Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

24 de mai. de 2015

Até pochete...


Outro dia eu procurava na Internet o telefone de uma empresa de software catarinense que presta serviços para o Tribunal de Justiça e deparei, no “site” dela, com simpático recado que estimulava o credenciamento de interessados em trabalho:

“Aqui não tem frescura - Sim, temos algumas regras. Mas queremos que você seja você mesmo. Traje social, só se for para encontrar um cliente. Caso contrário: camiseta, tênis, jeans, kilt, burca – enfim, siga o seu jeito, a sua cultura. Até pochete; a gente jura que não tem preconceito. O importante é o que você produz. E que você esteja vestido.”

Não é à toa que Santa Catarina tem sido considerado o Estado onde as pessoas trabalham mais satisfeitas...

Logo me recordei que quando eu era Delegado em Getulina(SP) (nov/2000 – jan/2004), impliquei indevidamente com um homem que usava bermuda na repartição. Passei por ele e o indaguei sobre o traje que, na ocasião, entendi como impróprio. Ele respondeu de forma simplória e eu interpretei a resposta como um desdém dele em relação à indagação que eu tinha manifestado. Fiz uma advertência que hoje já não faria e a respeito da qual me arrependi bastante. “Frescura” da minha parte. Faltou bom senso. O indivíduo era morador antigo da cidade. Estava entre amigos na repartição. Estava bem-intencionado. Queria entregar uma arma. Felizmente, tive a oportunidade de me desculpar, ele aceitou as desculpas e depois disso tudo ficou bem entre nós e já tivemos outros contatos. Aprendi...

Quando fui fazer a segunda fase do concurso da magistratura de São Paulo o edital mencionava a necessidade de “traje compatível”. No local deparei com homens de terno e mulheres com salto alto. Eu fui de calça jeans porque usei transporte público e chegaria amarrotado. Ademais, precisava de conforto naquele momento. Os demais candidatos demonstraram estranheza. Eu parecia “um peixe fora d’água”... Mas o pessoal da organização nada disse e nem poderia. Para mim, o traje era “compatível” com a situação, especialmente porque os condicionadores de ar não eram tão comuns...

Logo que assumi a diretoria do Fórum de Penápolis(SP) pela primeira vez (estou na segunda gestão), fui perguntado pelo pessoal da portaria sobre trajes permitidos. Afinal, o Judiciário sempre foi exigente. O Fórum sempre foi frequentado por pessoas bem vestidas, muito embora a miséria seja causadora de boa parte das demandas... Respondi que apenas quem afrontasse os bons costumes deveria ser repreendido. E expliquei que essa avaliação deveria levar em conta também aquilo que provavelmente a própria pessoa considerasse adequado.

Não faz muito tempo que a imprensa noticiou que determinadas instituições estavam “liberando” visitantes do uso de terno e gravata no verão, como se a exigência desse traje fosse legítima. Há repartições que simplesmente não permitem o acesso de quem não esteja de terno. Há Tribunais que condicionam acessos às audiências ao uso do terno, frustrando, de certa forma, a necessidade de publicidade, uma vez que o mais pobre nem sempre conseguirá se adequar. Sinceramente, não consigo entender de onde veio essa idéia de obrigatoriedade de um traje que custa caro e que, muito embora traduza elegância, quase sempre é incompatível com as elevadas temperaturas registradas no Brasil na maior parte do ano...

Vivemos numa sociedade cheia de regras que precisam ser repensadas. Há quem considere um traje que mostre mais o corpo como normal e adequado para qualquer ambiente porque foi educado dessa forma. Não podemos deduzir intenção de desrespeitar quem quer que seja pela simples opção de vestimenta. Muitas vezes um indivíduo honesto e cumpridor dos seus deveres, empoeirado, vestindo a roupa que usava no trabalho e/ou a que tem condições de ter, é advertido numa repartição pública ao mesmo tempo em que nela ingressa tranquilamente um estelionatário bem-vestido...

Com a devida vênia, penso até que o uso de bermuda pelo servidor não seria de todo incompatível com o serviço público. Até mesmo na rigorosa Polícia Militar ele foi, de forma bastante sensata, admitido em algumas situações. Um dia isso poderá até acontecer, mas dependerá da mudança de mentalidade que, no que tange a alguns temas, acontece bem lentamente. Nas empresas privadas que descobriram os benefícios de se conceder maior liberdade aos empregados e de se respeitar as individualidades deles, os bons resultados surgiram rapidamente. Na minha opinião, até pochete tá valendo! (rs)

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado na edição de abril/2015 da Revista Comunica e na edição de 15/5/2015 do Diário de Penápolis)

Observações: Atuei no Fórum de Penápolis até 10/5/2015 e atualmente trabalho na Vara do Juizado Especial Cível de Lins. Texto remetido ao Diário de Penápolis antes da remoção.


