Dispõe
a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XLIII:
“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos...”.
A relação dos crimes hediondos está na Lei Federal
8.072/1990. A tortura, o tráfico e o terrorismo são equiparados (para
memorizar, lembre-se de “TTT”). Na prática, as consequências jurídicas são as
mesmas.
O regime inicial para cumprimento de pena do crime hediondo
ou equiparado é o fechado. A progressão de regime (fechado – semiaberto –
aberto) só possível depois do cumprimento de pelo menos dois quintos da pena. O
livramento condicional requer dois terços cumpridos e ausência de reincidência
específica. A prisão temporária pode ser decretada por 30 dias e prorrogada por
igual período. O rigor é maior...
O tráfico normalmente é punido com reclusão que pode variar
de 5 a 15 anos. A Lei Federal 11.343/2006, entretanto, prevê uma forma mais branda do delito,
ao autorizar redução de pena de um sexto a dois terços para o traficante que
não seja reincidente; que possua bons antecedentes (que não ostente condenação
anterior); não se dedique exclusivamente às atividades criminosas nem integre
organização criminosa (artigo 33, § 4º). Esse “tráfico privilegiado” pode ser
punido com pena de 1 ano e 8 meses... O legislador quis beneficiar aquele
“traficante de primeira viagem”, especialmente o que maneira isolada, aceita a
incumbência de transportar drogas em troca de algum dinheiro (“mula”), mas que,
verdadeiramente, não é membro do grupo criminoso.
O
Supremo Tribunal Federal, ao analisar o “Habeas Corpus” 118.533, decidiu que o
“tráfico privilegiado” não tem natureza hedionda. Mas o que isso significou? Em
linhas gerais, o STF entendeu que se a própria Lei 11.343 já prevê redução
significativa da pena de reclusão, é porque o legislador, quando a editou,
entendeu que o delinquente deveria receber tratamento penal diferenciado.
Estatísticas demonstram que boa parte dos condenados por tráfico se enquadra na
forma “privilegiada” (com pena menor) e não representa o mesmo risco para
sociedade do que os integrantes de organizações criminosas.
A
Constituição determina a individualização da
pena e a maioria dos Ministros entendeu que eliminar a natureza hedionda do
“tráfico privilegiado” e, nesse caso, viabilizar aos condenados alguns
benefícios vedados ao tráfico tradicional, longe de traduzir vantagem indevida
para transgressor da lei, nada mais foi do que separar o joio do trigo, ou
seja, tratar diferentemente condenados que, apesar de categorizados como
traficantes, ostentam perfis bastante diversos. O público leigo nem sempre
recebe com bons olhos esse tipo de solução e a classifica como “afrouxamento”
do sistema penal, mas, do ponto de vista da ciência do Direito, o raciocínio
parece ter sido bem construído e a interpretação parece ter favorecido a
repressão na medida certa. Era incoerente aplicar uma pena bem menor e, ainda
assim, considerar a infração como de natureza hedionda.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz
de Direito
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(publicado
na edição de 7/7/2016 do Diário de Penápolis)