O artigo 287
do Código Penal define o delito de apologia de crime ou criminoso: “Fazer,
publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção,
de três a seis meses, ou multa”. Apurações do gênero não são tão comuns.
Trata-se infração classificada como de menor potencial ofensivo.
Comete o
delito que faz alarde com o objetivo de induzir alguém a repetir determinada
prática criminosa já ocorrida, ou seja, quem elogia, enaltece. Mera descrição
de fato não caracteriza apologia.
O Superior
Tribunal de Justiça já enfatizou que a denúncia para apuração de apologia deve descrever
a infração penal, com todas as suas circunstâncias, ou seja, indicar a conduta
que elogia ou incentiva "fato criminoso" ou "autor do
crime". A infração se caracteriza quando a conduta é pública, “dirigida ou
presenciada por numero indeterminado de pessoas, ou, em circunstância, em que a
elas possa chegar a mensagem”. Segundo o STJ, “Só assim, será relatado o resultado
(perigo a paz pública), juridicamente entendido como a probabilidade (perigo
concreto) de o crime ser repetido por outrem, ou seja, estimular terceiros a
delinquencia” (RHC 4.660/RJ, julgado em 05/09/1995).
Muitos
debates interessantes sobre a ocorrência ou não de apologia já foram travados,
pois há quem defenda que a tipificação desse crime importa em censura prévia;
fere a liberdade de expressão, muito embora, em linhas gerais, observados os
detalhes do caso concreto, ela deva mesmo ser restringida quando houver risco
para a coletividade.
Em 2010, um
artista causou polêmica ao expor, na Bienal de São Paulo, retratos dele mesmo
executando pessoas famosas, como Fernando Henrique Cardoso, Lula e até o Papa,
o que provocou reação da OAB. Em 2004 um clipe de Gilberto Gil foi objeto de
representação porque alegadamente estimulava o uso de maconha.
Vários
debates já envolveram músicas de “rap” e “funk”. O Supremo certa vez negou o
pedido de “habeas corpus’ ajuizado pela defesa de um cantor que interpretava música
cuja letra estimulava a prática de roubos de veículos, bem como sugeria modelos
mais interessantes e recomendava disparo se a vítima tentasse fugir. Isso
acontece em “funks” denominados “proibidões”, cuja letras são “fortes”, divulgadas
pela Internet porque emissoras não se arriscam a veiculá-los. Nos autos do HC
89.244, o Min. Marco Aurélio entendeu que era precoce interromper a
investigação, ou seja, não descartou a ocorrência de crime por meio de canções.
Em 2015 um julgado fluminense da lavra de Marcos Augusto Ramos Peixoto rejeitou
denúncia contra um “proibidão” e privilegiou a liberdade de expressão (Proc.
0002438-06.2014.8.19.0001). Referenciou filmes (“Cidade de Deus”, por ex.) e
jogos de videogame (como o GTA) que, teoricamente, também estimulam crimes, mas
que fizeram e fazem sucesso. Citou a análise que o Supremo fez à “marcha da
maconha”. Classificou os “funks” como “forma de arte”.
Por falar
nisso, naquela ocasião o STF entendeu que participar de aglomeração voltada à
defesa da descriminalização regrada da posse da maconha não configurava crime,
mas mera manifestação racional do pensamento e do direito de democraticamente
divergir (ADPF 187, Relator Min. Celso de Mello, julgado em 15/06/2011).
Na
jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo tem sido confirmadas as
penalidades impostas aos detentos que promovem apologias em estabelecimentos
prisional, normalmente, por meio de canções, desenhos e divulgações de cartas
que louvam organizações criminosas (Exemplos de processos: 0062243-58.2015.8.26.0000;
7009099-85.2015.8.26.0344; 7008926-78.2014.8.26.0576;
0133593-77.2013.8.26.0000; 0094217-84.2013.8.26.0000).
Tatuagens
que retratam apologia devem afastar candidatos de concursos públicos, segundo
decidiu recentemente o Supremo (RE 898.450).
A apologia
de crime futuro pode configurar incitação ao crime, delito previsto no art.
286. Outro dia deparei com publicação no Facebook da imagem de um homem
atirando na cabeça de outro e com mensagem do tipo “quem faz tal coisa merece
isso”. Notei “curtidas” de servidores públicos. “Curtir” postagens desse tipo,
como fizeram algumas pessoas, pode ser perigoso. Afinal, teoricamente, quando
você curte, ajuda a incentivar o que está escrito. Além disso, que incita
responde também pelo crime que incitou, caso venha a ser praticado. Acautele-se!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.youtube.com/adrianoponce10
(publicado na edição de 27/10/2016 do
Diário de Penápolis)