Suzane von Richthofen foi condenada por matar os pais em
2002, segundo consta, ao cumprimento de 39 anos de reclusão.
Repercutiu na imprensa e nas mídias sociais o fato de a
sentenciada ter sido beneficiada com a saída temporária usualmente concedida no
Dia das Mães. Muitos manifestaram indignação, o que é compreensível. Mas as
regras devem ser observadas, especialmente, por quem, podendo optar pela
delinquência, escolhe segui-las e deseja que cada vez mais sejam aplicadas,
como acontece com a maioria das pessoas.
A Lei de Execução Penal (Lei Federal 7.210/1984) trata da
saída temporária a partir do artigo 122. O benefício, que não se confunde com o
indulto, é reservado aos condenados que cumprem pena
em regime semiaberto. Destina-se à visita à família; à frequência a curso
supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau (redação
original) ou superior; ou à participação em atividades que concorram para o
retorno ao convívio social. A lista é exemplificativa. Finalidades semelhantes
podem ser atendidas. A autorização requer comportamento adequado; cumprimento
mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se
reincidente; e compatibilidade do benefício com os objetivos da pena. Há
previsão de concessão por prazo não superior a sete dias, até cinco vezes por
ano. O preso se submete a algumas restrições.
A lei não
especifica datas, mas a saída costuma ser autorizada em dias festivos. Não há
obrigatoriedade, mas fica mais fácil organizar análises e concessões em lote.
Talvez nessas datas os objetivos do legislador possam ser mais facilmente
atingidos: estimular bom comportamento carcerário; testar a capacidade de
ressocialização do sentenciado e o seu grau de maturidade; fomentar a vontade
de deixar o estabelecimento prisional e de reconstruir bons vínculos. Muitas
vezes dá certo. Depende da vontade do beneficiado. Mas a gente tem de tentar...
Fazemos isso o tempo todo na vida... Mesmo quando sabemos que não há tantas chances
de alguém acolher as nossas sugestões, insistimos em oferecê-las. É da natureza
do ser humano, felizmente, acreditar na transformação do outro.
A lei menciona
“família”, mas pode ser que o preso não tenha familiares no País, que todos
tenham falecido etc. O Direito atualmente classifica vários tipos de
agrupamentos como “famílias”. A ausência da “família de sangue” não impede a
saída...
A nossa
Constituição proíbe pena de caráter perpétuo e a todo preso deve ser assegurada
a oportunidade de reconstruir a vida depois de cumprir a sua pena. Para os
autores de crimes hediondos existe maior rigor, mas nem por isso estão privados
de diversos benefícios legais.
Não concordo com
toda e qualquer previsão legal, mas como aplicador da lei não posso me furtar
de autorizar benefício, conceder liberdade, decretar prescrição e tomar outras
providências que, aos olhos dos leigos, possam retratar impunidade. Se assim
não agisse, eu me tornaria tão ou mais criminoso do que o destinatário da
decisão negativa que contrariasse normas.
Nem de longe
pretendo fomentar ausência de sanção penal. Pretendo, apenas, promover
esclarecimento geral que minimize críticas infundadas ao Poder Judiciário,
encarregado de supervisionar e determinar a aplicação da lei em favor de todos,
inclusive, evidentemente, de criminosos.
Assim sendo,
Suzane, que, além da reclusão imposta, já convive diariamente com o sentimento
(bastante complicado) de ajudado a ceifar as vidas dos genitores; porque se
encontra no regime semiaberto e sempre teve excelente comportamento carcerário;
por já ter cumprido a fração de pena exigida, como qualquer outra presa, tem
direito à saída temporária, não cabendo ao juiz a quem for submetido o seu
pedido atuar como “justiceiro” e sobrepor a vontade restritiva de muitos, quiçá,
até mesmo a dele, àquilo que a sociedade, por meio dos seus representantes
(Poder Legislativo), estipulou. As críticas feitas à soltura, sob o ponto de
vista legal, portanto, não tem o mínimo embasamento. Simples assim...
