Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

23 de mar. de 2014

Tuitando...

        O microblog Twitter se tornou para mim um importante instrumento de informação e atualização. Isso porque tem faltado tempo para ler jornal e assistir ao noticiário televisivo.

        Para quem não sabe, por meio do Twitter é possível postar mensagens de até 140 caracteres. A sua tela sempre mostrará as mensagens objetivas das pessoas ou organizações que você “seguir”, ou seja, cadastrar na sua lista.

        É preciso tomar cuidado para não se tornar “seguidor” de muitos perfis, pois, caso contrário, você poderá não dar conta de acompanhar todas as mensagens ou perderá muito tempo para cumprir tal tarefa, o que também não é sadio.

        Se o Twitter for bem utilizado, será sinônimo de informação rápida, de qualidade e, o que também é bem interessante, gratuita!

        Tornei-me “seguidor” de jornais de grande circulação e passei a ficar “por dentro” das novidades. E foi aí que surgiu a inspiração para escrever... Concluí que a nossa vida se desenrola de forma parecida com o painel de notícias do Twitter... Resolvi fazer uma alegoria.

        A todo o momento, informações, indagações e inquietações nos atingem... Quem não fica atento ou protela intervenções acaba sendo “atropelado”, pois as “postagens” são incessantes...

        O que se torna “seguidor” de pessoas de índole duvidosa ou maléfica fica “antenado” em coisas que nada lhe acrescentam. Pode desenvolver inveja, desmotivação, depressão, tendência para o crime e para as drogas, ócio, revolta, desrespeito, baixa estima, descrença... Aquele que se conecta com as pessoas boas, vencedoras, respeitadoras de direitos e honestas só tem a ganhar, pois acaba preenchendo o seu tempo com bons exemplos e motivação para crescer na vida pessoal e na profissional.

        Se um perfil aparentemente bom acabar frustrando nossas expectativas, bastará que deixemos de segui-lo no microblog. Assim também devemos nos portar na vida, nos afastando de todos que nos fazem mal ou simplesmente os ignorando quando o afastamento não puder acontecer de plano.

        Haverá situações em que aquele perfil que admiramos no Twitter nos enviará informação não tão boa para o nosso fortalecimento. Nesse momento bastará que partamos para a próxima notícia sem acessar o “link” da primeira, ou seja, que filtremos o conteúdo a ser acessado. Afinal, temos essa escolha. Na vida também acontece de pessoas que admiramos, porque também têm defeitos, nos dizerem ou fazerem algo desagradável. Se não for o caso de “excluir o perfil” dessa pessoa do nosso relacionamento, bastará que relevemos o que foi dito ou feito, tarefa nem sempre fácil de ser cumprida, mas que contribuirá para que a situação seja serenada e recuperemos a paz.

        O “grande barato” da coisa é que sempre teremos o livre arbítrio para escolher quem “seguiremos” no Twitter e em quem nos espelharemos na nossa vida... É certo que contatos com perfis ruins e a insistência em acessar notícias de utilidade duvidosa no Twitter, nos trará conseqüências danosas; mesma forma que certas amizades e/ou a dificuldade de “filtragem” de posturas desagradáveis das pessoas.

        No blog, quando uma notícia boa vem de um perfil que apreciamos, devemos prosseguir acessando o link nela contido ou mesmo pesquisar mais sobre o prazeroso assunto. Nos relacionamentos pessoais e profissionais a gente também deve investir tempo e atenção e aprofundar conhecimento acerca daquilo que nos traz reforço espiritual e entretenimento sadio.

        Se uma informação da Internet é produtiva, devemos compartilhá-la. Na vida, igualmente, temos amplas condições de transmitir aos nossos entes queridos o que lhes poderá ser útil. E sempre temos de tomar cuidado para não aborrecer os outros com lamúrias, mensagens derrotistas, obsessivas, subversivas ou que favoreçam qualquer sentimento ou conseqüência negativa.