“Os canalhas também envelhecem”


Recordo-me de que quando assumi a Delegacia de Polícia de Guaimbê(SP), em novembro de 1998, algumas pessoas revelavam preocupações com abusos sexuais de crianças que três idosos octogenários promoviam na casa de um deles. O morador tinha 86 anos e costumava ficar sentado diante do imóvel onde o trio se reunia. Não raramente cochilava ali mesmo. O seu estado físico era visivelmente debilitado, tinha dificuldade de locomoção, mas, mesmo assim, conforme conseguimos apurar, ele e os parceiros faziam pequenas doações em dinheiro para que crianças de quatro a dez anos (salvo engano, identificamos seis) de ambos os sexos permitissem práticas libidinosas diversas da conjunção carnal (como carícias íntimas e sexo oral). Na época o delito imputado foi o atentado violento ao pudor, mas atualmente o Código Penal trata todo tipo de abuso como estupro. Pessoa do sexo masculino, portanto, já pode ser vítima desse delito. Suspeitávamos, mas não conseguimos comprovar, que pelo menos uma das mães incentivava seus dois filhos a pedirem dinheiro aos idosos. O problema era antigo e não tive escolha: representei pela prisão preventiva do dono da casa. Ela foi decretada e ele foi recolhido na Cadeia Pública de Getulina, tendo sido libertado algum tempo depois sob a condição de a família cumprir a promessa de levá-lo para outra cidade. O caso repercutiu tanto que foi veiculado no programa do apresentador Ratinho. Tenho o vídeo guardado até hoje e sempre me revolto com o comentário debochado feito por Ratinho: “Eu acho que ele não deveria ser preso não. A gente deveria perguntar o que ele toma...” (referindo-se à preservação do apetite sexual).

Sempre que uma pessoa idosa é presa surgem questionamentos sobre como a lei trata dessa questão. Isso tem acontecido por conta de operações de combate à corrupção. Às vezes as pessoas se sensibilizam, mas se esquecem de que o idoso em liberdade pode constituir ameaça à ordem pública, especialmente no caso de crimes contra a dignidade sexual. Afinal, já alertava Ruy Barbosa: “Não se deixem enganar pelos cabelos brancos, pois os canalhas também envelhecem” (na Internet também encontrei atribuição da autoria a Rachel de Queiroz).

Normalmente idosos se envolvem em crimes sexuais e porte de arma, mas são mais comuns os envolvimentos em estelionatos, pois o golpista profissional faz da fraude o seu meio de vida...

A apuração de crime imputado ao idoso se desenrola sem nenhuma alteração por conta da idade do réu. O maior de 70 anos na data da sentença faz jus, todavia, à redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 do Código Penal). Por isso, é recomendável maior agilidade na condução do processo se o réu estiver se aproximado dessa idade.

Uma vez condenado, o idoso deverá dar início ao cumprimento da pena imposta. O Estado deverá se atentar para o princípio da dignidade humana, um dos fundamentos estruturantes do Estado Democrático de Direito (Constituição Federal, art. 1º, III, c/c o art. 5º, XLIX). O art. 5º da Constituição, no inciso XLVIII, determina que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade, e o sexo do apenado. Conforme art. 82 da Lei de Execuções Penais, o maior de 60 anos deverá ser recolhido a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. No caso de regime fechado ou semiaberto o réu será preso, respectivamente, em estabelecimento de segurança máxima ou média; ou em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. A pena superior a oito anos e a reincidência normalmente justificam regime fechado. A pena superior a quatro anos e inferior a oito autoriza o regime semiaberto. Mas cada caso é um caso e as condições judiciais previstas no art. 59 do Código serão determinantes para a escolha.

Segundo o art. 77, a execução da pena privativa de liberdade não superior a quatro anos poderá ser suspensa desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade ou razões de saúde justifiquem a suspensão. Trata-se da suspensão condicional da pena, também conhecida como “sursis” (pronuncia-se “sursí”), cabível quando o condenado não é reincidente em crime doloso (salvo se condenado ao pagamento de multa) e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício.

