Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

31 de jan. de 2015

Perturbação do sossego


O problema de perturbação do sossego infelizmente é recorrente. Os casos mais comuns decorrem de uso abusivo de equipamento de som e excesso de ruído provocado por cultos religiosos, aglomerações nas imediações de estabelecimentos comerciais e educacionais e até por animais de estimação.
Não há como esgotar o tema neste artigo, já que uma série de circunstâncias do caso concreto deve ser analisada, mas o objetivo é esclarecer o que pode ser feito.
Mesmo durante o dia os abusos podem ser reprimidos se forem devidamente demonstrados, o que normalmente se faz por meio de aferição dos níveis das emissões de ruídos. Mas a prova meramente testemunhal também já foi aceita (STF, RHC 117465).
É importante verificar se o Município definiu horários e limites. Julgados têm se amparado também na Resolução nº 01/90 do Conama e na norma NBR 10.152.
O Direito Penal normalmente é o primeiro a ser lembrado, mas não é o único que pode favorecer a solução. Isso porque as sanções não são suficientemente severas para a repressão. E a responsabilidade penal é individual. Um não pode responder pela infração do outro.
A Lei das Contravenções Penais prevê a perturbação do sossego e a perturbação da tranquilidade, mas são infrações de menor potencial ofensivo. O art. 42, por ex., dispõe: Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa”. Normalmente o autor tem direito à transação penal.
A Lei 9.605/1998 estabelece: “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”. A sanção é mais grave, mas penso que não intimida tanto, pois pode caber suspensão condicional do processo. O STF não descartou a incidência do artigo para a poluição sonora (RHC 117465). O STJ tem decidido que a poluição sonora está compreendida na expressão “poluição de qualquer natureza”. Mas quando decidiu o HC 134163, a Ministra Maria Thereza entendeu que “conduta de provocar ruídos ou sons em desacordo com os limites impostos em regulamento administrativo não se enquadra no art. 54”, posicionamento que creio que seja minoritário.
No âmbito do Direito Civil, há quem ajuíze ação contra o estabelecimento comercial com o objetivo de restringir o seu horário de funcionamento por conta do exercício irregular do direito de propriedade. Na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo existem julgados que acolheram tal pretensão. Ao julgar a Apelação 0006760-98.2006.8.26.0407, por exemplo, o TJSP confirmou decisão da primeira instância que, com base no direito de vizinhança, reconheceu que loja de conveniência era responsável pela emissão de ruídos excessivos e algazarras que perturbavam o sossego dos moradores da região. Determinou que ela não funcionasse das 22 horas às 8 horas, sob pena de multa diária no importe de um salário mínimo. E também a condenou a pagar R$ 15 mil a título de indenização por danos morais ao autor da ação judicial, já que sofreu retaliações por ter reclamado. Ressaltou que é objetiva a responsabilidade decorrente do direito de vizinhança, ainda que a empresa esteja autorizada a funcionar. Em suma: se a empresa lucra com o movimento, deve responder pelos excessos dos seus clientes.