        Por fim, temos a escolha de comentar ou não aquilo que é postado no Twitter e o que nos é dito pessoalmente. Se surge a idéia de elogiar de forma respeitosa e desinteressada, não podemos perder a oportunidade... Afinal, já cantava a banda Legião Urbana: “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Quanto à crítica, se tiver por objetivo auxiliar, poderá ser feita, dentro do possível, de forma reservada. De resto, será melhor se abster.

        Por fim, você tem a escolha de acessar o seu Twitter quando estiver motivado, sem que isso se torne uma obrigação. E também deve procurar ou permanecer com as pessoas que gosta quando estiver à vontade e em condições de ser uma boa companhia...

        Como se vê, pelo menos na teoria não é tão difícil assim fazer com que nossos contatos sejam positivos, desde que “naveguemos” com bastante atenção, inteligência e sensatez!

 

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira

Juiz de Direito em Penápolis(SP)

Professor no Unisalesiano/Lins


(redigido para a edição de março/2014 da Revista Comunica)


21 de mar. de 2014

Mandado de segurança - tentou resolver administrativamente? Poderia organizar melhor os anexos?

Segundo a impetrante Fulana:
a) adquiriu bens para a sua moradia social (grades, varal, lixeira) e autorizou que as 12 parcelas de R$ 60,00 fossem embutidas na conta de energia;
b) ficou desempregada depois da compra e passou a enfrentar dificuldades financeiras;
c) a impetrada CPFL acabou interrompendo o fornecimento de energia em virtude do inadimplemento das contas;
d) é o caso de o Juízo determinar o restabelecimento do fornecimento de energia e a cessação da consignação das parcelas na conta.
Decido.
Tive ciência da distribuição, na data de ontem, à Vara local, do Proc. ??? (extrato anexo). Cuida-se de ação civil ajuizada pelo Ministério Público contra a CPFL com propósitos idênticos aos aqui perseguidos. Compulsei os autos no gabinete do magistrado e verifiquei, inclusive, que a situação de Fulana foi especialmente destacada pelo Promotor oficiante e que documentos aqui encartados também foram juntados naquele feito (de forma bastante organizada, com destaques em amarelo).
A pretensão deduzida na demanda que tramita na 4ª Vara é bem mais ampla. Os pedidos foram formulados em favor de todos os consumidores de Penápolis(SP). Pleiteou-se a religação de energia quando o inadimplemento estiver relacionamento a outras despesas e a proibição de inclusão de outros valores na conta. A deliberação sobre o pedido urgente é iminente, até pela relevância do caso.
De qualquer forma, diante da urgência invocada, enfrentarei a questão que me foi posta.
A parte autora não disse se procurou a CPFL para tentar solucionar administrativamente o impasse. Provavelmente não fez isso... Não posso presumir que a concessionária se negaria a reemitir as contas contemplando apenas valores relativos ao fornecimento da energia, o que resolveria o problema da consumidora. Não vejo com bons olhos a atitude de recorrer ao Judiciário sem tentar solucionar de outra forma. Está ou não presente o interesse de agir? Instar a requerida administrativamente seria interessante, pois o corte pode ter sido feito de forma automática, por meio de dados fornecidos por sistema informatizado, sem que qualquer empregado da CPFL tivesse tido a oportunidade de notar que a inadimplência abrangia outras verbas. Anoto, na oportunidade, que a inadimplência já dura alguns meses. A parte se mostrou bastante acomodada desde então. Apenas agiu quando o fornecimento foi interrompido. Não encontrei justificativa para tamanha desídia.
Fulana também não esclareceu se pretende pagar as despesas contratadas junto à CPFL. Deseja ter a possibilidade de quitar o débito em favor da concessionária para obter a religação da energia ou quer ter acesso à energia de qualquer forma, mesmo continuando inadimplente? Solicito manifestação expressa.
Isso posto, aguardo esclarecimentos (com cópia para contrafé). Determino, ainda, que a contrafé já apresentada seja instruída com cópias de todos os documentos encartados à inicial, conforme determina a lei de regência (Lei 12.016/2009, art. 6º).
Aliás, preciso expor a minha insatisfação. Os vários anexos da inicial foram a ela grampeados de forma absolutamente desorganizada. O advogado reuniu contas de energia, fotografias, documentos médicos e documentos pessoais da parte, mas os documentos não foram separados por assunto. Estavam todos embaralhados. Tive de retirar o grampo e eu mesmo organizar os anexos para tentar compreender melhor o que se passava... Perdi tempo e me aborreci. Verifiquei também que algumas cópias estavam duplicadas e as coloquei junto com a contrafé. Fiz o trabalho que cabia ao estagiário do defensor. Recomendo a leitura do meu artigo “Se meu filho fosse advogado...”, disponibilizado no balcão do 2º Ofício Judicial, por meio do qual enumerei algumas práticas que facilitam o manuseio e a apreciação dos processos...
Oportunamente, conclusos.
Intime-se com urgência.
Penápolis(SP), 21/3/2014.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito

Violência doméstica - discordei de arquivamento proposto pelo Ministério Público




Proc. ????

            O Ministério Público propôs o arquivamento de inquérito policial instaurado para apurar delito previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal.

            Com a devida vênia, discordo do referido posicionamento.

            a) Decisão do Supremo a respeito da natureza incondicionada da ação tendente a apurar agressão classificada como violência doméstica

            Eis o que decidiu o egrégio Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424:

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente). Falaram, pelo Ministério Público Federal (ADI 4424), o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; pela Advocacia-Geral da União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso; pelo interessado (ADC 19), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Ophir Cavalcante Júnior e, pelo interessado (ADI 4424), Congresso Nacional, o Dr. Alberto Cascais, Advogado-Geral do Senado. Plenário, 09.02.2012.

            Com base nesse precedente, Supremo tem acolhido reclamações sobre o assunto:

DECISÃO RECLAMAÇÃO. PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI N. 11.340/2006. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. DESRESPEITO À DECISÃO PROFERIDA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 4.424. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. INFORMAÇÕES. VISTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. (...)

9. Superado esse fundamento apontado pela autoridade Reclamada, de se observar que, em 9.2.2012, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 19 para declarar a constitucionalidade dos arts. 1º, 33 e 41 da Lei n. 11.340/2006 e, por maioria, julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.424 para, dando interpretação conforme aos arts. 12, inc. I, e 16 da Lei n. 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, independentemente da sua extensão, praticado contra a mulher em ambiente doméstico. Tem-se neste julgado: “O Plenário, por maioria, julgou procedente ação direta, proposta pelo Procurador Geral da República, para atribuir interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I; 16 e 41, todos da Lei 11.340/2006, e assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher. Preliminarmente, afastou-se alegação do Senado da República segundo a qual a ação direta seria imprópria, visto que a Constituição não versaria a natureza da ação penal — se pública incondicionada ou pública subordinada à representação da vítima. Haveria, conforme sustentado, violência reflexa, uma vez que a disciplina do tema estaria em normas infraconstitucionais. O Colegiado explicitou que a Constituição seria dotada de princípios implícitos e explícitos, e que caberia à Suprema Corte definir se a previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação. Salientou-se a evocação do princípio explícito da dignidade humana, bem como do art. 226, § 8º, da CF. Frisou-se a grande repercussão do questionamento, no sentido de definir se haveria mecanismos capazes de inibir e coibir a violência no âmbito das relações familiares, no que a atuação estatal submeter-se-ia à vontade da vítima. No mérito, evidenciou-se que os dados estatísticos no tocante à violência doméstica seriam alarmantes, visto que, na maioria dos casos em que perpetrada lesão corporal de natureza leve, a mulher acabaria por não representar ou por afastar a representação anteriormente formalizada. A respeito, o Min. Ricardo Lewandowski advertiu que o fato ocorreria, estatisticamente, por vício de vontade da parte dela. Apontou-se que o agente, por sua vez, passaria a reiterar seu comportamento ou a agir de forma mais agressiva. Afirmou-se que, sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as agressões físicas surgiriam, na maioria dos casos, em ambiente doméstico. Seriam eventos decorrentes de dinâmicas privadas, o que aprofundaria o problema, já que acirraria a situação de invisibilidade social. Registrou-se a necessidade de intervenção estatal acerca do problema, baseada na dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), na igualdade (CF, art. 5º, I) e na vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI). Reputou-se