Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

20 de out. de 2015

É preciso saber ouvir... [sobre a prova oral]


O interessante texto “História oral: os riscos da inocência”, de Michael M. Hall, traz importante alerta para delegados de polícia, promotores de justiça, juízes, policiais e todos aqueles que cotidianamente trabalham com depoimentos e informações trazidas pela população, como conselheiros tutelares, assistentes sociais, jornalistas, médicos etc.
Na verdade, ele não foi redigido especificamente para os citados profissionais que operam O Direito Penal, mas para pesquisadores e historiadores que se valem de informações para recomporem fatos.
Segundo o autor, “os relatos produzidos pela história oral devem estar sujeitos ao mesmo trabalho crítico de outras fontes que os historiadores costumam consultar”. Ele observa que há muito a ser pesquisado sobre o funcionamento da memória humana e sobre o quanto nossas lembranças estão suscetíveis aos envolvimentos emocionais. Ressalta que a memória de fatos está sempre sujeita às “alterações grosseiras pelas experiências posteriores na vida do entrevistado, e por uma variedade de outras modificações conscientes ou inconscientes”. Afirma, ainda, que não se podem desprezar distorções intencionais decorrentes, por exemplo, da exagerada importância dada a determinados acontecimentos; da ocultação de ações e da tentativa de vingança de velhos ressentimentos.
Muitos dos exageros ou distorções, no entanto, podem advir de puro equívoco sobre o contexto a que o entrevistado se reporta, ou mesmo da tentativa de transferir opiniões atuais para o passado.
Quando apresenta uma história pronta, o entrevistado pode nem se dar conta, por exemplo, do quanto a simplificação, que às vezes ocorre até mesmo de forma involuntária, pode ser prejudicial à revelação da verdade.
O problema se intensifica à medida que se constata, segundo o autor, que o entrevistado responde de maneira diferente segundo a identidade do entrevistador (sexo, idade, classe social etc.) ou mesmo influenciado pela maneira como a pergunta é formulada.
Para Hall, “não é necessária má-fé consciente para sair de uma entrevista tendo ouvido exatamente o que esperamos”, diante da possibilidade de inclusão de perguntas que conhecidamente o entrevistado gostaria de responder e da omissão daquelas que porventura o constrangeriam.
Em resumo, deve-se sempre levar em conta a confiabilidade relativa da memória humana.
A legislação processual penal é cautelosa ao estabelecer regras para as oitivas de testemunhas. Ora preocupa-se com o esquecimento ou distorção de informações importantes; ora procura evitar que depoimentos “encomendados” possam interferir na busca da verdade.
O Código de Processo Penal, no art. 204, autoriza que testemunhas se baseiem em algumas anotações durante depoimentos. As notas escritas, no entanto, devem se resumir às informações das quais o inquirido não se lembre com facilidade, como nomes de lugares e/ou pessoas, datas, valores e informações análogas. No tocante aos demais fatos, para evitar a manipulação prejudicial à realização da justiça, devem ser resumidos oralmente pelo inquirido, exceção feita aos depoimentos do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, que podem se pronunciar por escrito.
A forma oral permite ao inquiridor que avalie o grau de sinceridade e de espontaneidade do entrevistado.
A vedação legal à leitura de depoimento previamente escrito não impede, na plenitude, manipulações, mas funciona como fator de desestímulo à sua ocorrência, pois aumenta sensivelmente o risco daquele que pretende faltar com a verdade de cair em contradição.
De qualquer forma, Júlio Fabbrini Mirabete (Processo Penal, 2003) resume com precisão os cuidados a serem observados na obtenção ou interpretação de um depoimento: “É dos mais discutidos o valor do testemunho humano, sabido que nossos sentidos frequentemente nos iludem. Para Chaparède, há uma tendência inata de a testemunha diminuir o fator tempo e as dimensões das coisas, a desprezar o insólito (incomum) e o contingente (aleatório, ocasional, incerto), concluindo, afinal, que na vida judiciária há evidentes fontes de erros na prestação do testemunho, mesmo nos casos de boa-fé sem qualquer fator estranho de pressão. Não há no testemunho, observa ele, a precisão e a objetividade de um instrumento físico ou mecânico, ocorrendo frequentemente erros comuns de percepção de cores, de tempo e de distância e até mesmo de sons. Isso sem falar na mendacidade (falsidade) que frequentemente vicia o depoimento, estimulada por interesses pessoais ou sugestão ou ainda por sentimentos vários como amor, amizade, ódio, inveja etc.”.
Como se vê, o ato de inquirir requer muita habilidade e malícia por parte do inquiridor, que deve considerar todo o contexto e principalmente investigar se o inquirido está movido por alguns dos tais sentimentos pessoais; se tem interesse em determinado desfecho; se sua vida pregressa transmite confiança aos seus relatos etc. Exige, ainda, que se averigúe se o inquirido realmente acompanhou o ocorrido (ou se não há risco de uma mentira dita mil vezes ter se tornado uma verdade, ou seja, de a versão ser fruto do “disse-que-me-disse”) e, em caso positivo, se no momento em que vivenciou os fatos que estão sendo objeto da inquirição, a pessoa eventualmente estava alcoolizada, sonolenta, drogada, desequilibrada ou de qualquer outra forma influenciada a distorcer a compreensão do que ocorria ao seu redor; e até mesmo se maliciosamente está se aproveitando de qualquer dos estados para omitir ou alterar a verdade...
Esta lição vale até mesmo para os pais que ainda se preocupam em ouvir seus filhos e para aqueles que os ouvem demais...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
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(publicado na edição de 15/10/2015 do Diário de Penápolis e abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 19/10/2015 – versão atualizada do texto publicado no Getulina Jornal de 27/6/2004)




