Não é novidade que o Poder
Judiciário enfrenta um atoleiro de processos. Uma das causas é a flexibilidade
com que se pode demandar.
Preocupa-me, especialmente, o
crescente aumento de ações revisionais de contratos bancários que, no meu
entender, estão surgindo como decorrência de uma espécie de “linha de
produção”, sem a observância de regras processuais mínimas.
Tais demandas estão transformando o
Judiciário em um grande escritório de contabilidade de devedores que, maioria
das vezes, não têm certeza das irregularidades contratuais que invocam. É
claro, não podemos generalizar...
Escudados em princípios do Direito
do Consumidor que demasiadamente os protegem, esses devedores, muitas vezes
suficientemente instruídos para livremente contratar, costumam se servir de
petições padronizadas. Querem rediscutir relação bancária de anos de duração...
Alegam sempre as mesmas coisas e sempre de forma genérica, bastante ampla. Na
maior parte dos casos, não dispõem de contratos e extratos que fundamentam o
que alegam.
O ideal seria que ou houvesse
solicitação administrativa desses documentos, ou, diante de negativa, prévio
manejo de ação de exibição de documentos. De posse dos documentos, o
correntista deveria discorrer especificadamente sobre as suas reclamações,
fazendo referência expressa às datas e cobranças que entendesse indevidas. Visando
demonstrar indevida capitalização mensal de juros, o interessado deveria
declarar, claramente, em que datas ela teria acontecido, demonstrando,
matematicamente, o ocorrido. Os pareceres contábeis deveriam, dentro do
possível, trazer, lado a lado, a evolução do débito adotada pelo banco e aquela
que seria cabível, favorecendo a comparação por parte do julgador. Quem entende
que os juros praticados foram extorsivos deveria apontar os índices tidos como
aceitáveis.
Mas infelizmente não é isso que tem
acontecido...
Na prática as petições têm contemplado
sempre as mesmas teses padronizadas e não se referido a documento algum, ainda
que alguma coisa já venha encartada. Traduzem, em muitos casos, apenas
cogitações de irregularidades. Repetem excessivamente os mesmos argumentos e
transcrevem exageradamente precedentes judiciais nem sempre tão atuais. O abuso
do “copiar e colar” às vezes se torna evidente quando trechos das petições nada
têm a ver com as discussões postas. Normalmente falta objetividade.
Os correntistas comodamente
solicitam muitos documentos que, no meu modo de ver, teriam a obrigação de
apresentar. Presumo quem não guarda extratos bancários não tem o mínimo de
organização, o que pode de certa forma justificar o descontrole das finanças.
Esse descontrole, por sua vez, nem sempre tem a ver com despesas contraídas por
necessidade, mas em alguns casos para a manutenção de regalias, para mera
ostentação. Comodamente, os endividados insistem na prova pericial cuja
produção os Juízos acabam deferindo quando muitas vezes poderiam tratar
diretamente do mérito.
Essa forma de conduzir ações
revisionais tem contaminado servidores do Judiciário e profissionais do
Direito. Com o devido respeito, até as instâncias superiores, em alguns casos,
em vez de enfrentarem as discussões e de evitarem a banalização do manejo do
pleito revisional, acabam devolvendo os autos para perícias que não raramente
são inconclusivas ou exprimem apenas opiniões pessoais de Peritos leigos em
Direito. E, como dito, nem sempre essas perícias são imprescindíveis.
Por meio de petições padronizadas, alguns
Advogados são capazes de distribuir várias ações revisionais bancárias por dia,
já que muitas vezes não se debruçam especificamente sobre o caso. Para alguns
importa somente suspender o registro negativo do cliente na Serasa.
Os devedores, em vista da sua
situação financeira, geralmente são agraciados com gratuidade processual (não
custeiam taxa judiciária) e demandam praticamente sem riscos, onerando
consideravelmente o serviço judiciário.
O resultado é uma enxurrada de ações
volumosas, trabalhosas e de desfechos demorados, em grande parte,
improcedentes.
É preciso reverter esse quadro,
exigindo do jurisdicionado a rigorosa observância da técnica processual civil,
com explícita demonstração das ditas irregularidades, já que compreendidas na
causa de pedir prevista no art. 282 do Código de Processo Civil.
Também é preciso evitar perícias
desnecessárias, pois são custosas e retardam os desfechos. Se o Juízo é adepto
da possibilidade de capitalização mensal de juros, por ex., não precisa da
prova pericial para decidir. E se decisão nesse sentido tiver de ser revertida em
grau de recurso, o acórdão poderá retratar condenação ilíquida e só a partir de
quando se tornar irrecorrível, via de regra, é que a produção da prova se
justificaria.
Não estou defendendo que as
instituições financeiras não abusam. Sustento apenas a necessidade de maior
rigor na admissão e no processamento das ações revisionais. Em alguns casos me
parece que nem mesmo o interesse de agir é clarividente, diante das conjecturas
invocadas. É preciso exigir do correntista que arque com o ônus de demonstrar a
presença de pelo menos indícios do que alega.
Com esse “ajuizamento responsável e
controlado” nem de longe se vedaria o acesso à Justiça. Ao contrário, o
Judiciário teria mais condições de cumprir o seu papel.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de
Penápolis(SP)
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