Em alguns casos as ações têm a ver com abusos praticados em templos religiosos, por meio de som “ao vivo” ou mesmo durante ensaios e eventos (especialmente na época do Carnaval), que devem acontecer em locais especificados pelo poder público, tal como já se decidiu. O TJ já decidiu também que mesmo as manifestações de cunho cultural em locais predefinidos não podem gerar propagação excessiva de ruído.
Não vejo problema na apreensão de equipamento de som para perícia quando devidamente justificada, mas não é possível garantir que não será devolvido depois da providência. Cada caso é um caso... E cada julgador tem seu entendimento.
O importante é que a pessoa se diga ofendida com o barulho mantenha a calma e procure tomar providências com embasamento legal. Isso porque se ânimos se exaltarem os desdobramentos poderão piorar a situação. Recordo-me de que quando atuava na Delegacia de Guarantã(SP) tentei conciliar dois vizinhos por causa de latidos de cães. A princípio o problema foi controlado, mas posteriormente houve confronto físico que quase provocou a morte de um deles, já que teve uma víscera rompida... Vale a pena dialogar civilizadamente. Às vezes priorizar o registro da ocorrência ou o ajuizamento poderá protelar a solução ou acirrar os ânimos. Mas se o prejudicado sentir que não há espaço para diálogo, deve solicitar o apoio da Prefeitura, da polícia ou do Ministério Público. Aliás, muitos entraves poderiam ser evitados se a polícia, em vez de aguardar o acionamento sob o argumento de que “sem vítima não há perturbação”, se antecipasse e fizesse orientações preventivas quando os próprios policiais já notassem os excessos. Afinal, às vezes o prejudicado não denuncia porque tem medo. E se multas administrativas fossem aplicadas...
Havendo necessidade, o Judiciário poderá ser acionado. Tenho para mim que providências na órbita cível acabam surtindo resultados mais eficazes, mas às vezes o infrator poderá se intimidar com a investigação policial.
Outras peculiaridades deverão ser observadas: o maior ou menor grau de tolerância do incomodado; a quantidade de pessoas reclamantes; se a região onde o suposto abuso aconteceu é predominantemente residencial ou não; se o responsável pelo imóvel foi omisso ou se fez o que podia para evitar a perturbação etc.
O que não se justifica, no entanto, é que abusos deixem de ser combatidos pela descrença do prejudicado nas instituições e no nosso ordenamento jurídico, pela omissão de autoridades, pela preguiça em denunciar ou pelo receio da impopularidade, pois a inércia incentiva excessos e o sofrimento poderá provocar severos problemas de saúde pela falta do descanso e/ou pela indignação acumulada...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico

(publicado na edição de janeiro de 2014 da Revista Comunica e no Diário de Penápolis de 29/1/2015)

23 de jan. de 2015

Processo digital

A Comarca de Penápolis ainda não adotou o chamado “processo digital”, ao contrário do que já aconteceu em Lins e Birigui.
Muito embora todas estejam classificadas na entrância intermediária (sejam do mesmo “nível”), em Penápolis funcionam quatro varas de competência cumulativa, enquanto que nas outras operam três varas cíveis e duas varas criminais. Em todas também existem Juizados.
Contamos, portanto, com uma vara a menos e por isso não pudemos concretizar a tão sonhada especialização da competência. Quando o juiz atua somente na área criminal ou apenas na área cível a sua produtividade aumenta. Fica mais fácil se atualizar. Ele não enfrenta tantas oscilações de raciocínio. Ao contrário, quando atua numa vara de competência cumulativa (cível e criminal), o juiz enfrenta uma variedade muito grande de assuntos. Diante da complexidade e da vastidão do Direito, isso dificulta bastante o trabalho. É como se o juiz fosse um “clínico geral”. A diferença com a carreira médica é que o juiz não pode fazer o primeiro atendimento e encaminhar o caso para o especialista. Tem de seguir decidindo até o fim. Tem de ser “especialista em quase tudo”...
Em Penápolis, que não conta com Justiça Federal, os magistrados ainda presidem milhares de ações previdenciárias (demandas ajuizadas contra o INSS para a obtenção dos mais variados benefícios).
As sete cidades da Comarca de Penápolis (Penápolis, Alto Alegre, Avanhandava, Barbosa, Braúna, Luiziânia e Glicério), segundo estimativa do IBGE para 2014, devem possuir 101.097 habitantes. As três cidades da Comarca de Lins (Lins, Guaiçara e Sabino), por sua vez, devem totalizar 92.600 habitantes.
Na Comarca de Penápolis cada um dos cinco juízes estaduais responde por 20.219 habitantes. Na Comarca de Lins cada um dos seis juízes estaduais responde por 15.433 habitantes. Em Lins já existe Vara e Juizado Federais. Como a Justiça Estadual, em razão disso, não absorve causas de competência federal, é possível dizer que, em verdade, o mesmo trabalho desempenhado em Penápolis por cinco juízes e feito em Lins (Comarca menor) por pelo menos sete juízes, ou seja, que cada um deles responde por 13.228 habitantes, realidade bem diferente da nossa!
Cada magistrado de Penápolis preside cerca de 15.000 processos (incluídas as mais de 38.600 execuções fiscais que dividem).
Em resumo, 20.219 habitantes desaguam seus problemas (exceto os de ordem trabalhista e puramente federais), por meio de 338 advogados (contando apenas os inscritos na OAB de Penápolis), de cinco Promotores de Justiça e de várias autoridades policiais, num cartório judicial onde trabalham em média 15 pessoas; que, por sua vez, movimentam esses processos para que um juiz resolva questões de todos os graus de complexidade e relativas a quase todas as disciplinas jurídicas. O afunilamento é impressionante, não é mesmo? Quem dá conta? Quem se habilita?
Quando o processo digital for implantado em Penápolis, tudo isso acontecerá “virtualmente”. Ações serão ajuizadas de qualquer lugar, a qualquer hora, sem que papéis tenham de ser juntados e sem que os autos tenham de ser transportados ao juiz, procedimentos que, se por um lado geram alguma demora, permitem que o escrivão selecione o que precisa ser apreciado com mais urgência. A consequência é que a “caixa de entrada” do juiz, semelhante àquela que acumula e-mails, acumulará, durante 24 horas por dia, questões a serem decididas, independentemente do grau de complexidade e de urgência.
Nesse dia, com o devido respeito, eu desejo que já não esteja por aqui... Para mim “fazer justiça” não combina com números. O trabalho do Judiciário cada vez mais tem sido visto apenas sobre o enfoque quantitativo, como se uma decisão apressada não pudesse destruir os sonhos de alguém. Existe muita preocupação com tecnologia, mas se esquecem de que aquele que tem de decidir é um ser humano e não uma máquina.
Com o processo digital, haverá economia, praticidade, mas o que a Justiça precisa mesmo, além da conscientização das pessoas de que nem tudo deve ser objeto de ajuizamento, é de mais juízes; de que eles tenham mínimas condições para bem desempenharem o seu mister; de que tenham mais serenidade para lidar com as sensíveis questões submetidas ao seu crivo, o que tem acontecido cada vez menos... Do jeito que está, a perspectiva é a de que, por mais que nos empenhemos, com o processo digital a fila aumente ainda mais, a não ser que comecemos a decidir “de qualquer jeito”, solução que me recuso a adotar, pois geraria produtividade em números, mas feriria o juramento que fiz e, pior ainda, a minha consciência, além, é claro, de só agravar conflitos.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 22/1/2015 e também no Correio de Lins)

