ÂMBITO INDIVIDUAL. 1. Cuida-se de demanda na qual busca o autor a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da aquisição de refrigerante contendo inseto morto no interior da embalagem. 2. No âmbito da jurisprudência do STJ, não se configura o dano moral quando ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de objeto estranho no seu interior, por não extrapolar o âmbito individual que justifique a litigiosidade, porquanto atendida a expectativa do consumidor em sua dimensão plural. 3. A tecnologia utilizada nas embalagens dos refrigerantes é padronizada e guarda, na essência, os mesmos atributos e as mesmas qualidades no mundo inteiro. 4. Inexiste um sistemático defeito de segurança capaz de colocar em risco a incolumidade da sociedade de consumo, a culminar no desrespeito à dignidade da pessoa humana, no desprezo à saúde pública e no descaso com a segurança alimentar. 5. Recurso especial provido (REsp 1395647/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 19/12/2014)”.
          Pode ser, portanto, que a justiça reconheça a culpa do fabricante, determine ressarcimento do valor do produto, mas afaste a ocorrência de danos morais. Mas detalhes do caso poderão justificar o reconhecimento dos danos morais. Não há como prever o desfecho de pedido dessa natureza, mesmo porque cada julgador tem um ponto de vista sobre o que pode configurar dano moral. Alguns são menos tolerantes às falhas dos fabricantes.
          A demonstração de que o corpo estranho estava no produto antes mesmo da aquisição às vezes não é simples de ser feita. O Judiciário deve estar atento à possibilidade de má-fé do consumidor. Normalmente as pessoas indicadas para serem ouvidas são parentes ou amigos que presenciaram a detecção do corpo estranho e/ou o consumo parcial do produto. Isso também deve ser levado em conta. O rigor excessivo poderá inviabilizar a produção da prova por parte do consumidor. A tolerância excessiva poderá fomentar fraudes contra a indústria. Mas quem disse que fazer justiça é uma tarefa fácil?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 10/9/2015 e no Correio de Lins de 17/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 7/9/2015)

Buraco na via pública como fundamento de indenização


            Como têm sido relativamente comuns as reclamações de prejuízos em razão de buracos e outras imperfeições nas vias e passeios públicos, resolvi verificar como o egrégio Tribunal de Justiça tem solucionado recursos em ações indenizatórias.
            Via de regra, a justiça tem reconhecido a responsabilidade objetiva do poder público pela má-conservação e/ou ausência de fiscalização e/ou de sinalização de irregularidades no pavimento: “é do Município o dever de conservar as vias públicas em bom estado a fim de proporcionar segurança no trânsito e evitar a ocorrência de acidentes que exponham a risco a vida e o patrimônio das pessoas (CF, artigos 30, VIII, e 182). O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal dispõe que a responsabilidade dos entes públicos é objetiva pelos danos que seus agentes, nessa condição causarem a terceiros, por ação ou omissão, em consonância com o que vem sendo afirmado pela doutrina e pela jurisprudência” (Apelação 0020819-22.2012.8.26.0071).
            Em muitos casos a responsabilização abrange os danos materiais (como os prejuízos sofridos com a reparação do veículo e com tratamento médico); danos morais e aquilo que o trabalhador deixou de ganhar por ter ficado afastado das suas atividades, desde que, evidentemente, haja demonstração efetiva do que for alegado. Nos autos da Apelação 0001429-09.2011.8.26.0069 ficou decidido: “Dano moral configurado. É inequívoco o sofrimento que experimentou o autor em virtude do incidente, tendo vivenciado incômodos, dores e ferimentos. Estes, associados ao tempo despendido com o tratamento ensejaram, por certo, a modificação da rotina habitual do demandante, por prazo razoável, a justificar a fixação de danos morais. Provado o padecimento físico e psicológico imputados ao requerente, cabe a condenação da requerida ao pagamento de indenização por dano moral, o qual deverá ser arbitrado em obediência aos princípios da moderação e razoabilidade, sendo capaz de compensar a dor do lesado sem causar seu enriquecimento ilícito, e ter conteúdo didático, a fim de evitar a reincidência da conduta lesiva, sem, contudo, proporcionar enriquecimento sem causa à vítima do dano moral”. Ao julgar a Apelação 0121601-33.2008.8.26.0053, o Tribunal reconheceu “lucros cessantes” com base em “declaração do empregador de que a autora trabalhava como cozinheira e recebia R$ 120,00 por semana”.
