O psicanalista David E. Zimerman publicou interessante
estudo intitulado “A influência dos fatores psicológicos inconscientes na
decisão jurisdicional” na Revista Themis, editada pela Escola
Superior da Magistratura do Estado do Ceará (vol. 4, 2006).
O texto favorece a compreensão de como cada um de nós
toma decisões e daquilo que pode interferir na convicção do julgador. É útil
não só para magistrados.
Zimerman
explica que a capacidade de julgar depende diretamente de como é o juízo
crítico de cada pessoa em relação ao seu mundo interno. Quem possui
preconceitos (pré-conceitos) rígidos não alcança a necessária isenção.
Às vezes,
quem julga tem pensamentos, sentimentos e intenções que não consegue assumir
por lhe serem desagradáveis, intoleráveis ou inconscientes. A percepção sobre o
outro pode ser distorcida em razão da atribuição de tudo isso à pessoa julgada.
A capacidade
de empatia, ou seja, de o julgador se colocar no lugar do outro, de se sentir
junto com ele, é de extrema importância.
Aquele que,
mesmo por confusão, discrimina equivocadamente, pode vir a abusar de incriminar
ou de recriminar a pessoa julgada. Ao analisar uma briga de casal, por ex., o
julgador pode se manter neutro (que não é o mesmo que ser indiferente) ou pode
se deixar levar por situações familiares presenciadas ou vivenciadas e tomar
partido, ainda que inconscientemente. A identificação (empatia) com a vítima ou
o agressor, se não for excessiva, pode ser saudável para a melhor decisão. O
excesso, ao contrário, comprometerá a justiça da conclusão.
O estudioso
relaciona dez traços marcantes que caracterizam tipos de personalidades. Ao
analisá-los detidamente, o julgador poderá perceber a si mesmo e compreender
melhor as partes, facilitando, dessa forma, o seu trabalho. As características
são inerentes a todos os seres humanos e se combinam numa mesma pessoa, em
variados graus. Nem sempre são prejudiciais quando não há excessos. Semelhanças
ou divergências intensas entre traços de personalidade do julgador e da pessoa
julgada, segundo Zimerman, podem levar à benevolência ou à repulsa. Vejamos o
que pode, de forma inconsciente,
causar a preponderância de determinada personalidade:
a)
depressiva: o julgador que se sente corresponsável pelas tragédias tem
dificuldade para condenar o outro;
b)
paranóide: o julgador desconfiado, que mantém posição defensiva, pode reagir de
forma aparentemente agressiva ou não condenar por receio de vingança;
c) maníaca:
o otimismo exagerado pode fazer com que o julgador enfrente as questões com
superficialidade e de forma jocosa para fugir de quadro depressivo;
d)
esquizóide: a personalidade arredia, esquisita, pode gerar da indiferença à
arrogância;
e) fóbica: a
pessoa evita situações que a angustiam e podem lhe provocar fobia e por isso
pode se desgastar muito ao ter de tomar uma delicada decisão;
f)
obsessivo-compulsiva: a prevalência dessas características pode levar o
julgador a ser radical e implacável, sem flexibilidade consigo e com os outros.
O receio de errar pode gerar constante estado de dúvida e, em consequência,
desgaste excessivo ao decidir;
g)
histérica: a instabilidade de humor tem a ver com a falta de habilidade para
enfrentar frustrações, e nesse caso o julgador pode ser imprevisível, ter
reações típicas de crianças.
O julgador
pode se deparar, ainda, com o psicopata, que cativa o outro até que tenha
condições de prejudicá-lo; o falso, que inconscientemente se ilude ao passar a
impressão de sucesso e felicidade, muito embora seja uma pessoa vazia; e com o
narcisista, que tem dificuldade para lidar com críticas e se acha ou o melhor,
ou o pior.
A ideologia
do julgador interfere na sua convicção (valores pessoais sobre moral, ética,
política, religião, cultura etc.).
Não podemos
nos esquecer de que ele sofre pressões externas extraprofissionais (familiares
etc.); profissionais (demanda excessiva de trabalho, condições inadequadas) e
internas (diferentes tipos de ansiedades e sentimentos, como o amor, ódio,
medo, vergonha, inveja, ciúme, culpas etc.).
A
intolerância que o julgador possa ter em relação a algum aspecto seu que ele
considera menos nobre, mas que ameaça emergir em sua consciência e conduta,
pode levá-lo a sérios conflitos de valores, e daí para a crise emocional.
As perdas
decorrentes das mudanças de local de trabalho e seus desdobramentos podem
alimentar crises pessoais, o que não deve ser desconsiderado.
Pode ser que
o julgador enfrente perda muito importante, decorrente da melancólica conclusão
de que ele não atingiu as metas a que tinha se proposto e com as quais sempre
sonhou.
Compreendendo
tudo isso, quem tem poder de decisão poderá ficar mais atento; e os demais
terão condições de compreender melhor quem julga.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de
Direito / Professor no Unisalesiano
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Adriano Ponce Jurídico
(publicado
no Diário de Penápolis de 5/2/2015 e na edição de fevereiro da Revista
Comunica)