que a legislação ordinária protetiva estaria em sintonia com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e com a Convenção de Belém do Pará. Sob o ângulo constitucional, ressaltou-se o dever do Estado de assegurar a assistência à família e de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não seria razoável ou proporcional, assim, deixar a atuação estatal a critério da vítima. A proteção à mulher esvaziar-se-ia, portanto, no que admitido que, verificada a agressão com lesão corporal leve, pudesse ela, depois de acionada a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência especificamente designada com essa finalidade, fazendo-o antes de recebida a denúncia. Dessumiu-se que deixar a mulher — autora da representação — decidir sobre o início da persecução penal significaria desconsiderar a assimetria de poder decorrente de relações histórico-culturais, bem como outros fatores, tudo a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogar o quadro de violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implicaria relevar os graves impactos emocionais impostos à vítima, impedindo-a de romper com o estado de submissão” (Informativo n. 654). 10. Dessa forma, neste exame preambular, a exposição dos fatos e a verificação das circunstâncias presentes e comprovadas na ação conduzem ao deferimento do pedido de medida liminar, por se verificar plausibilidade jurídica dos argumentos apresentados na inicial. 11. Pelo exposto, defiro a medida liminar para suspender o efeito das decisões objeto da presente reclamação e determinar que o juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Osasco/SP dê andamento às Ações Penais ns. 0050818-85.2012.8.26.0405 e 0043710-05.2012.8.26.0405 com observância do que decidido por este Supremo Tribunal, em 9.2.2012, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 19 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.424, Relator o Ministro Marco Aurélio. Comunique-se ao juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Osasco/SP, autoridade ora Reclamada, para ciência desta decisão e para prestar, com urgência e por fax, informações pormenorizadas quanto ao alegado na presente reclamação e junte cópia dos documentos que considerar pertinentes. Remeta-se, com o ofício, a ser enviado, com urgência e por fax, cópia da inicial e da presente decisão. 12. Prestadas as informações, vista ao Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 28 de junho de 2013. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (Rcl 15926 MC, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 28/06/2013, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-148 DIVULG 31/07/2013 PUBLIC 01/08/2013).

            Ao enfrentar o tema, Ministros que participaram do julgamento da ADI 4.424 fizeram comentários interessantes[1]. Muito embora digam respeito especificamente à modalidade de ação penal, os argumentos servem à defesa da tese de que a notícia de fato típico e antijurídico classificado como “violência doméstica” não deve ser prematuramente arquivada em nome da tranquilidade doméstica.

            Ficou claro que a condição de procedibilidade, se fosse mantida, tal como ficou decidido, esvaziaria a proteção constitucional assegurada às mulheres.

            Para a Min. Rosa Weber, a exigência de representação atenta contra a própria dignidade humana. O Min. Luiz Fux afirmou que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu:

Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacentemente uma violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea.

            No entender da Min. Cármen Lúcia, houve mudança de mentalidade no que se refere aos direitos das mulheres. Lucidamente,

citando ditados anacrônicos – como, “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” e “o que se passa na cama é segredo de quem ama” –, ela afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto das “quatro paredes” quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência.

            Para o eminente Min. Ricardo Lewandowski:

estamos diante de um fenômeno psicológico e jurídico, que os juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e estudado desde os antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade.