Encargos do locador e do locatário


A Lei Federal 8.245/1991 (Lei de Locações), nos artigos 22 e seguintes, trata dos deveres do locador e locatário e parte deles tem a ver com despesas com o imóvel alugado.
Nem todas as previsões são claras. A lei não esgotou, e nem poderia, as possibilidades. Afinal de contas, não seria possível relacionar todos os gastos que podem decorrer da relação locatícia. Em razão disso tudo, às vezes surge debate sobre a responsabilidade por determinada despesa, especialmente quando há dúvida sobre a sua causa. É por isso que o locatário deve sempre exigir do locador, porque tem direito a tanto, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes. Evidentemente, o locador responde pelos vícios ou defeitos anteriores à locação, principalmente se forem ocultos, ou seja, se o inquilino não tiver condições de detectá-los de plano, como acontece com as infiltrações, goteiras, bolor e suscetibilidade do imóvel às inundações, todos, problemas estruturais.
Incumbe ao locador entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina. Por exemplo, se se tratar de locação comercial, o locador deve garantir que o imóvel seja aprovado em inspeções feitas pelo poder público para que a empresa possa nele operar.
Compete também ao locador pagar as chamadas “despesas extraordinárias de condomínio”, ou seja, as despesas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício. Como exemplos, podemos citar intervenções estruturais e relativas à habitabilidade e pinturas de fachadas e esquadrias externas; instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia e de intercomunicação.
Em consequência, cabe ao locatário arcar com despesas de manutenção rotineira. A definição sobre se a despesa é ordinária ou extraordinária dependerá da análise de cada caso. O locatário deve restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal, pois as que derivarem de ato doloso ou culposo dele, de familiares, visitantes e empregados deverão ser recompostas. Pode ser que o piso já não ostente o mesmo brilho, o que ocorreria de qualquer forma, mesmo diante de utilização normal. O Tribunal de Justiça, por exemplo, entendeu que no caso de locação para “lan house”, onde haveria movimentação de pessoas, se o piso não era apropriado para isso e por isso “sofreu” com o pisoteio, o locador não pode cobrar a sua substituição (Apelação 0003888-20.2013.8.26.0196). Quanto à pintura, normalmente se convenciona que o imóvel será restituído totalmente pintado, mas sem previsão expressa isso nem sempre será exigível se ela estiver limpa, em boas condições, pois “o desgaste natural do imóvel [...] deve ser suportado pelo proprietário” (Apelação 0545245-31.2010.8.26.0000).
O locatário tem o dever de levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este incumba. É recomendável que isso seja feito por escrito e com recibo (pode ser por correio eletrônico). Exige a lei que ele permita a vistoria do imóvel pelo locador, mediante combinação prévia. Essa vistoria pode ser importante para dirimir divergências e documentar danos.
O inquilino é responsável pelas “despesas ordinárias de condomínio”, ou seja, corriqueiras. Mais uma vez a lei menciona “condomínio”, mas as previsões servem para orientar também as locações simples. O condômino deve arcar com a manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança. O proprietário fornece os meios e o inquilino os conserva. Por isso, já se decidiu que o locatário deve responder por deterioração causada pelo abandono que gerou rachaduras nas paredes, abandono do jardim, danos no telhado e na parte elétrica (Apelação 0001362-67.2011.8.26.0126).
A lei prevê regras gerais que nem precisam ser reproduzidas no contrato, pois se presume que todos devem conhecer o seu conteúdo. Nada impede, todavia, que as partes convencionem regras específicas. Até por isso é sempre recomendável contratar por escrito e estipular minuciosamente o que cabe a cada parte, bem como realizar, ao término da locação, vistoria conjunta, devidamente ilustrada com fotografias, devendo o termo ser assinados por ambos. Havendo dificuldade para elaborar o documento, uma filmagem dessa vistoria que contemple as manifestações das partes sobre as condições do imóvel por ocasião da entrega poderá ser bastante útil se alguma divergência surgir naquele momento e tiver de ser dirimida judicialmente.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado nas edições de 1º/10/2015 do Diário de Penápolis e de 8/10/2015 do Correio de Lins; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 28/9/2015)

