Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

28 de mar. de 2015

Locações de imóveis urbanos


A Lei Federal 8.245/1991 dispõe sobre locações de imóveis urbanos.
O locador tem, dentre outros, o dever de fornecer ao locatário a descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes. É muito importante que as partes promovam vistorias conjuntas no início e ao término da locação. São comuns as discussões judiciais sobre a responsabilidade por defeitos em imóveis e muitas delas seriam evitáveis...
Se uma parte tiver de fazer um reparo que entenda que deva ser custeado pela outra (a lei prevê o que cabe a cada uma), também é recomendável que estabeleçam por escrito o que será feito, quanto será gasto e se haverá compensação ou reembolso. Muitas vezes o imóvel é desocupado e o locador se limita a tirar fotografias para, em seguida, pleitear ressarcimento de gastos. Acontece que tais provas, porque produzidas unilateralmente, nem sempre embasarão condenação judicial. Muitas vezes é conveniente aguardar e produzir a prova sob a égide do contraditório, pois essa espera poderá acabar valendo a pena. No caso de uma infiltração, por ex., meras fotografias nem sempre demonstrarão as reais causas e talvez seja necessária vistoria por perito.
Ainda falando de reparos que possam induzir pedidos de ressarcimentos, todas as despesas devem ser minuciosamente documentadas por etapas. Nem sempre orçamentos fornecidos por pedreiros expressam, com segurança e riqueza de detalhes, por conta da simplicidade da escrita e de quem os redige, aquilo que será executado. A reunião de documentos, portanto, requer bastante atenção.
Em hipótese alguma o locador deve permitir que o locatário consuma água e energia em seu nome! Deve constar do contrato a obrigação de transferência imediata das titularidades das contas de consumo. Por meio dessa providência o locador não ficará responsável por dívidas deixadas pelo locatário junto às concessionárias, já que débitos de consumo não estão atrelados ao imóvel (como acontece com o IPTU), mas ao consumidor efetivo.
No caso de o locatário ter deixado dívidas de água ou energia em nome do locador, este, evidentemente, poderá solicitar o ressarcimento, mas, para tanto, terá de provar que as quitou em nome do terceiro e apresentar recibos.
O seguro de fiança locatícia, contratado pelo locatário junto às instituições do ramo, ainda é a maneira mais segura de garantir o locador.
Se nenhuma forma de reajuste do aluguel tiver sido estipulada, o locador poderá acionar o Judiciário para a fixação do novo valor da parcela.
Se o locador se recusar injustamente a receber o aluguel, o locatário tem condições de consignar pagamentos em juízo.
O despejo forçado sem a observância das previsões legais é crime, segundo o art. 44.
Em alguns casos o juízo pode determinar a desocupação em 15 dias se o locador prestar caução equivalente a três meses de aluguel.
A sentença de despejo poderá determinar a desocupação, via de regra, em 15 ou 30 dias, a depender das circunstâncias. Se houver recurso, o cumprimento imediato da sentença dependerá da prestação de caução (oferecimento de garantia).
Infelizmente muitos ainda insistem em locações verbais. É sempre conveniente que todo e qualquer ajuste seja documentado. Isso porque se qualquer das partes vier a falecer ou se tornar incapaz, seus cônjuges e herdeiros saberão exatamente o que foi contratado... Afinal, dispõe a lei que, “morrendo o locador, a locação transmite-se aos herdeiros”. Estabelece, também, que, “morrendo o locatário, ficarão sub-rogados nos seus direitos e obrigações: I - nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência econômica do “de cujus”, desde que residentes no imóvel”.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis de 19/3/2015 e abordado na Rádio Regional Esperança aos 9/3/2015)