Direito ao silêncio
O
Evangelho de Lucas relata que Jesus foi interpelado por Herodes, mas se manteve
silente, tendo, em seguida, sido enviado a Pilatos, que, assim como o primeiro,
reconheceu ausência de motivo para condená-lo, mas não quis se indispor com o
público que exigia o sacrifício (23:9). Naquela ocasião, segundo os textos
sagrados, pouco importava o que Cristo teria a dizer, já que seria mesmo
crucificado, mas, de certa forma, o seu silêncio não foi apontado como causa da
condenação. Os Evangelhos de Mateus (26:63; 27:12) e Marcos (14:61) também
referenciam o silêncio. O Evangelho de João contempla passagem em que Pilatos
adverte Jesus de que poderia perdoá-lo se se propusesse a se explicar (19:10).
Confira-se, também, Isaías, 53:7.
No
nosso sistema processual, o juiz não pode usar como fundamento aquela
tradicional conclusão popular de que quem não se explica “tem culpa no
cartório”, ou seja, de que se o réu nada diz, é porque não tem nada relevante a
falar para se defender. O julgador não pode concluir que “quem cala, consente”.
Não pode presumir nada. Muito menos pode zombar do acusado, tal como Herodes.
Quando
o Código de Processo Penal (CPP) foi editado, em 1941, ao tratar do
interrogatório do réu, previu que o juiz deveria adverti-lo de que não era
obrigado a responder às perguntas, mas que o seu silêncio poderia ser
interpretado em prejuízo da própria defesa (art. 186). O art. 198 ressaltou que
o silêncio não importaria confissão, mas poderia constituir elemento para a
formação do convencimento do juiz. As regras destoavam até daquilo que norteou
o “julgamento” de Jesus. Um retrocesso... Decorrência da realidade política
(governo Vargas)...
A
Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no art. 5º, inciso LXIII: “o preso
será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. É evidente que o
exercício de uma prerrogativa constitucional não pode, ao mesmo tempo, gerar
risco de interpretação do silêncio em desfavor do acusado.
Até por
isso, o art. 186 do CPP foi alterado para prever: “... o acusado será informado
pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer
calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. O silêncio, que
não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.
No rito do júri, alteração legislativa também proibiu, durante os debates,
referências, em prejuízo do réu, ao silêncio dele (art. 478).
A opção
pelo silêncio pode ter várias motivações. Às vezes o indivíduo se arrepende de
imediato e prefere não “inventar” nada, mas se calar e iniciar, rapidamente, a
reparação do mal causado. Não quer reviver a sua falta. Em outros casos, tem
receio de contar o que se passou para não envolver terceiros e não sofrer
represálias, muito embora inocente. O silêncio, portanto, nem sempre retrata
personalidade desviada ou falta de arrependimento.
O
Supremo, ao resolver o “Habeas Corpus” 94.601, deixou claro: “Em sede de
persecução penal, o interrogatório judicial - notadamente após o advento da Lei
nº 10.792/2003 - qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser
obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante,
também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do
exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa” (Min. Celso de Mello).
O mesmo
STF também já decidiu que o fato de o investigado não ter comparecido à
delegacia de polícia para se pronunciar, por si só, não justifica prisão
preventiva, pois ele tem garantia constitucional de não auto-incriminação
(“Habeas Corpus” 84.503 – Min. Cezar Peluso).
Já não
se discute que o direito deve ser respeito também por comissões parlamentares
de inquérito (STF, HC 100.200, Min. Joaquim Barbosa).
O
direito ao silêncio também deve ser informado ao investigado pela autoridade
policial, que deve se espelhar nas regras previstas para o interrogatório
judicial. O delegado não pode induzir o preso a não se pronunciar apenas para
concluir mais rapidamente o seu trabalho, ou seja, para a sua própria
comodidade. Deve deixar bem claro que a manifestação do preso pode ser muito
importante para nortear o rumo da investigação e que poderá ser bem recebida
pelo Judiciário. Ainda que o silêncio não possa ser considerado em prejuízo do
investigado, uma boa justificativa poderá favorecer diligências que possam
confirmar, por exemplo, que ele não estava no local do crime, que agiu em
legitima defesa, que se verificou alguma circunstância que possa abrandar a sua
situação etc. Além disso, o Judiciário sempre terá mais facilidade para decidir
se contar com a versão do investigado/acusado. Por fim, é sempre conveniente
lembrar que a confissão está prevista como circunstância atenuante no art. 65
do Código Penal e que sempre significa grande passo rumo à reconstrução.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de
Direito
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(publicado na edição
de 12/5/2016 do Diário de Penápolis)