12 de out. de 2015

Ofendículo – uso responsável


Ofendículo, segundo o Dicionário Aurélio, é sinônimo de estorvo, embaraço, empecilho, objeto que faz tropeçar.
No “Vocabulário Jurídico” de Plácido e Silva, ofendículos são “obstáculos que são colocados para a proteção da propriedade” (edição 2008). No dizer de Damásio E. de Jesus (Código Penal Anotado, Ed. Saraiva), são “aparatos para defender o patrimônio, o domicílio ou qualquer bem jurídico de ataque ou ameaça”. De fato, não se prestam apenas à defesa de bens materiais...
Às vezes o ofendículo serve para proteger terceiros, como as pessoas que caminham nas imediações de linhas férreas. A ausência dele já gerou responsabilização pelo atropelamento de um surdo que não escutou a locomotiva, pois a administradora deveria ter previsto essa possibilidade (STJ, REsp 916.156).
Dentre os mais conhecidos estão as cercas eletrificadas, os cacos de vidro, as pontas de lança e os arames farpados que comumente são instalados em imóveis.
A utilização de ofendículos normalmente configura legítima defesa se forem facilmente perceptíveis, tiverem a finalidade única da defesa propriedade ou de qualquer outro bem jurídico e agirem com moderação, de forma compatível com a agressão que pretendem evitar. Não se vislumbra ilicitude na conduta de quem promove a sua utilização regular. Afinal, a inviolabilidade do domicílio é garantida constitucionalmente e o Código Civil tolera, inclusive, o uso de força física para preservação da posse (“O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” – artigo 1.210).
Como dito, deve haver moderação e compatibilidade entre o mal que possa ser causado pelo ofendículo e o mal que o morador ou empresário pretende evitar com a sua instalação. O STJ, por ex., manteve o julgamento pelo júri do indivíduo que preparou espingarda no quintal para disparar quando alguém adentrasse e acabou matando um invasor. Entendeu que não estava clara a legítima defesa (REsp 38.302, j. 10/11/1997).
A eletrificação de cerca de baixa estatura, em local acessível para crianças, ou mesmo a utilização de corrente elétrica desproporcional, que cause morte instantânea, por exemplo, evidentemente acarretarão a responsabilização do proprietário do dispositivo. O instalador poderá ser responsabilizado se tiver falhado. Não basta cumprir regulamentos sobre o assunto. É preciso avaliar se na prática houve suficiente prevenção de riscos.
O desfecho será o mesmo se, por exemplo, alguém eletrificar a maçaneta externa da porta de entrada de sua residência, posto que qualquer pessoa, até mesmo aquela que comparecer para uma visita cordial, poderá se ferir. É preciso que o dispositivo de segurança esteja claramente identificado. A ação do aparato oculto pode configurar crime doloso, se o risco foi previsto e aceito; ou culposo, se o resultado derivou de precipitação ou desatenção. Ex.: Instalação de cerca para proteger plantas de animais domésticos, mas cuja ação foi potencializada (causou morte) porque uma criança que a tocou tinha saído da piscina (TJSP, Ap. 128979-73.2006.8.26.0000). Outro ex.: Cerca para isolar porcos que acabou sendo tocada por criança que frequentava a casa (TJSP, Ap. 4447-88.2009.8.26.0269).
A simples eletrificação de grades que estejam junto ao passeio público, por si só, ainda que ninguém toque nelas, poderá configurar crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem. A legislação penal às vezes se antecipa para reprimir a mera causação de risco.
Pode ser que a pessoa lesionada teve culpa exclusiva, como aquela que escalou cerca para entrar sem pagar na boate (TJSP, Ap. 0000906-91.2011.8.26.0070) ou para tentar ir para o outro lado da arquibancada do estádio de futebol (TJSP, Ap. 9196493-50.2007.8.26.0000).
A verdade é que eventual excesso somente poderá ser apurado em cada caso. É preciso que o morador esteja ciente dos riscos e que tome as devidas cautelas para que o mecanismo não agrida desnecessariamente pessoas inocentes e desavisadas. Deve, por isso, indagar o instalador e analisar tudo com muita calma.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado na edição de 8/10/2015 do Diário de Penápolis; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 5/10/2015)