Alienação fiduciária e busca e apreensão


Os artigos 1.361 e seguintes do Código Civil tratam da propriedade fiduciária, que se verifica quando o devedor transfere algo ao credor como garantia da dívida. Fidúcia, segundo o Dicionário Aurélio, significa confiança, segurança.
O exemplo mais corriqueiro é o do financiamento de veículo. Por força de contrato, o banco passa a contar com a propriedade fiduciária e o cliente se torna possuidor direto do bem.
A lei exige que o pacto preveja o valor da dívida, prazo de pagamento e taxa de juros.
O devedor pode usar o bem enquanto paga as prestações. Se se tornar inadimplente, tem o dever de entregá-lo ao credor. Neste caso, o credor não pode ficar com o bem para si. Deve vendê-lo e se pagar com o dinheiro arrecadado. Se sobrar saldo, deverá devolvê-lo ao devedor. Mas se a arrecadação for insuficiente para quitar a dívida, poderá prosseguir com a cobrança da diferença. Por isso, se as partes convencionarem que a devolução do veículo importará em quitação da dívida, o acordo deverá ser feito por escrito...
Em resumo:
a) o credor fiduciário tem a propriedade fiduciária (domínio resolúvel), mas tanto ela não se confunde com a propriedade plena que o devedor continua a fazer uso do bem;
b) o devedor fiduciante detém a posse direta e se torna depositário, mas não ostenta outras prerrogativas do proprietário pleno, devendo zelar pelo bem;
c) o devedor conta com direito real de aquisição do bem assim que quitar o contrato;
d) o credor consolida a propriedade plena se o bem não for quitado.
Sem prejuízo dessas regras gerais, a alienação fiduciária de veículo se rege, principalmente, pelo Decreto-Lei 911/1969.
Para valer contra terceiros, o contrato sobre alienação fiduciária deverá figurar no cadastro do Detran e, consequentemente, no documento do automóvel.
A ação para o credor recuperar o bem do devedor inadimplente tem tramitação rápida. O Decreto-lei exige prévia notificação do devedor por carta registrada com aviso de recebimento a ser endereçada para o endereço mencionado no contrato. Alteração imposta pela Lei 13.043/2014 deixou claro que não é necessário que a carta seja recebida pessoalmente pelo devedor.
Se uma parcela se vencer, normalmente os contratos preveem que as futuras se vencerão automaticamente.
Promovida a notificação, o credor poderá requerer e decretação liminar da busca e apreensão do bem, valendo-se, inclusive, do plantão judiciário (Lei 13.043). Ao deferir a liminar, o juiz deverá bloquear o automóvel no sistema Renavam.
Efetivada a apreensão e decorridos cinco dias sem o pagamento da integralidade da dívida, o credor consolidará a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem.
O bem poderá ser apreendido em qualquer município, bastando que o advogado do credor requeira a providência ao juiz local e instrua o seu pedido com cópia da petição inicial e da decisão liminar proferida em outro juízo. Ao que parece, a inovação introduzida pela Lei 13.043 teve por objetivo dispensar a chamada “carta precatória itinerante”.
Se o bem não for encontrado, o credor poderá requerer conversão da busca em ação executiva para cobrar seu crédito.
O financiamento com alienação fiduciária costuma oferecer taxas menores de juros justamente porque o contrato é garantido por um bem.
A experiência mostra que algumas pessoas agem de má-fé. Em alguns casos, algumas poucas parcelas são pagas (às vezes, nenhuma!) e o devedor dá bastante trabalho para entregar o bem, especialmente depois que o Supremo decidiu que já não cabe prisão civil do depositário infiel, ou seja, daquele que recebe alguma coisa para guardar e conservar e não a restitui. Penso até que algumas pessoas menos ajuizadas, deliberadamente, contraem financiamentos apenas para poderem usar determinado veículo pelo maior tempo possível, ou seja, até que venha a ser apreendido, na ilusão de que com a apreensão a situação será normalizada. Trata-se de grande equívoco, na medida em que, como já dito, diferenças poderão continuar a ser cobradas. Quase sempre haverá diferenças, pois o valor do bem financiado ultrapassa significativamente o valor de mercado do veículo usado (especialmente se não estiver conservado). Além disso, os veículos apreendidos normalmente são vendidos em leilões e por preços inferiores aos praticados pelo mercado. Em razão disso, o devedor, que tem direito à prestação de contas dessa venda, poderá ter de continuar a responder pela dívida remanescente e possivelmente persistirão registros negativos em cadastros de inadimplentes, como o da Serasa.
A falta de escrúpulos pode se manifestar na forma de “disposição de coisa alheia como própria”, espécie de estelionato, quando o devedor alienar ou der em garantia para terceiros, de forma oculta, com o fito de causar prejuízo, o bem que já tinha alienado fiduciariamente (art. 171, § 2º, inc. I, do Código Penal, que prevê reclusão de 1 a 5 anos e multa). Nesse caso, acumulará também a responsabilização criminal.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
 (publicado no Diário de Penápolis de 12/3/2015 e no Correio de Lins de 17/3/2015; e abordado na Rádio Regional Esperança aos 2/3/2015)