            O Min. Gilmar Mendes até cogitou algum risco em torna a ação penal pública incondicionada, já que a demanda poderia ser “elemento de tensão e desagregação familiar”, mas acompanhou o relator.

            Comentário interessante foi feito pelo Min. Ayres Britto: “em um contexto patriarcal e machista, a mulher agredida tende a condescender com o agressor”.

            Sustentou o Ministro Celso de Mello: “Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não apenas no plano processual, mas também no plano material”. Enfatizou que é fundamental que se dê atenção ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê a prevenção da violência doméstica e familiar pelo Estado.

            O Min. Cezar Peluso advertiu que, se o caráter condicionado da ação foi inserido na lei, houve motivos justificados para isso. Mas, no meu entender, esse argumento não basta para privilegiar a modalidade condicionada da ação, uma vez que as leis brasileiras sistematicamente são promulgadas com defeitos, cabendo ao Judiciário justamente detectá-los e compatibilizar as normas com os princípios e diretrizes constitucionais.

            Em suma: o Supremo, quando decidiu pela natureza incondicionada da ação tendente a apurar violência doméstica, o fez escorado em princípios e conclusões que não autorizam o acolhimento do parecer ministerial.

            b) Análise específica do caso concreto

            Vê-se que o ordenamento jurídico e a jurisprudência, tendo em vista a intenção de reforçar a prevenção e a repressão à violência doméstica, procuraram evitar que houvesse entraves à apuração.

            A razão de ser dessa nova mentalidade foi justamente o fato de, no passado, muitas apurações terem sido interrompidas pela falta de representação ou por retratação.

            Não tenho como aceitar, assim, como justificadora do arquivamento, argumentação que se escore na probabilidade de os envolvidos, por conta do processo, deixarem de conviver; na possibilidade de a pretensa vítima não cooperar com a produção da prova etc. São apenas hipóteses. O relato judicial da vítima não é o único elemento de convicção. E se o posicionamento agora questionado prevalecer, pouquíssimas ofensas seriam apuradas, o que colocaria em xeque todo o sistema de proteção implantado pela Lei “Maria da Penha”.

            A bem da verdade, o arquivamento sob tal pretexto consistiria, com o devido respeito, num retrocesso; em fazer “ressurgir das cinzas” aquilo que há alguns anos se denominava “medida de política criminal”, mas cuja aplicação sistemática acabou por incentivar a violência.

            Acrescente-se, por fim, que a apuração trata de conduta reprovável: consta que o agressor mantinha relacionamento extraconjugal e que investiu contra a vítima dez anos mais velha (69 anos) e indefesa, deixando marcas no seu corpo. Ouvido na fase policial, ele não refutou as agressões. E a vítima em parte se desinteressou pela apuração porque, segundo ela mesmo disse, o investigado costuma levá-la nos consultórios médicos. A situação é típica de subserviência da mulher, que, também por isso, precisa de proteção especial. O nosso sistema jurídico já não ampara eventual “tolerância” da vítima. A dívida do agressor não é com a vítima, mas com o Estado.

            Isso posto, remetam-se os autos à Douta Procuradoria Geral de Justiça, para aferição da promoção de arquivamento ora contestada, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal.

            Ciência ao Ministério Público.

                                                           Penápolis(SP), 20/2/2014.



                                                           Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira

                                                                        Juiz de Direito








[1] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199853>. Acesso em 13 set. 2013.

19 de mar. de 2014

Infalível Seicho-No-Ie



            Sou Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira, tenho 21 anos, resido em Lins(SP), e sou muito grato à Seicho-No-Ie. Tudo começou quando, ainda criança, freqüentava a casa de um amigo. Sua mãe, seguidora desta maravilhosa filosofia, mantinha coladas nas paredes da casa mensagens retiradas do ensinamento Seicho-No-Ie. Naquela época eu não entendia o fundamento daquela atitude e até agrava graça no que via. Essa mulher, apesar de seu humilde emprego, passou então a prosperar e, juntamente com seu marido, adquiriu outro imóvel, estando hoje em ótima situação financeira. Cursou uma faculdade e avançou também no lado profissional, numa atitude louvável de alguém que, na posição de pessoa casada e com filhos, como outras muitas, já deveria estar acomodada com a situação.