2 de out. de 2015

Juizado, Cejusc e os benefícios da conciliação


            A Constituição Federal, no seu artigo 22, previu os juizados “de pequenas causas”, expressão não sendo adotada na Lei Federal 9.099, publicada aos 27/9/1995, que adotou a denominação “Juizados Especiais Cíveis e Criminais”.
            Apesar de a lei limitar que se discutam certos assuntos no Juizado, ele absorve boa parte dos casos que envolvem Direito do Consumidor. Com a intensificação das relações comerciais pela Internet e a disseminação do uso do telefone celular, o Juizado “cresceu” e se tornou um importante meio de solução de crescentes conflitos nessas áreas.
            O Juizado está longe de tratar somente de “causas pequenas”. Alguns problemas não envolvem somas elevadas, mas subtraem a paz dos envolvidos. Na prática, somente aquele que vive o problema é que pode mensurar a sua extensão. O que é pequeno para um pode ser um tormento para o outro. Opinar à distância é fácil.
            Engana-se quem pensa que o Juizado não decide lides complicadas... Isso porque, muito embora, na justiça estadual, o Juizado somente possa ser acionado para causas cuja expressão econômica não supere 40 salários mínimos e cuja solução não dependa de perícia complexa, algumas demandas tratam de negócios firmados verbalmente e de fatos às vezes não testemunhados. Divergências entre contratante e construtor no que tange ao percentual da obra que foi executado nem sempre são fáceis de serem resolvidas quando não há ajuste escrito e recibos discriminados de pagamentos. Discussões sobre acidentes de trânsito sem testemunhas e sem exames periciais precisam ser resolvidas, ainda que os elementos de convicção sejam escassos. Pedidos indenizatórios por ofensas verbais às vezes contemplam versões absolutamente conflitantes que geram muitas dúvidas. O cidadão pode ajuizar ação sem assistência de advogado, diretamente no balcão do Juizado, se a sua pretensão não superar o equivalente a 20 salários mínimos, mas nem sempre tem a desenvoltura para produzir a prova do que alega. E se faltam informações, a tarefa do juiz se torna mais difícil.
            É recomendável que impasses sobre relações de consumo sejam primeiramente noticiados ao Procon. Poder ser que o problema seja solucionado por meio de um simples telefonema e dessa forma o interessado se prive do compromisso de comparecer ao juízo e da tensão e do risco que isso proporciona. O Procon tem alguns canais diretos com fornecedores de produtos e serviços.
            Envolver-se em demanda nunca é agradável. A prestação jurisdicional depende da observância de muitas regras e a resposta positiva depende da interpretação dada à prova. Às vezes o juiz até acha, no seu íntimo, que fulano tem razão, mas não dispõe de elementos para fundamentar decisão favorável e acaba negando a tutela. A audiência judicial pode gerar aflição. A sentença pode acabar desagradando as duas partes.             Por isso, um bom acordo é sinal de inteligência, ainda que o indivíduo acabe abrindo mão de parte da sua pretensão. Com o acordo o processo termina exatamente como desejaram as partes no ato da sua formulação, quando são aparados eventuais excessos naquilo que exigiam até então. O acordo gera tranquilidade; induz reflexão; serena os ânimos; reflete positivamente na saúde e tem muito mais condições de promover a paz do que uma sentença judicial.
            Transigir pode significar mais dinheiro no bolso, na medida em que o prosseguimento da ação pode gerar considerável custo; ou pode significar menos dinheiro, mas de forma mais ágil, o que normalmente também é interessante. Pode gerar interessante efeito pedagógico para o “brigão” que consegue enxergar outro caminho para a solução. Gosto bastante daquela expressão popular que diz: “Você quer ter razão ou quer ser feliz?”.
            Os Cejusc’s foram criados para fomentarem acordos. Conciliadores treinados pelo Tribunal de Justiça, todos eles bacharéis em Direito, podem atuar quando já existe processo ou mesmo antes disso (na chamada fase pré-processual). O interessado formula a reclamação e a parte contrária é convidada para uma conversa informal. O sistema tem apresentado ótimos índices de acordos. Por isso, os Juizados têm estimulado as pessoas a recorrerem primeiramente aos Cejusc’s, onde vários problemas corriqueiros podem ser tratados, como divergências entre vizinhos, satisfações de créditos, danos aos consumidores, pensões alimentícias, visitações de filhos etc. Escreva para conciliar@tjsp.jus.br e tire as suas dúvidas.
            A solução de problemas preferencialmente por meio da tentativa de conciliação é um caminho sem volta. Mas mais importante do que ter o Juizado e o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) à disposição é ter a vontade de conciliar, de solucionar amigavelmente, relegando para segundo plano a resistência exagerada à satisfação da obrigação, pretensões exageradas, o orgulho e a vaidade que muitas vezes fazem com que o indivíduo recalcitrante, mesmo que o processo prossiga e obtenha sentença favorável, na prática, antes disso, tenha se tornado um grande perdedor (de sono, de tranquilidade e até de dinheiro se a parte não tiver se atentado para o “custo-benefício” de demandar).
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 24/9/2015 e no Correio de Lins de 1º/10/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 21/9/2015)

Acidente de trânsito – produção de prova


            Boa parte dos pedidos de reparação de danos decorrentes de acidentes de trânsito desemboca no Juizado Especial.
            Muitas vezes os pedidos indenizatórios não são instruídos com suficientes elementos de convicção por conta de vacilos das partes.
            É sempre recomendável documentar o acidente por todos os meios disponíveis, principalmente por fotografias que demonstrem, de vários ângulos e distâncias, as posições dos veículos, os danos, a sinalização, os vestígios no pavimento, marcas de frenagens e outras informações relevantes.
            Não se deve abrir mão do registro da ocorrência. Economizar tempo no dia poderá gerar muitos aborrecimentos posteriormente. Pode ser que o acordo firmado na hora não seja cumprido.
            Às vezes uma das partes implora para que a polícia não seja acionada, por exemplo, porque não tem habilitação ou ela está vencida, ou porque o veículo está com o licenciamento atrasado. É importante ressaltar que a falta de habilitação e outras infrações administrativas normalmente não geram presunção de culpa, a não ser que tenha havido interferência na forma de condução do automóvel. Em alguns casos, a outra parte concorda em não acionar a polícia porque se solidariza. Noutros casos, imagina que ao dispensar a ocorrência, será indenizada mais rapidamente, diante da colaboração com aquele que no momento assume a culpa pelo evento, e pelo fato de o culpado acabar não tendo de pagar multas, diárias de pátio etc. Cada pessoa tem de arcar com as suas escolhas. A recomendação, nesse caso, é a de que, mesmo assim, toda a conversa e, em especial, o compromisso de indenização, sejam registrados. Isso pode ser feito por meio do telefone celular que disponha de aplicativo de gravação de áudio e/ou de vídeo. Ora, se a pessoa se dispõe a pagar, então provavelmente não recusará a gravação da sua fala. A recusa de confessar a culpa diante do microfone do aparelho será indicativa da falta de compromisso. A gravação da conversa por um dos interlocutores normalmente não é vista como invasão de privacidade pelos Tribunais.
            É conveniente que o envolvido em acidente se atente para a existência de câmeras de segurança nas imediações e peça ao proprietário os arquivos das imagens. Nos casos de acidentes não presenciados por testemunhas ou mesmo naqueles casos em que a parte tem dificuldade para promover oitivas de testemunhas (quando o paradeiro delas se torna desconhecido; quando se recusam a colaborar etc.), as filmagens poderão favorecer a intervenção do Judiciário.
            Quando o acidente gera lesão, cabe à polícia apurar a ocorrência ou não de crime previsto no Código de Trânsito. Acontece de os veículos serem reposicionados pelos próprios envolvidos porque a preservação do local poderia importar em riscos para outros motoristas. São constantes os acidentes de trânsito com vítimas e boa parte motiva ações judiciais de natureza cível (indenizatórias) e criminal (apurações de crimes). É preciso que a polícia judiciária reveja a praxe de dispensar exame do local sob o argumento de que houve remoções dos veículos envolvidos. A mim me parece que a justificativa não tem amparo legal. Ao contrário, o art. 6º do Código de Processo Penal prevê que a autoridade policial deverá “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias” (inciso III). Por meio da vistoria do local, mesmo que os veículos tenham sido retirados, sempre é possível colher informações importantíssimas para as soluções de demandas relacionadas. Ainda que a pessoa encarregada da vistoria venha a alegar que não tem como formar convicção, ou seja, ainda que o laudo seja inconclusivo, os elementos colhidos serão considerados pelo juiz, que não poderá se furtar de decidir. Se, por ex., a discussão tiver a ver com a invasão ou não da faixa de circulação oposta, vestígios no solo poderão favorecer a determinação da sede da colisão. Portanto, é conveniente insistir na vistoria do local e pedir ao policial que consigne na ocorrência que o pedido foi feito e, no caso de negativa, dos motivos.
            Aquele que se entende prejudicado deve sempre se acautelar e se lembrar que poderá ter de convencer o juiz daquilo que, dentro dele, pode já ser uma certeza, mas que será analisado em conjunto com a versão do adversário e de todas as demais provas em Direito admitidas.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 17/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 14/9/2015)