Uma vez encarcerado, o maior de 70 anos ou o condenado acometido de doença grave que estiver no regime aberto terá direito à prisão domiciliar, conforme art. 117 da Lei de Execuções Penais. O Supremo já decidiu que com o advento do Estatuto do Idoso e a fixação da idade de 60 anos para o reconhecimento dessa condição, as previsões penais sobre 70 anos não se alteraram (HC 88083). O STF e o STJ têm decidido que a prisão domiciliar para enfermos exige demonstração cabal de que o estabelecimento prisional não oferece condições de tratamento (confiram-se no STJ, HC 40.272/MS, de 1º/9/2005; HC 41935⁄MG, DJ 23/5/2005; HC 33777⁄RJ, DJ 8/11/2004; HC 17.429/PR, julgado em 15/8/2002). O STJ, excepcionalmente, já admitiu a prisão domiciliar para enfermo (só para ele, não para o idoso) que cumpre pena em regime prisional diverso do aberto. E já estendeu o favor do regime domiciliar para o idoso e doente preso por débito de pensão alimentícia, muito embora tenha ressaltado que o STF não vinha aplicando a Lei de Execuções Penais à prisão civil (HC 57.915/SP, julgado aos 3/8/2006; RHC 13.165/SP, julgado ao 1º/10/2002).

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 21/5/2015 – abordado no quadro “Nossos Direitos da Rádio Regional Esperança aos 18/5/2015)

11 de mai. de 2015

Saída temporária "versus" indulto (versão 2015)


            A concessão da saída temporária aos presos é tão frequente quando a confusão que decorre da sua diferenciação com o indulto.
            Não se pode conceber que grandes jornais e emissoras de televisão, responsáveis pela disseminação da informação equivocada que hoje está “na boca do povo”, não se preocupem com a revisão jurídica de seus textos.
            É bem verdade que a diferença é técnica, mas tem sido decepcionante ver até servidores públicos da área se equivocarem com constância, mesmo os bacharéis em Direito.
            Indulto e saída temporária são institutos diversos...
            Quando alguém pratica uma infração penal, surge para o Estado o direito de punir. O indulto é uma espécie de perdão, de clemência. Por meio do tal incidente de execução o Estado renuncia àquele direito, abre mão de punir ou de continuar punindo o infrator, ou permite a comutação da pena originalmente imposta pelo Poder Judiciário. A competência é afeta ao Presidente da República, que discricionariamente, por decreto, decide pela concessão. Tem caráter coletivo (a modalidade individual recebe o nome de “graça”) e é concedido espontaneamente. Não atinge os efeitos secundários penais e extrapenais da condenação (persiste o dever de reparar civilmente o dano). Por meio do indulto o Presidente pode, como dito, extinguir, diminuir ou comutar a pena. A concessão pode ser condicionada a circunstâncias atuais ou futuras. É possível, por exemplo, que se exija primariedade, idade máxima do sentenciado, cumprimento de certa fração da pena ou específico regime prisional. Há, portanto, motivação política no ato do Presidente (já se fez uso dele unicamente para o esvaziamento de presídios), que, uma vez editado, será cumprido pelas Varas de Execuções, incumbindo aos respectivos Juízes a análise do preenchimento de requisitos e a efetiva extensão do favor a cada condenado.
            A saída temporária tem contornos bem diferenciados. É ato do Juiz da execução (e não do Presidente da República). Como o próprio nome indica, a liberdade é efêmera, excepcional, e não definitiva como aquela que pode decorrer do indulto. A Lei de Execuções Penais somente autoriza a concessão àquele que estiver cumprindo pena em regime semiaberto (o indulto pode abarcar qualquer regime). Três intenções justificam a saída temporária: visita à família; frequência a curso supletivo profissionalizante, ou mesmo de ensino médio ou superior; ou participação em atividades que contribuam para a ressocialização. O Juiz deve considerar o mérito do condenado e a compatibilidade da saída com a finalidade da pena. As saídas estão limitadas ao prazo máximo de 7 dias e podem ser concedidas até cinco vezes por ano (salvo se concedidas para a frequência a cursos, quando terão a mesma duração deles). Na prática costumam ser autorizadas no Carnaval, na Páscoa, no Dia das Mães, no Dia dos Pais, no feriado de Finados, no Natal e na virada do ano, mas a lei não estabelece datas. A prática de fato definido como crime doloso dá causa ao cancelamento imediato do benefício. O preso precisa ter cumprido 1/6 do total da pena (ou 1/4 ser for reincidente). A Lei 12.258/2010 passou a permitir ao juiz que determine o uso de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, mas, é claro, é preciso que o aparelho esteja disponível em número suficiente. A norma inda impôs as seguintes condições mínimas: (I) fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; (II) recolhimento à residência visitada, no período noturno; (III) proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres. Previu intervalos mínimos de 45 dias entre as saídas, a não ser nos casos de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior.
            Quando eu era Delegado de Polícia, não havia sintonia entre as Secretarias da Administração Penitenciária e de Segurança Pública. Nem sempre a primeira oferecia e nem sempre a segunda solicitava ou aproveitava as informações referentes às identidades e endereços declarados pelos beneficiados. Antes de cada concessão os policiais começavam a tentar adivinhar se determinado preso seria beneficiado e se desdobravam para tentar confirmar tal suspeita a fim de acompanhar os seus passos.
            O indulto normalmente é concedido no período natalino. As saídas temporárias costumam ser deferidas tanto para as festas de final de ano quanto para outras datas festivas, como já ressaltado. A coincidência de concessões no Natal pode ser uma das causas da referência aos institutos como se fossem sinônimos.
            Infelizmente a finalidade de propiciar ao condenado alguns dias de convívio familiar nem sempre é alcançada, seja porque muitas vezes ele sequer possui família nas proximidades ou não será recebido por ela; seja porque ainda não há suficiente fiscalização sobre a sua conduta (muito embora as polícias estejam fazendo visitas surpresas aos endereços); seja porque muitas vezes o beneficiado se serve da liberdade para o cometimento de crimes, o que tem feito a sociedade questionar cada vez mais o benefício...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
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1 de mai. de 2015

