A vida em sociedade tem sido permeada pela intolerância. De forma
explícita ou não, ela tem se manifestado com preocupante freqüência e por meio
das mais variadas reações.
Situações corriqueiras têm gerado conseqüências inesperadas por conta da
exteriorização de preconceitos e da falta de empatia, entendida esta, em linhas
gerais, como a capacidade de se colocar no lugar do outro, de entender o
momento do outro.
É preciso que estejamos atentos, pois todos nós temos nossas
intolerâncias. Aquele que se intitula imune à intolerância, por ex., pode, em
verdade, ter dificuldade para aceitar críticas e ou reconhecer desvios de
comportamento, o que, grosso modo, também é uma modalidade de intransigência.
Tem gente, por ex., que não tolera o debate sobre a intolerância ou debate
algum.
Os meios de comunicação costumam dar ênfase as modalidades mais comuns
de discriminação (exteriorização do preconceito), ou seja, àquelas que têm como
pano de fundo a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e que estão
previstas expressamente na Lei Federal 7.716/1989, que trata de crimes de
preconceito.
Todavia, a intolerância “silenciosa”, disfarçada, também é muito danosa,
pois enfraquece relações sociais, desestabiliza famílias e empresas, muitas
vezes é geradora de crimes violentos e adoece autores, vítimas e às vezes quem
os cercam. Compartilhar um vídeo “engraçado” por “brincadeira” pode não ser uma
atitude tão inofensiva. Afastar-se de uma pessoa por conta do sotaque, da
compleição física, da faixa etária, da preferência sexual, dos trajes, de um
adorno qualquer, muito menos.
Há quem se transforme no trânsito, esquecendo-se de que o outro motorista pode
não ser tão habilidoso e não ter os mesmos reflexos, pode não ter a mesma
pressa (por estar de férias, por ex.) ou pode ter enfrentado situação
traumática que ampliou as suas cautelas. Que tal conter aquela vontade de
acionar a buzina? Recomendo, no You Tube, o vídeo do Pateta no trânsito... Afinal,
o intolerante às vezes se torna patético.
Várias outras situações corriqueiras
despertam desnecessariamente a ira quando poderiam, no máximo, gerar um
aborrecimento contornável com o mero afastamento do local onde se verifica o
impasse; com a mudança do percurso para não encontrar a pessoa indesejável ou
fugir do motorista mais lento; com a procura por outro funcionário da empresa
ou repartição para despistar o atendente desinformado ou rude; com a mera
ignorância àquela buzinada de quem, na verdade, pode estar desestruturado psicologicamente
pelas mais variadas razões etc.
De maneira geral, as pessoas formam convicções muito rapidamente acerca das
outras e de condutas que presenciam. Eu costumo dizer que a gente enxerga
apenas a ponta do iceberg e que os problemas que o outro vivencia e tenta
contornar quase sempre não são do nosso conhecimento, sendo conveniente, sempre
que possível, que nos abstenhamos de emitir juízos de valor.
Uma das formas mais graves de
intolerância é a manifestada por quem não consegue ouvir e observar sem
criticar e sem tentar impor a sua opinião de “dono da verdade”. Para uns,
cabelos azuis são ridículos e para os empregados da fabricante da tintura isso
é sinônimo de emprego e renda. Para quem tinge os cabelos, não tingir, mesmo
quando se deseja, apenas para não fugir dos “padrões sociais”, é um ato de
covardia e de violência contra si mesmo. Tudo é questão de ponto de vista.
As pessoas sempre serão diferentes e
as posturas e impressões sempre terão estreita relação com a forma de criação,
os costumes familiares, o meio em que o indivíduo foi criado e os valores que
lhe foram transmitidos. Quem não é idoso e não sabe das limitações físicas que
a idade impõe; quem nunca engravidou ou nunca conviveu com uma grávida para
saber o que ela enfrenta; e quem nunca foi pai ou nunca saiu de casa com
crianças para tentar resolver seus problemas, por ex., nem sempre consegue
entender o porquê dos “privilégios” nas filas dos bancos... Por isso tentar impor
opiniões pode se tornar uma missão impossível.
Não estou dizendo que não devemos tentar alertar as pessoas queridas de que
tomaram decisões aparentemente equivocadas e pouco proveitosas. Penso que expor
idéias é algo que deve acontecer quando do outro lado existe alguém disposto a
ouvir. Até para discordar é preciso ter categoria. Mas, é claro, cada um tem o
seu livre arbítrio e responde pelas suas escolhas. Não devemos nos tornar
intolerantes aos intolerantes, sob pena de formação de um destrutivo círculo
vicioso. Devemos compreendê-los, ajudá-los e, se for o caso, denunciá-los ou simplesmente
permitir que a vida propicie respostas e sanções. Caso contrário, nos
equipararemos a eles.
Adotar
uma postura mais serena e uma solução mais inteligente, abstendo-se de
confrontar quando isso não se faz necessário, ou confrontando na exata medida,
sem exageros, é um exercício diário. Mas devemos estar cientes de que a
prevenção de conflitos depende, na maioria das vezes, unicamente da nossa
postura. Afinal, conforme popularmente se diz, “quando um não quer, dois não
brigam”.
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de
Direito / Prof. no Unisalesiano
(redigido para a edição de junho/2014 da Revista Comunica)