9 de jan. de 2015

Carnê do IPTU – cobranças embutidas


            Os municípios já estão providenciando a distribuição dos carnês do imposto predial e territorial urbano e nem sempre o contribuinte se atenta para a composição do montante a ser recolhido...
            Além do IPTU, outras cobranças muitas vezes são embutidas e é a respeito delas que discorrerei.
            A taxa de expediente (muitas vezes abreviada como “tx exp”), conforme decidiu o egrégio Tribunal de Justiça nos autos da Apelação nº 1002353-15.2014.8.26.0322, “afronta a norma geral de direito tributário prevista no art. 77 do CTN, já que não decorre da disponibilização de serviço público específico e divisível, tampouco do exercício regular do Poder de Polícia”. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que “a emissão de guia de recolhimento de tributos é de interesse exclusivo da Administração, sendo mero instrumento de arrecadação, não envolvendo a prestação de um serviço público ao contribuinte”, que, por isso, não pode ser responsabilizado pela tal taxa (RE 789218, Min. Dias Toffoli, julgado em 17/04/2014). Em resumo: o poder público não pode repassar ao contribuinte o custo inerente à cobrança do IPTU (emissão do carnê etc.). É inconstitucional a instituição e a cobrança de taxas por emissão ou remessa de carnês/guias de recolhimento de tributos. O valor é pequeno, mas a afronta é grande.
            No que tange à taxa de conservação de guias e sarjetas, “sem obediência aos pressupostos de especificidade e divisibilidade, mostra-se ilegal a exação, sendo possível a repetição dos valores indevidamente recolhidos” (TJSP, Apelação cível com revisão n° 0356722-69.2009.8.26.0000, a respeito da cobrança feita pelo Município de Penápolis). A taxa é uma espécie de tributo que têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas (art. 77 do Código Tributário Nacional). O serviço público é considerado utilizado pelo contribuinte quando por ele usufruído a qualquer título ou, quando, sendo de utilização compulsória, seja posto à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento (art. 78). É divisível quando suscetível de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários. É específico quando pode ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas. Normalmente a taxa de conservação de guias e sarjetas é cobrada sem a necessária especificação. O critério adotado nem sempre é transparente.
            Quanto à contribuição de iluminação pública (CIP), o Tribunal de Justiça paulista ainda tem decidido que não deveria ser cobrada (Apelação nº 0002668-15.2011.8.26.0177): “... Descabimento. Afronta aos requisitos da especificidade e divisibilidade do serviço. Recurso não provido... Contribuição para custeio de iluminação pública. Serviço que deve ser custeado pela receita proveniente da arrecadação de impostos, não obstante a inclusão do art. 149-A, da CF, pela EC nº 39/02”. Mencione-se que o Supremo já autorizou a cobrança da contribuição aos consumidores de energia elétrica do município porque, no seu entender, não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. Justificou que se trata de tributo de caráter “sui generis”, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte (RE 573675). Existe, portanto, divergência.
            Não é demais ressaltar que o Supremo tem decidido que “é específico e divisível o serviço público de coleta de lixo domiciliar prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”, mas tem rechaçado a cobrança de taxa de conservação e limpeza de locais públicos, que é realizado em benefício da população em geral (AI 636315), por não ser possível mensurar quanto cada um deve.
            Infelizmente o Ministério Público, também segundo o STF, não pode propor “ação civil pública com objetivo tipicamente tributário, visando impedir a cobrança de tributos, tendo em vista que o contribuinte não se confunde com o consumidor, cuja defesa está autorizada em lei” (AgRg no AREsp 289.788/MG).
            Não há como esmiuçar a análise neste texto. Cada cobrança deve ser avaliada individualmente. Detalhes podem fazer a diferença. Mas é interessante que o contribuinte busque esclarecimentos, pois muitos municípios ainda insistem em ofender princípios e normais do Direito Tributário.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
www.direitoilustrado.blogspot.com
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(publicado no Correio de Lins de 7/1/2015 e no Diário de Penápolis de 8/1/2015)

5 de jan. de 2015

Guarda compartilhada – inovações legislativas


            A Lei Federal 13.058, de 22/12/2014, que entrou em vigor no dia seguinte, alterou os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil, estabeleceu o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispôs sobre sua aplicação.
            Diante da relevância das previsões, entendo conveniente reproduzir as disciplinas legais de dois temas a partir das modificações...
                Da Proteção da Pessoa dos Filhos
Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1o  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2o  Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.
[com a modificação do § 2º, os itens I a III ficaram “perdidos”, pois complementavam a redação original do parágrafo para preverem fatores que devem ser observados para a delimitação da guarda unilateral]
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
§ 4o  (VETADO).
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
 II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1o  Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2o  Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
§ 3o  Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.     
§ 4o  A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
§ 5o  Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
§ 6o  Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.
Art. 1.585.  Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584.
Art. 1.586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.
Art. 1.587. No caso de invalidade do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 1.584 e 1.586.
Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente.
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Parágrafo único.  O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.
Art. 1.590. As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes.
Do Exercício do Poder Familiar
Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Era o que eu tinha a informar.
Adriano Rodrigo Ponce de OIiveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis e no Correio de Lins)



