Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

17 de jul. de 2016

Atuar no que gosta vale muito a pena...

Dias atrás encontrei um amigo que sempre quis ser artista e que tem persistido bravamente nessa busca. Ele já trabalhou no comércio e bem resumiu a sua vocação profissional ao alegar que não se enxergava mais em atividade que não tivesse a ver com o meio artístico. Deixou claro que na nossa região o desafio é ainda maior, diante da escassez de cursos de formação e de oportunidades profissionais. Mas também deu a entender que continuará investindo no seu ideal e enfatizou que com um pouco de criatividade será possível deflagrar projetos prazerosos e que lhe garantam renda. O importante é que não se fechou numa atividade específica dentro da citada área.
É muito bacana conversar com pessoas profissionalmente convictas. Tem muita gente que utiliza positivamente as redes sociais para declarar a sua paixão pela profissão. Isso pode ajudar outras pessoas a definirem os próximos passos.
Sempre sustentei, nas falas dirigidas aos jovens, que a escolha por uma profissão deve levar em conta, primeiramente, o grau de satisfação que ela possa proporcionar. É importante que o trabalho garanta a subsistência própria e da família, mas a remuneração não pode ser o principal fator a influenciar quem tenciona ingressar no ensino superior ou mesmo prestar concurso público.
É compreensível que muitos estudantes que concluem o ensino médio tenham dúvidas sobre o futuro. Essa insegurança é própria da faixa etária. A escolha antecipada e acertada da área de formação é excepcional. Eu mesmo não estava certo do que queria quando ingressei na graduação. Aliás, a condição financeira não permitia muitas escolhas. Sequer tinha conhecimento detalhado do que era o Direito. Ninguém na família exercia profissão jurídica. Não havia testes vocacionais e nem mesmo a rede mundial de computadores para buscar informações. A opção foi “um tiro no escuro”. Tive sorte. Mas nem sempre é assim...
Alguns anos depois da minha formatura em Direito, encontrei uma colega de faculdade que compartilhou subsequente graduação em Pedagogia. Ela enfatizou que tinha muito prazer em lecionar e que se sentia realizada por ter tido coragem de deixar a atividade jurídica e migrar para o magistério. Outras pessoas conhecidas fizeram a mesma “troca” e parecem não ter se arrependido.
Observo que essa busca pela satisfação profissional é o que move pessoas ao magistério e à atividade policial. São atividades quase sempre injustamente remuneradas, mas que, acredito, sempre serão procuradas. A exigência de sólida vocação gera um elo muito forte entre as profissões e os profissionais.
Vários ex-alunos do Direito se iniciaram em atividades jurídicas e vários outros prosseguiram nas mesmas que já exerciam. Isso sempre vai acontecer, pois atuar na área de formação exige esforço, mas também a cooperação de outros fatores. Permanecer fora dela não significa, por si só, demérito. Estamos sujeitos a mudanças de entendimento. E que bom que é assim...
O que todo estudante tem de evitar é prosseguir naquele curso que lhe foi imposto ou que nunca lhe trouxe ou deixou de lhe trazer vibração. O trancamento da matrícula para reflexão pode ser uma boa decisão.
Há casos de profissionais que se iniciaram em profissões que, na prática, não significam exatamente o que cogitavam. Às vezes, algumas situações específicas podem motivar a busca por mudanças. Eu mesmo me identifiquei muito com a atividade policial que desempenhei por mais de nove anos, mas não me conformava em ficar de sobreaviso vinte e quatro horas por dia. Esse foi um dos fatores determinantes para que eu tivesse resolvido retomar os estudos.
Qualquer que seja o seu momento (fase de escolha da graduação; faculdade em andamento ou no exercício profissional), lembre-se de que nunca é tarde para reformular ideias e se jogar de cabeça em um novo projeto. Afinal, a vida é uma só e se apresenta sempre repleta de desafios, cabendo a nós, por meio de atos de coragem, torná-la mais agradável de ser vivida. Sempre vale muito a pena...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na Revista Comunica de julho de 2016)




