É relativamente comum as
pessoas indagarem juízes sobre questões jurídicas diversas. Isso acontece, às
vezes, porque a pessoa aflita confia no conhecimento e na experiência que o
magistrado acumula, por dedicar boa parte do seu dia para estudar e decidir as
mais variadas situações. O juiz normalmente entende isso e, de maneira geral,
se sente lisonjeado, muito embora, na maioria das vezes, não possa intervir.
Não é demais ressaltar que algumas abordagens geram constrangimentos, pela
maneira ou pelo local onde acontecem (no local de descanso ou lazer etc.).
Certa vez uma pessoa, sem
ser anunciada, ingressou no meu gabinete enquanto eu apreciava questão
extremamente complexa que já me tomava algumas horas... O nível de concentração
era alto. Eu racionava bastante à procura da solução que me parecesse mais
justa e que me permitisse ficar em paz com a minha consciência. Isso costuma
consumir muita energia do julgador. Essa pessoa passou a descrever uma situação
particular bastante complicada. O relato, aparentemente, seria extenso. De
imediato, eu disse a ela que não poderia ouvi-la... Ela tinha certo
conhecimento sobre o funcionamento da Justiça, mas, porque estava envolvida no
problema, esqueceu-se de que o juiz deve evitar promover aconselhamento.
A nossa legislação, com
vistas à preservação da imparcialidade do profissional e da respeitabilidade da
prestação jurisdicional, prevê algumas causas de impedimento e de suspeição do
magistrado. Dispõe o Código de Processo Civil de
1973: “Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
IV – (...) aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa...”. A
preocupação do legislador com a isenção do magistrado foi reescrita no Código
de Processo Civil de 2015: “Art. 145. Há suspeição do juiz: II – (...) que aconselhar alguma das partes acerca do objeto
da causa... A nova redação é mais enfática.
Expliquei àquela pessoa que
mesmo que o processo não estivesse tramitando na minha Vara, eu poderia, em
virtude de algum impedimento do juiz do caso (férias etc.), vir a atuar nele.
Disse que se isso porventura acontecesse, eu teria de me dar por suspeito e
remeter o processo para outro juiz, o que implicaria em mais serviço para o
colega; e afirmei que isso deveria ser evitado. Ressaltei que, mesmo que não
existissem obstáculos legais, e ainda que eu desejasse contribuir, não seria
possível interromper o meu trabalho ou o meu descanso para orientar todos,
tarefa inerente à Defensoria, à advocacia e à Promotoria, a depender do caso.
Falei isso tudo de maneira tranquila e cautelosa. Mesmo assim, a pessoa alterou
a fisionomia e disparou: “Quem te viu e quem te vê, hein, Adriano?”. Deixou o
local como se eu tivesse cometido um crime contra ela ao tentar apenas preservar
a minha isenção e ao preferir retomar a análise do caso cuja decisão era
esperada pelas partes e advogados. Nada respondi. Fiquei chateado durante o
restante do expediente, mas esse não foi o primeiro e não será o último evento
retratador da incompreensão que muitas vezes acompanha o cotidiano dos
magistrados.
Nesse caso, a pessoa não
tinha interesse direto comigo, pois eu não era o juiz da causa. Mas já houve
situações em que fui procurado diretamente pela parte de processo que tramitava
sob a minha presidência... Em alguns casos, a pessoa não tinha noção de que não
deveria me procurar; noutros, fingiu não saber disso... É evidente que quando o
juiz percebe essa tentativa de interferência indevida na sua convicção, fica
indignado. Eu fico bastante...
O que se pode concluir é que
as pessoas desejam que o Poder Judiciário seja isento, independente, mas que,
uma ou outra, ainda que conhecedora da linha de conduta do juiz e do dever de
se manifestar somente pelos meios legalmente estabelecidos (petições,
depoimentos etc.), mesmo alertada pelo advogado a se abster, acaba lançando mão
do que popularmente se denomina “jeitinho brasileiro”, na tentativa de
conseguir o que está postulando ou mesmo apenas de “furar fila” (de que o seu
caso seja apreciado “na frente” do caso do outro)... No endereço http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/a-historia-do-jeitinho-brasileiro.html
há um definição interessante desse “jeitinho”: “categoria intermediária entre a
honestidade e a marginalidade”. Lamentável, mas é a realidade...
Adriano Rodrigo Ponce de
Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.direitoilustrado.blogspot.com.br
(publicado no Diário de Penápolis de
25/2/2016)