            É evidente que o direito do acidentado (daquele que perdeu o controle do carro ou sofreu queda da motocicleta ou da bicicleta) somente pode ser reconhecido se ele produzir provas indicativas da existência da imperfeição no pavimento, da relação entre a irregularidade e o acidente (nexo causal) e de que trafegava regularmente e por isso não deu causa, exclusivamente, ao evento. Há precedente, por exemplo, no sentido de que o rebaixamento do carro e a instalação de pneus muito diferentes dos originais, em determinado acidente, foram determinantes, tendo sido reconhecida a culpa concorrente (Apelação 0000837-67.2010.8.26.0111), o que significa, na prática, a redução da indenização em razão da divisão da responsabilidade. A análise de detalhes do caso é que vai propiciar a conclusão sobre a evitabilidade ou não do acidente pelo condutor. Quando resolveu a Apelação 0043448-15.2010.8.26.0053, por exemplo, o TJSP reconheceu que o condutor trafegava “em trecho em que proibida a circulação de veículos - entre a faixa exclusiva de ônibus e a faixa de rolamento de veículos particulares”, e negou indenização.
            Antes de demandar é preciso verificar quem é responsável pela via (se ele é municipal, estadual ou federal). No caso de acidente em rodovia pedagiada, esse dever de conservação normalmente é assumido pela concessionária. No julgamento da Apelação 0002610-04.2013.8.26.0157, foi reconhecida a “relação de consumo” e a culpa da concessionária por “acúmulo de óleo em uma curva”.
            Se o condutor não produz elementos de convicção de que foi lesado, o seu pedido será improcedente (Apelação 3000304-70.2013.8.26.0590). É recomendável fotografar as irregularidades que deram causa ao evento lesivo e as consequências dele. Não bastam fotografias de buracos, de amassados ou de pneus rasgados. As imagens devem retratar os posicionamentos dos buracos na via, as condições de luminosidade e de tráfego; bem como devem identificar o veículo danificado e, com detalhes, todos os danos produzidos. A existência de buracos nem sempre autoriza a imposição de indenização porque pode ser que se conclua que, por serem poucos e/ou superficiais, não foram determinantes para o acidente (Apelação 0014174-77.2010.8.26.0482). Certa vez afastei indenização porque o condutor conhecia bem a via que percorria diariamente e utilizava motocicleta com suspensão propícia para pavimento com pequenas imperfeições.
            Dentro do possível aquele que se diz prejudicado deve arrolar testemunhas.
            Todo esse raciocínio normalmente também favorece a solução de reclamação por queda de pedestre em passeio público não fiscalizado pelo poder público (Apelação 0039605-50.2010.8.26.0309).
            É importante destacar que “a prescrição contra a Fazenda Pública, mesmo em ações indenizatórias, rege-se pelo Decreto 20.910/1932, que disciplina que o direito à reparação econômica, prescreve em cinco anos da data da lesão ao patrimônio material ou imaterial’” (Apelação 0167096-22.2009.8.26.0100). A Primeira Seção do STJ, sob o rito do art. 543-C do CPC, no julgamento do Recurso Especial 1.251.993/PR, assentou que os prazos prescricionais do Código Civil não são aplicados às demandas movidas contra a Fazenda Pública, prevalecendo o prazo quinquenal.
            A análise da responsabilidade, evidentemente, é feita caso a caso, à luz das provas produzidas.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 3/9/2015 e no Correio de Lins de 8/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 31/8/2015)