Tráfico de drogas “privilegiado” não tem natureza hedionda

Dispõe a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XLIII: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos...”.
A relação dos crimes hediondos está na Lei Federal 8.072/1990. A tortura, o tráfico e o terrorismo são equiparados (para memorizar, lembre-se de “TTT”). Na prática, as consequências jurídicas são as mesmas.
O regime inicial para cumprimento de pena do crime hediondo ou equiparado é o fechado. A progressão de regime (fechado – semiaberto – aberto) só possível depois do cumprimento de pelo menos dois quintos da pena. O livramento condicional requer dois terços cumpridos e ausência de reincidência específica. A prisão temporária pode ser decretada por 30 dias e prorrogada por igual período. O rigor é maior...
O tráfico normalmente é punido com reclusão que pode variar de 5 a 15 anos. A Lei Federal 11.343/2006, entretanto, prevê uma forma mais branda do delito, ao autorizar redução de pena de um sexto a dois terços para o traficante que não seja reincidente; que possua bons antecedentes (que não ostente condenação anterior); não se dedique exclusivamente às atividades criminosas nem integre organização criminosa (artigo 33, § 4º). Esse “tráfico privilegiado” pode ser punido com pena de 1 ano e 8 meses... O legislador quis beneficiar aquele “traficante de primeira viagem”, especialmente o que maneira isolada, aceita a incumbência de transportar drogas em troca de algum dinheiro (“mula”), mas que, verdadeiramente, não é membro do grupo criminoso.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o “Habeas Corpus” 118.533, decidiu que o “tráfico privilegiado” não tem natureza hedionda. Mas o que isso significou? Em linhas gerais, o STF entendeu que se a própria Lei 11.343 já prevê redução significativa da pena de reclusão, é porque o legislador, quando a editou, entendeu que o delinquente deveria receber tratamento penal diferenciado. Estatísticas demonstram que boa parte dos condenados por tráfico se enquadra na forma “privilegiada” (com pena menor) e não representa o mesmo risco para sociedade do que os integrantes de organizações criminosas.
A Constituição determina a individualização da pena e a maioria dos Ministros entendeu que eliminar a natureza hedionda do “tráfico privilegiado” e, nesse caso, viabilizar aos condenados alguns benefícios vedados ao tráfico tradicional, longe de traduzir vantagem indevida para transgressor da lei, nada mais foi do que separar o joio do trigo, ou seja, tratar diferentemente condenados que, apesar de categorizados como traficantes, ostentam perfis bastante diversos. O público leigo nem sempre recebe com bons olhos esse tipo de solução e a classifica como “afrouxamento” do sistema penal, mas, do ponto de vista da ciência do Direito, o raciocínio parece ter sido bem construído e a interpretação parece ter favorecido a repressão na medida certa. Era incoerente aplicar uma pena bem menor e, ainda assim, considerar a infração como de natureza hedionda.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 7/7/2016 do Diário de Penápolis)


Testemunha não deve ler o processo

O Tribunal Superior do Trabalho decidiu, recentemente, que o juiz pode se recusar a ouvir uma testemunha que tenha tido acesso ao processo, ou seja, que tenha tido conhecimento dos relatos de outras testemunhas. Segundo o TST, "verificada a inutilidade da prova pretendida pela empresa, porque evidenciado o recebimento de instruções antes da audiência, não há de se falar em diminuição do direito de defesa" (Proc. TST-RR-1251-43.2011.5.15.0093).
Imediatamente, lembrei-me de uma situação corriqueira nas Varas Criminais...
Os policiais, evidentemente, participam de muitas ocorrências, o que acaba motivando que sejam arrolados como testemunhas com bastante frequencia.
Em alguns casos, as audiências acabam sendo designadas anos depois dos acontecimentos. Quando o réu não é encontrado para ser citado, por exemplo, o processo fica suspenso até que ele seja localizado.
Sob o argumento de que o decurso do tempo gerou esquecimento de detalhes, alguns policiais já procuraram cartórios sob a minha responsabilidade e pediram para consultarem processos. A minha orientação para a equipe sempre foi a de vedar esse tipo de acesso.
Às vezes, o policial fica preocupado com a possibilidade de não se lembrar do caso e, dessa forma, em decepcionar o juiz e/ou o promotor.
Todavia, é natural que a testemunha ouvida em juízo se esqueça de alguns detalhes mencionados na delegacia. Isso tem a ver com o passar do tempo, com a forma de indagação e até com o estado emocional ou psíquico da pessoa no dia do depoimento.
O juiz, para formar a sua convicção, não compara os depoimentos das fases policial e judicial para ver se são absolutamente idênticos. Considera a postura da testemunha, a coerência dos seus relatos, a sua forma de falar e até de gesticular para avaliar credibilidade. Algumas posturas são sugestivas de que a pessoa está “calculando” cada palavra que vai dizer e despertam suspeitas. É claro que divergências significativas entre os dois relatos serão exploradas.
Quando já se passou muito tempo desde que a testemunha foi ouvida na delegacia, o juiz entende que já não é possível reproduzi-lo fielmente, a não ser que a pessoa tenha tido acesso ao texto do depoimento anterior. O magistrado não quer que a audiência seja uma encenação de falas decoradas.
A pessoa que se dispõe a falar a verdade não precisa consultar depoimento anterior. A verdade sempre poderá ser repetida diversas vezes sem que os relatos se alterem significativamente. Ao contrário, quem mente pode precisar fazer a consulta para conseguir reproduzir a mentira, pois normalmente é difícil conseguir renovar a versão falsa depois de algum tempo.
A quem vai ser indagado em juízo, fica a dica: bastará contar, com naturalidade e boa-fé, imbuído da vontade de colaborar, aquilo que a memória permitir. Se ler o depoimento anteriormente prestado, a testemunha poderá, justamente, se pronunciar de forma “artificial” e gerar descrença. De qualquer forma, se o juiz perguntar de maneira mais enfática, isso não significa que duvidou da veracidade do que foi dito. Pode ser que o magistrado quis apenas testar a testemunha.
É bom salientar, por fim, que o julgamento de um caso não depende apenas de um depoimento, mas da análise conjunta de todas as provas colhidas.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 30/6/2016 do Diário de Penápolis)