Corpo estranho em bebida ou alimento


          Muitas vezes o Judiciário é instado a analisar pedidos indenizatórios embasados na tese de que o consumidor deparou com algo estranho na bebida ou no alimento que adquiriu...
          Quem reclama normalmente pede o reembolso do valor do produto impróprio para consumo e despesas que decorreram dos efeitos danosos dele (problemas de saúde, prejuízos no trabalho etc.); além de invocar danos morais.
          Tais pretensões podem ser deduzidas em Vara cível, por meio de advogado, ou em Juizado, se o montante não exceder quarenta vezes o salário mínimo. Em se tratando de Juizado, nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
          O rito dos Juizados não permite exame pericial complexo. Muitas vezes não é fácil para o juiz analisar a tese de que a garrafa foi aberta depois de ter saído da fábrica ou de que o objeto foi introduzido posteriormente no recheio da bolacha sem que uma perícia seja realizada. Se o exame mais aprofundado for imprescindível, o processo que tramita no Juizado será extinto e a parte interessada deverá ajuizar nova ação.
          No que diz respeito aos danos morais, o egrégio Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo não têm reconhecido a sua ocorrência quando o produto não chega a ser consumido. O mero desapontamento de encontrar algo estranho no alimento, conforme tem sido decidido, não pode ser equiparado ao abalo psíquico exigível para a imposição da indenização por danos morais. Em suma: a constatação de corpo estranho em garrafa de bebida realmente causa indignação, mas indignação nem sempre gera indenização. Nesse sentido, sobre aquisição de refrigerante contendo inseto morto no interior da embalagem, assim se pronunciou o STJ: “RECURSO ESPECIAL DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO. EMBALAGEM DE REFRIGERANTE LACRADA. TECNOLOGIA PADRONIZADA. AUSÊNCIA DE INGESTÃO. DANO MORAL INEXISTENTE. MERO DISSABOR. ÂMBITO INDIVIDUAL. 1. Cuida-se de demanda na qual busca o autor a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da aquisição de refrigerante contendo inseto morto no interior da embalagem. 2. No âmbito da jurisprudência do STJ, não se configura o dano moral quando ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de objeto estranho no seu interior, por não extrapolar o âmbito individual que justifique a litigiosidade, porquanto atendida a expectativa do consumidor em sua dimensão plural. 3. A tecnologia utilizada nas embalagens dos refrigerantes é padronizada e guarda, na essência, os mesmos atributos e as mesmas qualidades no mundo inteiro. 4. Inexiste um sistemático defeito de segurança capaz de colocar em risco a incolumidade da sociedade de consumo, a culminar no desrespeito à dignidade da pessoa humana, no desprezo à saúde pública e no descaso com a segurança alimentar. 5. Recurso especial provido (REsp 1395647/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 19/12/2014)”.
          Pode ser, portanto, que a justiça reconheça a culpa do fabricante, determine ressarcimento do valor do produto, mas afaste a ocorrência de danos morais. Mas detalhes do caso poderão justificar o reconhecimento dos danos morais. Não há como prever o desfecho de pedido dessa natureza, mesmo porque cada julgador tem um ponto de vista sobre o que pode configurar dano moral. Alguns são menos tolerantes às falhas dos fabricantes.
          A demonstração de que o corpo estranho estava no produto antes mesmo da aquisição às vezes não é simples de ser feita. O Judiciário deve estar atento à possibilidade de má-fé do consumidor. Normalmente as pessoas indicadas para serem ouvidas são parentes ou amigos que presenciaram a detecção do corpo estranho e/ou o consumo parcial do produto. Isso também deve ser levado em conta. O rigor excessivo poderá inviabilizar a produção da prova por parte do consumidor. A tolerância excessiva poderá fomentar fraudes contra a indústria. Mas quem disse que fazer justiça é uma tarefa fácil?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 10/9/2015 e no Correio de Lins de 17/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 7/9/2015)