Fraude contra credores e fraude à execução


A fraude contra credores está prevista nos artigos 158 e seguintes do Código Civil. Pratica fraude aquele que deve, não tem recursos para pagar e mesmo assim transmite bens, gratuita ou onerosamente, ou perdoa dívidas, inviabilizando o recebimento por parte dos seus credores.

Segundo ao artigo 159, serão “anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante”. No caso de transmissão gratuita (como a doação), esse conhecimento por parte do destinatário do bem nem é exigido, ou seja, ele pode até estar de boa-fé.

A chamada ação paulina ou revocatória poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. Ou seja, nem todo negócio poderá ser desfeito.

O negócio que o devedor firma antes mesmo da cobrança judicial, como se vê, pode ser atingido se vier a ser considerado fraudulento.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, inclusive, que é possível reconhecer fraude contra credores mesmo que o débito do vendedor do bem ainda não esteja definitivamente constituído. Em suma: se o vendedor está com dívida para vencer e ardilosamente começa a se desfazer do patrimônio, os negócios poderão ser desfeitos pelo Judiciário e as pessoas que com ele negociaram eventualmente poderão ser atingidas se tiverem aderido ao intento ilícito (Recurso Especial 1.324.308/PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 26/08/2014).

A fraude à execução foi objeto dos artigos 593 e seguintes do Código de Processo Civil: “Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei”.

A fraude à execução também foi prevista como crime no art. 179 do Código Penal: “Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa”.

Normalmente quando alguém adquire um carro usado, promove pesquisa junto ao Detran para saber se existe restrição (bloqueio). Essa cautela realmente deve ser sempre adotada. Se o negócio foi firmado e já existia bloqueio, dificilmente o comprador não será atingido pelo reconhecimento judicial da fraude. Isso porque com o lançamento da restrição se presume que todos dela passam a ter conhecimento.

Acontece que pode existir execução em trâmite e a justiça ainda não ter deliberado pelo bloqueio ou mesmo a determinação ainda não ter sido recebida na repartição de trânsito ou ainda não ter sido lançada. Qualquer que seja o contexto, a inexistência de bloqueio formal nem sempre significará paz para o comprador. Isso porque o terceiro interessado poderá ajuizar pedido tendente à comprovação de que o comprador estava mancomunado com o vendedor do automóvel, ou seja, de que ambos ajustaram negócio justamente para frustrar os credores deste último. A avaliação da existência ou não de boa-fé do comprador dependerá da análise de detalhes de cada caso.

Via de regra, a existência de má-fé por parte de quem compra será, como dito, analisada. Todavia, se o vendedor do veículo for devedor do fisco (tributos), ou seja, se contra ele já tiver sido expedida certidão de dívida ativa, existindo ou não ação de execução fiscal, a negociação do bem será fatalmente afetada, independentemente de nada constar no cadastro do Detran. Isso porque o artigo 185 do Código Tributário, alterado pela Lei Complementar 118/2005, determina: “Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”, a não ser que tenham sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento. Conforme já decidiu, “a diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas” (STJ, Recurso Especial 1.141.990/PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado aos 10/11/2010). O ideal, portanto, é pesquisar se o vendedor deve tributos e recorrer não só aos cadastros do Judiciário, mas também das repartições públicas...

Portanto, esteja sempre muito atento e escolha muito bem com quem vai negociar! Às vezes o que parece barato se torna muito caro!

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
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