            Os tempos se passaram e em 1993 ingressei na Faculdade de Direito de Marília. Logo em seguida minha mãe, Sueli Ponce de Oliveira, passou a freqüentar a Seicho-No-Ie. As dificuldades eram imensas, pois tudo o que eu ganhava, somado ao ínfimo salário dela, era destinado ao pagamento de mensalidades escolares e à compra dos caríssimos livros. Minha mãe, pessoa lutadora e a quem devo, juntamente com meu pai e amigos, todo o meu sucesso, passou então a participar de concursos públicos, numa tentativa de melhorar sua posição profissional e a renda familiar. Foi assim – vendo minha mãe ir à luta, até então desacreditada pelo meu pai, e já com 41 anos – que passei a perceber que algo estava mudando para melhor. Passei então a conversar com ela sobre o que era dito nas reuniões, sem poder, no entanto, delas participar, pois trabalhava e estudava, e nos finais de semana, precisava me preparar para provas ou descansar daquela desgastante batalha que era a de cursar a faculdade fora de minha cidade. Admirava a garra que minha mãe demonstrava, e, não obstante algumas reprovações, no quarto concurso ela foi aprovada e multiplicou seu salário em torno de sete vezes. Até então ela só se queixava do fato de ter estudado e de não ter recompensa financeira à altura, mas no momento em que passou a agradecer e a pensar positivamente, a vitória foi inevitável. Finda a faculdade em 1996, pedi a minha mãe que me conduzisse à Associação da Fraternidade de Lins. Passei a comparecer a todas as sessões e o fazia movido por extrema satisfação. Tinha certeza de que ali era um lugar sagrado, e de que, a exemplo de todos os freqüentadores, eu também venceria. Meu pai, que não acreditava, passou a ler a sutra todos os dias, contribuindo para os fluídos positivos na nossa família. Iniciei, então, meu estudo para concursos jurídicos e assumi a posição de integrante da Seicho-No-Ie. Concomitantemente, minha mãe efetuava, diariamente, a “Oração para o Fortalecimento do Anjo da Guarda” e a sutra “Palavras do Anjo”, tendo em vista a minha impossibilidade de fazê-lo, pois todo o tempo de que dispunha era ocupado pelo estudo da extensa matéria pertinente aos concursos. Eu me inscrevi em 9 de janeiro de 1997, num importante concurso. Participei da primeira reunião da Seicho-No-Ie em março de 1997, mês da primeira prova do concurso, e adquiri um caderno brochura onde passei a registrar, cronologicamente, todos os bons momentos pelos quais passava, bem como passei a afirmar que ao final das três fases estaria aprovado, sempre, naturalmente, agradecendo (fazia o mesmo nos livros). Imprimi uma faixa no computador com os dizeres: “Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira – Delegado de Polícia Substituto”. Fixei tal faixa na parede de meu quarto e estudo, e por todos os dias passei a registrar mensagens de otimismo e motivação, a agradecer a absorção da matéria estudada, a agradecer as palavras de apoio recebidas, enfim, a registrar tudo o que eu considerava essencial para que a vitória ao final viesse. Em 16 de julho de 2007 recebi a notícia de que estava, juntamente com mais 80 candidatos, dentre mais de 9.000 inscritos. Hoje, 25 de agosto, com apenas 21 anos, espero minha posse como Delegado de Polícia, e só tenho a agradecer aos meus pais, amigos, e a todos que de qualquer forma colaboraram para esta meteórica conquista. Muito obrigado à infalível Seicho-No-Ie. Muito obrigado! Muito obrigado!



Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira

Juiz de Direito e Professor no Unisalesiano

(texto publicado na edição de março de 1998 da Revista Pomba Branca)