Buraco na via pública como fundamento de indenização


            Como têm sido relativamente comuns as reclamações de prejuízos em razão de buracos e outras imperfeições nas vias e passeios públicos, resolvi verificar como o egrégio Tribunal de Justiça tem solucionado recursos em ações indenizatórias.
            Via de regra, a justiça tem reconhecido a responsabilidade objetiva do poder público pela má-conservação e/ou ausência de fiscalização e/ou de sinalização de irregularidades no pavimento: “é do Município o dever de conservar as vias públicas em bom estado a fim de proporcionar segurança no trânsito e evitar a ocorrência de acidentes que exponham a risco a vida e o patrimônio das pessoas (CF, artigos 30, VIII, e 182). O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal dispõe que a responsabilidade dos entes públicos é objetiva pelos danos que seus agentes, nessa condição causarem a terceiros, por ação ou omissão, em consonância com o que vem sendo afirmado pela doutrina e pela jurisprudência” (Apelação 0020819-22.2012.8.26.0071).
            Em muitos casos a responsabilização abrange os danos materiais (como os prejuízos sofridos com a reparação do veículo e com tratamento médico); danos morais e aquilo que o trabalhador deixou de ganhar por ter ficado afastado das suas atividades, desde que, evidentemente, haja demonstração efetiva do que for alegado. Nos autos da Apelação 0001429-09.2011.8.26.0069 ficou decidido: “Dano moral configurado. É inequívoco o sofrimento que experimentou o autor em virtude do incidente, tendo vivenciado incômodos, dores e ferimentos. Estes, associados ao tempo despendido com o tratamento ensejaram, por certo, a modificação da rotina habitual do demandante, por prazo razoável, a justificar a fixação de danos morais. Provado o padecimento físico e psicológico imputados ao requerente, cabe a condenação da requerida ao pagamento de indenização por dano moral, o qual deverá ser arbitrado em obediência aos princípios da moderação e razoabilidade, sendo capaz de compensar a dor do lesado sem causar seu enriquecimento ilícito, e ter conteúdo didático, a fim de evitar a reincidência da conduta lesiva, sem, contudo, proporcionar enriquecimento sem causa à vítima do dano moral”. Ao julgar a Apelação 0121601-33.2008.8.26.0053, o Tribunal reconheceu “lucros cessantes” com base em “declaração do empregador de que a autora trabalhava como cozinheira e recebia R$ 120,00 por semana”.
            É evidente que o direito do acidentado (daquele que perdeu o controle do carro ou sofreu queda da motocicleta ou da bicicleta) somente pode ser reconhecido se ele produzir provas indicativas da existência da imperfeição no pavimento, da relação entre a irregularidade e o acidente (nexo causal) e de que trafegava regularmente e por isso não deu causa, exclusivamente, ao evento. Há precedente, por exemplo, no sentido de que o rebaixamento do carro e a instalação de pneus muito diferentes dos originais, em determinado acidente, foram determinantes, tendo sido reconhecida a culpa concorrente (Apelação 0000837-67.2010.8.26.0111), o que significa, na prática, a redução da indenização em razão da divisão da responsabilidade. A análise de detalhes do caso é que vai propiciar a conclusão sobre a evitabilidade ou não do acidente pelo condutor. Quando resolveu a Apelação 0043448-15.2010.8.26.0053, por exemplo, o TJSP reconheceu que o condutor trafegava “em trecho em que proibida a circulação de veículos - entre a faixa exclusiva de ônibus e a faixa de rolamento de veículos particulares”, e negou indenização.
            Antes de demandar é preciso verificar quem é responsável pela via (se ele é municipal, estadual ou federal). No caso de acidente em rodovia pedagiada, esse dever de conservação normalmente é assumido pela concessionária. No julgamento da Apelação 0002610-04.2013.8.26.0157, foi reconhecida a “relação de consumo” e a culpa da concessionária por “acúmulo de óleo em uma curva”.
            Se o condutor não produz elementos de convicção de que foi lesado, o seu pedido será improcedente (Apelação 3000304-70.2013.8.26.0590). É recomendável fotografar as irregularidades que deram causa ao evento lesivo e as consequências dele. Não bastam fotografias de buracos, de amassados ou de pneus rasgados. As imagens devem retratar os posicionamentos dos buracos na via, as condições de luminosidade e de tráfego; bem como devem identificar o veículo danificado e, com detalhes, todos os danos produzidos. A existência de buracos nem sempre autoriza a imposição de indenização porque pode ser que se conclua que, por serem poucos e/ou superficiais, não foram determinantes para o acidente (Apelação 0014174-77.2010.8.26.0482). Certa vez afastei indenização porque o condutor conhecia bem a via que percorria diariamente e utilizava motocicleta com suspensão propícia para pavimento com pequenas imperfeições.
            Dentro do possível aquele que se diz prejudicado deve arrolar testemunhas.
            Todo esse raciocínio normalmente também favorece a solução de reclamação por queda de pedestre em passeio público não fiscalizado pelo poder público (Apelação 0039605-50.2010.8.26.0309).
            É importante destacar que “a prescrição contra a Fazenda Pública, mesmo em ações indenizatórias, rege-se pelo Decreto 20.910/1932, que disciplina que o direito à reparação econômica, prescreve em cinco anos da data da lesão ao patrimônio material ou imaterial’” (Apelação 0167096-22.2009.8.26.0100). A Primeira Seção do STJ, sob o rito do art. 543-C do CPC, no julgamento do Recurso Especial 1.251.993/PR, assentou que os prazos prescricionais do Código Civil não são aplicados às demandas movidas contra a Fazenda Pública, prevalecendo o prazo quinquenal.
            A análise da responsabilidade, evidentemente, é feita caso a caso, à luz das provas produzidas.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico

(publicado no Diário de Penápolis de 3/9/2015 e no Correio de Lins de 8/9/2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 31/8/2015)

Exoneração de pensão alimentícia devida ao filho


            O atingimento dos 18 anos pelo filho muitas vezes gera para o pai que paga pensão alimentícia a expectativa de cessar os pagamentos, mas a exoneração da pensão não acontece automaticamente com o advento da maioridade.
            Via de regra, a pensão deve persistir se o filho está estudando e isso o impede de trabalhar ou se está doente. Todavia, detalhes podem justificar a persistência em outros casos. Pode ser que o juiz decrete apenas a redução da pensão se o filho já tem alguma renda, mas precisa de complementação.
            Quando o credor atinge a maioridade, a obrigação de pensão, que até se fundamentava no poder familiar, antigamente denominado “patrio poder” (que compreende o dever de sustento, na sua acepção mais ampla), somente deve persistir se o filho ainda precisa dela para a educação ou se apresenta alguma incapacidade para auferir renda (normalmente o desemprego não serve como justificativa). Passa a se alicerçar na relação de parentesco (e não mais no poder familiar) e na necessidade de amparo de familiares mais próximos.
            Em alguns casos o filho consente expressamente com a extinção da obrigação de prestar alimentos e normalmente isso é suficiente para que o alimentante se livre das prestações, desde que, evidentemente, o alimentando tenha condições de oferecer essa concordância, ou seja, desde possa externar consentimento válido (tenha condições psíquicas para tanto e não esteja sendo coagido).
            Nesse caso, basta que o pai peça ao filho que assine declaração de anuência. Essa declaração pode ser submetida à homologação judicial se a pensão derivou de ação judicial. Sou da opinião que a exoneração independe, nesse caso, de ajuizamento da chamada ação de exoneração de alimentos. Penso que o Judiciário deve “descomplicar”, ou seja, que se o pai comparecer ao fórum e exibir a concordância, o juiz deve apreciar o caso sem maiores formalidades.
            Às vezes a divergência desemboca no Judiciário e isso acontece por várias razões, como por exemplo:
            a) falta de solidariedade do pai com o filho esforçado num momento em que, apesar da maioridade, continua precisando do apoio para a formação que lhe garantirá a plena independência;
            b) falta de bom senso e de maturidade do filho que se acomodou com a ajuda do pai ou mesmo que não buscou o próprio sustento como forma de punir o genitor pela falta de proximidade (que nem sempre decorre da vontade do pai de não estar presente);
            c) falta de conhecimento do pai sobre as reais condições de vida e de saúde do filho (problemas graves de saúde que geram invalidez, como dito, podem justificar a permanência da pensão);
            d) ignorância de um ou de outro sobre os requisitos jurídicos para a extinção da obrigação de pagar pensão (muita gente se baseia em comentários de leigos para formação convicção equivocada que deve continuar recebendo ou que não deve continuar pagando);
            e) influências negativas incidentes sobre pai (especialmente da nova parceira) ou sobre o filho (especialmente da mãe) que os conduzem, nesta ordem, a buscar, sem que haja necessidade efetiva, a cessação/redução ou a persistência da prestação;
            f) conflitos decorrentes da má-administração do dinheiro por parte do filho ou mesmo da genitora (desvio de finalidade etc.).
            No que tange ao estudo, a maioria das decisões judiciais pela preservação da pensão considera que ela pode ser necessária ao custeio de curso superior. Exigem frequência por parte do jovem. Isso porque para estudar ele nem sempre consegue trabalhar ou mesmo acaba despendendo todo o seu rendimento e precisando de apoio do pai. Se o filho se matricula apenas depois de citação do pedido de exoneração de pensão, normalmente é possível deduzir que fez isso apenas para continuar recebendo a parcela, a não ser que as peculiaridades do caso demonstrem o contrário.
            O que deve ficar claro é que a exoneração surte efeitos para o futuro, ou seja, as parcelas vencidas não serão afetadas e poderão ser cobradas. Alguns pais demoram a tomar providências e acumulam dívidas consideráveis que podem fundamentar, inclusive, a decretação da prisão.
            Em muitos casos a pensão é devida pela mãe e administrada pelo pai do credor. As referências foram feitas ao pai na condição de devedor apenas por conveniência gramatical.
            O ingrediente mais importante na hora de avaliar se é o caso ou não de requerer a exoneração da pensão e se é o caso de resistir ou não ao pedido, certamente, é o bom senso.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico

(publicado no Diário de Penápolis de 27/8/2015 e na Revista Comunica de setembro de 2015; abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 24/8/2015)

Divulgações de imagens de cadáveres e investigados


            Os seres humanos são constantemente agraciados com coisas que os beneficiam. Alguns tiram bons proveitos, mas sempre há quem abuse e dessa forma enfrente preocupações e prejuízos plenamente evitáveis.
            A tecnologia tem facilitado divulgações de imagens e como é possível fazer isso em segundos, muitas vezes o indivíduo somente se dá conta de que desrespeitou o outro quando já provocou danos irreparáveis.
            Pensando nisso, decidi promover uma rápida pesquisa no “site” do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre alguns desfechos de pedidos indenizatórios relacionados a dois tipos de situações que geram dúvidas: imagens de cadáveres e de pessoas investigadas. Eis os apontamentos:
            a) É abusiva a divulgação de cadáver vítima de crime ou de acidente pela violação da imagem da pessoa falecida e pelo desrespeito ao luto. Precedentes: Ag.  2024055-59.2015.8.26.0000, j. 12/3/2015; Ap. 0002101-09.2006.8.26.0581, que ressaltou que a fotografia não precisava ter sido publicada; Ap. 0004019-19.2012.8.26.0070; Ap. 0004034-92.2008.8.26.0404, que adjetivou como “macabra” a divulgação de foto do corpo; Ap. 0001549-32.2012.8.26.0614, que ressaltou excesso da impressa; Ap. 9103245-93.2008.8.26.0000, que condenou jornal por imagens de homicídio ocorrido um mês antes e consignou que a falta de caráter jornalístico atual sugeriu intenção de fomentar vendas de publicidade; Ap. 0002196-68.2009.8.26.0699, que reconheceu sensacionalismo e ausência de interesse público; Ap. 0232898-73.2009.8.26.0000, acerca de fotos feitas dentro do IML, onde servidores falharam na vigilância dos corpos; Ap. 0123527-14.2008.8.26.0000, sobre publicação de foto de criança falecida, mesmo com o intuito de fazer campanha contra acidentes; Ap. 9153513-93.2004.8.26.0000; Emb. Infring. 0094105-67.2003.8.26.0000; Ap. 0094105-67.2003.8.26.0000, que destacou que direito dos jornais de noticiar fatos não pode se sobrepor ao direito à intimidade;
            b) “A livre utilização da imagem da pessoa comum, que não seja pública ou notória, pela imprensa, está sujeita a certas condições: a) que tenha sido captada em local público ou de acesso ao público; b) que apresente caráter jornalístico-informativo atual; c) que tenha relação de contemporaneidade e conexidade com a matéria jornalística” (Ap. 9191404-12.2008.8.26.0000, que imputou indenização pela reutilização de foto de vestibulanda negra em outra matéria sobre o mesmo tema);
            c) A reportagem jornalística que divulga imagem não autorizada, desde que dentro do contexto da matéria, sem abuso, sem ofensa, com a mera intenção de noticiar, não gera direito à indenização porque há interesse público na veiculação da informação, especialmente, sobre prisões pela prática de crimes que vitimam a sociedade. Precedentes: Ap. 0001748-36.2011.8.26.0114, sobre divulgação de jovem aplicando “trote” em calouro; Ap. 0014840-67.2011.8.26.0248; Ap. 0012246-24.2005.8.26.0270; Ap. 0025508-93.2010.8.26.0196; Ap. 0320346-84.2009.8.26.0000; Ap. 0010335-70.2010.8.26.0053, descartando danos mesmo que tenha sobrevindo absolvição, pois o indivíduo foi citado por outro investigado;
            d) O poder público responde pela divulgação indevida de fotografias por parte dos seus servidores ou mesmo em razão do descuido deles. Precedentes: Ap. 0011695-17.2010.8.26.0481, sobre divulgação na Internet de foto de agente penitenciário ferido em motim; Ap.
0005521-25.2011.8.26.0297;
            e) Notícias sobre abordagens policiais, ilustradas com fotos, são tidas como de interesse público, mas geram danos morais se o suspeito não chega a ser preso pela falta de reconhecimento das vítimas e/ou se o meio de comunicação extrapola a intenção de noticiar ao afirmar categoricamente a culpa, mesmo antes da completa apuração. Precedentes: Ap. 0104619-79.2003.8.26.0000; Ap. 0012009-68.2012.8.26.0003; Ap. 9095758-38.2009.8.26.0000; Ap. 0104619-79.2003.8.26.0000;
            f) Não é ilícita a divulgação da foto de indivíduo algemado, por ter sido preso em flagrante ou em virtude de transferência, se a foto for utilizada em conjunto com o texto, no exercício da liberdade de imprensa, sem intenção de denegrir, prestigiando-se o interesse público. Precedentes: Ap. 9220284-48.2007.8.26.0000; Ap. 0130703-15.2006.8.26.0000.
            As referências servem apenas à orientação e não traduzem necessariamente a minha opinião, mesmo porque a ocorrência ou não de abuso indenizável exige a análise das particularidades de cada caso.
            O importante é agir com bom senso e não divulgar imagem que você não gostaria que fosse divulgada se dissesse respeito à sua pessoa...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico

(publicado nas edições de 20/8/2015 do Diário de Penápolis e do Correio de Lins e abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 17/8/2015)