O problema de perturbação do sossego infelizmente é
recorrente. Os casos mais comuns decorrem de uso abusivo de equipamento de som e
excesso de ruído provocado por cultos religiosos, aglomerações nas imediações
de estabelecimentos comerciais e educacionais e até por animais de estimação.
Não há como esgotar o tema neste artigo, já que uma série
de circunstâncias do caso concreto deve ser analisada, mas o objetivo é
esclarecer o que pode ser feito.
Mesmo durante o dia os abusos podem ser reprimidos se
forem devidamente demonstrados, o que normalmente se faz por meio de aferição
dos níveis das emissões de ruídos. Mas a prova meramente testemunhal também já
foi aceita (STF, RHC 117465).
É importante verificar se o Município definiu horários e
limites. Julgados têm se amparado também na Resolução nº 01/90 do Conama e na
norma NBR 10.152.
O Direito Penal normalmente é o primeiro a ser lembrado,
mas não é o único que pode favorecer a solução. Isso porque as sanções não são
suficientemente severas para a repressão. E a responsabilidade penal é
individual. Um não pode responder pela infração do outro.
A Lei das Contravenções Penais prevê a perturbação do
sossego e a perturbação da tranquilidade, mas são infrações de menor potencial
ofensivo. O art. 42, por ex., dispõe: “Perturbar alguém
o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo
profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III –
abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não
procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda: Pena –
prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa”. Normalmente o autor tem
direito à transação penal.
A Lei 9.605/1998 estabelece: “Art. 54. Causar poluição de
qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à
saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”. A
sanção é mais grave, mas penso que não intimida tanto, pois pode caber
suspensão condicional do processo. O STF não descartou a incidência do artigo
para a poluição sonora (RHC 117465). O STJ tem decidido que a poluição sonora
está compreendida na expressão “poluição de qualquer natureza”. Mas quando
decidiu o HC 134163, a Ministra Maria Thereza entendeu que “conduta de provocar ruídos ou sons em desacordo com
os limites impostos em regulamento administrativo não se enquadra no art. 54”,
posicionamento que creio que seja minoritário.
No âmbito do Direito Civil, há quem ajuíze ação contra o
estabelecimento comercial com o objetivo de restringir o seu horário de
funcionamento por conta do exercício irregular do direito de propriedade. Na
jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo existem julgados que
acolheram tal pretensão. Ao julgar a Apelação 0006760-98.2006.8.26.0407, por
exemplo, o TJSP confirmou decisão da primeira instância que, com base no
direito de vizinhança, reconheceu que loja de conveniência era responsável pela
emissão de ruídos excessivos e algazarras que perturbavam o sossego dos
moradores da região. Determinou que ela não funcionasse das 22 horas às 8
horas, sob pena de multa diária no importe de um salário mínimo. E também a
condenou a pagar R$ 15 mil a título de indenização por danos morais ao autor da
ação judicial, já que sofreu retaliações por ter reclamado. Ressaltou que é
objetiva a responsabilidade decorrente do direito de vizinhança, ainda que a
empresa esteja autorizada a funcionar. Em suma: se a empresa lucra com o
movimento, deve responder pelos excessos dos seus clientes.
Em alguns casos as ações têm a ver com abusos praticados
em templos religiosos, por meio de som “ao vivo” ou mesmo durante ensaios e
eventos (especialmente na época do Carnaval), que devem acontecer em locais
especificados pelo poder público, tal como já se decidiu. O TJ já decidiu
também que mesmo as manifestações de cunho cultural em locais predefinidos não
podem gerar propagação excessiva de ruído.
Não vejo problema na apreensão de equipamento de som para
perícia quando devidamente justificada, mas não é possível garantir que não
será devolvido depois da providência. Cada caso é um caso... E cada julgador
tem seu entendimento.
O importante é que a pessoa se diga ofendida com o
barulho mantenha a calma e procure tomar providências com embasamento legal.
Isso porque se ânimos se exaltarem os desdobramentos poderão piorar a situação.
Recordo-me de que quando atuava na Delegacia de Guarantã(SP) tentei conciliar
dois vizinhos por causa de latidos de cães. A princípio o problema foi
controlado, mas posteriormente houve confronto físico que quase provocou a
morte de um deles, já que teve uma víscera rompida... Vale a pena dialogar
civilizadamente. Às vezes priorizar o registro da ocorrência ou o ajuizamento
poderá protelar a solução ou acirrar os ânimos. Mas se o prejudicado sentir que
não há espaço para diálogo, deve solicitar o apoio da Prefeitura, da polícia ou
do Ministério Público. Aliás, muitos entraves poderiam ser evitados se a
polícia, em vez de aguardar o acionamento sob o argumento de que “sem vítima
não há perturbação”, se antecipasse e fizesse orientações preventivas quando os
próprios policiais já notassem os excessos. Afinal, às vezes o prejudicado não
denuncia porque tem medo. E se multas administrativas fossem aplicadas...
Havendo necessidade, o Judiciário poderá ser acionado.
Tenho para mim que providências na órbita cível acabam surtindo resultados mais
eficazes, mas às vezes o infrator poderá se intimidar com a investigação
policial.
Outras peculiaridades deverão ser observadas: o maior ou
menor grau de tolerância do incomodado; a quantidade de pessoas reclamantes; se
a região onde o suposto abuso aconteceu é predominantemente residencial ou não;
se o responsável pelo imóvel foi omisso ou se fez o que podia para evitar a
perturbação etc.
O que não se justifica, no entanto, é que abusos deixem
de ser combatidos pela descrença do prejudicado nas instituições e no nosso
ordenamento jurídico, pela omissão de autoridades, pela preguiça em denunciar
ou pelo receio da impopularidade, pois a inércia incentiva excessos e o
sofrimento poderá provocar severos problemas de saúde pela falta do descanso
e/ou pela indignação acumulada...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado na edição de janeiro de 2014 da Revista
Comunica e no Diário de Penápolis de 29/1/2015)