Acidente de trânsito com vítima e representação


            O Estado normalmente exerce os seus poderes investigativo e punitivo sem considerar a vontade da pessoa ofendida. Os crimes são investigados a partir de quando chegam ao conhecimento de alguma autoridade (normalmente a autoridade policial). A partir daí o Ministério Público avalia os elementos de convicção colhidos e se encontrar prova da materialidade e indícios de autoria, oferece denúncia para dar início à ação penal. Isso acontece, via de regra, mesmo que a vítima não se interesse pela responsabilização. De nada adianta, por ex., a vítima dizer que não deseja que o ladrão seja punido, pois é do interesse da sociedade que quem atente contra o patrimônio alheio seja responsabilizado para que se previnam outras investidas e se reprima o deslize. Mais recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu, inclusive, que nos casos violência doméstica e familiar contra a mulher não se deve exigir representação da vítima, ou seja, que a apuração não deva depender de qualquer condição. Isso porque a nossa legislação, interpretada no seu conjunto, tem sido alterada de forma a conter esse tipo de violência e depender da manifestação da vítima, que muitas vezes é coagida ou é dependente do agressor, seria um retrocesso.
            Em algumas situações excepcionais a apuração de um crime depende da representação da vítima. Isso acontece quando a infração não é tão grave (ex. lesão leve, lesão culposa) ou quando a investigação pode gerar constrangimento à vítima (ex. estupro de pessoa maior de 18 anos e capaz). Nesses casos o legislador entende que o interesse da sociedade em ver um crime apurado deve dar lugar à análise do interesse da própria pessoa ofendida, que pode preferir ser indenizada ou mesmo não ter a sua intimidade exposta.
            A lesão culposa (não intencional) decorrente de acidente de trânsito, qualquer que seja a sua gravidade, é delito cuja investigação e apuração dependem de representação da pessoa lesionada. Isso somente não acontece se o condutor culpado estiver: (i) sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; (ii) participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente; (iii) transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h. A regra, portanto, é a apuração condicionada à representação: a pessoa lesionada precisará manifestar interesse pela investigação do fato, a fim de que, se ficar demonstrada a responsabilidade do condutor, seja possível puni-lo.
            Mas a lei prevê que se o condutor firmar compromisso de reparação dos danos, ou seja, fizer acordo com a vítima, o acordo (que pode ser firmado tanto na chamada audiência preliminar quanto extrajudicialmente), depois de judicialmente homologado, acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.
            A vítima pode estar muito mais interessada em ser indenizada pelos prejuízos de maneira mais célere e sem a necessidade de recorrer ao Judiciário do que propriamente pela responsabilização penal do condutor. Quanto a este, a composição (acordo) evitará a apuração e consequências que poderiam advir de futura condenação (maus antecedentes, reincidência etc.). A solução é excelente para ambos, pois evitarão, inclusive, despesas que teriam para litigar posteriormente.
            Acontece que a vítima deve estar atenta para o prazo. A representação deve ser ofertada no prazo de seis meses a partir do conhecimento da autoria do delito. Recomenda-se que não ofereça a representação de imediato, ou seja, por ocasião do registro da ocorrência, a não ser que a vontade de ver o outro investigado já surja e prepondere em relação à intenção de ressarcimento. A partir daí a pessoa prejudicada poderá manter contato com o condutor supostamente culpado para tratar da indenização. Se ambos concordarem sobre a forma de reparação dos danos, o acordo deverá ser escrito, prever minuciosamente valores e prazos, e deverá ser assinado pelas partes e, de preferência, por testemunhas. Esse documento trará segurança para a pessoa prejudicada, que a partir de então terá mais facilidade para satisfazer a sua pretensão (não precisará mais discutir a responsabilidade e nem o valor, mas apenas buscar a satisfação do montante); bem como para o condutor culpado, que evitará antecedente criminal (uma vez que não correrá risco de ser criminalmente condenado). De certa forma, a vítima, dentro do prazo de seis meses, estará fortalecida para exigir a reparação dos danos (terá uma “carta na manga”), pois contará com a possibilidade de representar contra o condutor. Decorrido esse prazo decadencial, que não se interrompe por razão alguma, se não tiver havido representação, ou seja, se a vítima não tiver manifestado de forma inequívoca à autoridade policial a intenção de ver o fato apurado na esfera criminal, haverá extinção da punibilidade, ou seja, o Estado nada mais poderá fazer. Aí restará para a vítima a possibilidade de ajuizar ação indenizatória, quando então o condutor, evidentemente, poderá exercer a sua ampla defesa e terá condições de demonstrar, principalmente, que não teve culpa. A vítima, portanto, não pode vacilar.
            O texto não tem o condão de esgotar o assunto, mas, em linhas gerais, são esses os possíveis desdobramentos jurídicos de um acidente de trânsito que resulta lesão não intencional.
Adriano Rodrigo Ponce de OIiveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis e no Correio de Lins)