Audiência de custódia


Em 1992 o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), que prevê que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais”.
O Projeto de Lei nº 554/2001 do Senado Federal tem por objetivo alterar o artigo 306 do Código de Processo Penal para incorporar essa audiência.
No âmbito do Estado de São Paulo ela foi recentemente implantada pelo Provimento Conjunto 03/2015, editado pela Presidência do Tribunal de Justiça e pela Corregedoria Geral de Justiça aos 22/1/2015.
Isso significa que toda pessoa presa em flagrante deverá ser apresentada ao juiz em até 24 horas.
A iniciativa tem apoio do Conselho Nacional de Justiça. Isso porque existe um número considerável de pessoas presas provisoriamente, ou seja, sem condenação definitiva.
A audiência de custódia poderá ser dispensada a depender das circunstâncias, como por ex., se o preso estiver internado.
A entrevista com o preso servirá para que o juiz saiba mais sobre sua qualificação, estado civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência e lugar onde exerce sua atividade. Circunstâncias objetivas da prisão também serão exploradas.
Não se trata de antecipação do interrogatório previsto em lei para a fase final do processo. Não se discutirá o delito imputado.
O juiz terá condições de decidir pelo relaxamento da prisão em flagrante (no caso de detectar ilegalidade); pela sua conversão em prisão preventiva (para garantia da ordem pública, por ex.) ou pela concessão de liberdade provisória (quando a manutenção da prisão não for imprescindível).
Se houver suspeita de abuso policial ou necessidade de encaminhamento assistencial (novidade!), o juiz deverá requisitar exame clínico e de corpo de delito do autuado.
A audiência de custódia por ora não se realizará durante o plantão judiciário.
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade 5.240 para criticar a inovação. Argumenta que a audiência somente poderia ter sido criada por lei federal e jamais por provimento, o que, no seu dizer, configurou abuso de poder. Compreende-se a preocupação. Afinal, a polícia terá dificuldades para efetivar as apresentações, especialmente quando não puderem ser feitas de imediato, caso em que o preso terá de ser recolhido e apresentado assim que possível, mas dentro do prazo. Aliás, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já relaxou prisão e determinou soltura pela falta de observância do prazo de 24 horas...
A Associação Paulista do Ministério Público também já peticionou contra o provimento, por entender que o Tribunal criou obrigação para os seus associados sem a devida base legal.
De qualquer forma, o Código de Processo Penal já autoriza, há décadas, que o juiz realize mais de um interrogatório, sempre que isso for necessário. E a polícia judiciária sempre foi auxiliar do juiz na promoção da justiça penal.
Não se discute que ainda existem muitos abusos e que a apresentação do preso facilitará a constatação e apuração deles, bem como a punição dos faltosos. Afinal, até então o juiz, via de regra, só tinha contato com o preso algumas semanas depois da prisão, quando vestígios de agressões, por ex., já não existiam.
Além do mais, o juiz terá muito mais condições de avaliar se a pessoa deverá ou não permanecer presa. “Quem vê cara não vê coração”, mas o contato pessoal, na maioria das vezes, facilita bastante essa avaliação. Em consequência, várias pessoas deixarão de permanecer presas por considerável tempo. E quiçá o juiz não solte quem soltaria sem esse contato...
É importante ressaltar que, ainda que tenha havido prisão em flagrante, a custódia antes da condenação definitiva deve ser excepcional. Muitas vezes até mesmo quando sobrevém condenação não se opta por prisão porque o sentenciado acaba tendo direito às chamadas penas alternativas.
Isso posto, antes de qualquer pronunciamento apaixonado do tipo “bandido não tem que ter direito”, “bandido bom é bandido morto”, é preciso que formemos a nossa convicção sobre a novidade com isenção, técnica e sem nos esquecermos de que o sistema punitivo é organizado e regulamentado... que o tempo do “olho por olho, dente por dente” já passou... e, principalmente, que preguiça não combina com justiça...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis de 5/3/2015 e no Correio de Lins de 10/3/2015; e abordado na Rádio Regional Esperança aos 23/2/2015)