Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

26 de mai. de 2014

Quando um não quer, dois não brigam...



A vida em sociedade tem sido permeada pela intolerância. De forma explícita ou não, ela tem se manifestado com preocupante freqüência e por meio das mais variadas reações.
Situações corriqueiras têm gerado conseqüências inesperadas por conta da exteriorização de preconceitos e da falta de empatia, entendida esta, em linhas gerais, como a capacidade de se colocar no lugar do outro, de entender o momento do outro.
É preciso que estejamos atentos, pois todos nós temos nossas intolerâncias. Aquele que se intitula imune à intolerância, por ex., pode, em verdade, ter dificuldade para aceitar críticas e ou reconhecer desvios de comportamento, o que, grosso modo, também é uma modalidade de intransigência. Tem gente, por ex., que não tolera o debate sobre a intolerância ou debate algum.
Os meios de comunicação costumam dar ênfase as modalidades mais comuns de discriminação (exteriorização do preconceito), ou seja, àquelas que têm como pano de fundo a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e que estão previstas expressamente na Lei Federal 7.716/1989, que trata de crimes de preconceito.
Todavia, a intolerância “silenciosa”, disfarçada, também é muito danosa, pois enfraquece relações sociais, desestabiliza famílias e empresas, muitas vezes é geradora de crimes violentos e adoece autores, vítimas e às vezes quem os cercam. Compartilhar um vídeo “engraçado” por “brincadeira” pode não ser uma atitude tão inofensiva. Afastar-se de uma pessoa por conta do sotaque, da compleição física, da faixa etária, da preferência sexual, dos trajes, de um adorno qualquer, muito menos.
            Há quem se transforme no trânsito, esquecendo-se de que o outro motorista pode não ser tão habilidoso e não ter os mesmos reflexos, pode não ter a mesma pressa (por estar de férias, por ex.) ou pode ter enfrentado situação traumática que ampliou as suas cautelas. Que tal conter aquela vontade de acionar a buzina? Recomendo, no You Tube, o vídeo do Pateta no trânsito... Afinal, o intolerante às vezes se torna patético.
            Várias outras situações corriqueiras despertam desnecessariamente a ira quando poderiam, no máximo, gerar um aborrecimento contornável com o mero afastamento do local onde se verifica o impasse; com a mudança do percurso para não encontrar a pessoa indesejável ou fugir do motorista mais lento; com a procura por outro funcionário da empresa ou repartição para despistar o atendente desinformado ou rude; com a mera ignorância àquela buzinada de quem, na verdade, pode estar desestruturado psicologicamente pelas mais variadas razões etc.
            De maneira geral, as pessoas formam convicções muito rapidamente acerca das outras e de condutas que presenciam. Eu costumo dizer que a gente enxerga apenas a ponta do iceberg e que os problemas que o outro vivencia e tenta contornar quase sempre não são do nosso conhecimento, sendo conveniente, sempre que possível, que nos abstenhamos de emitir juízos de valor.
            Uma das formas mais graves de intolerância é a manifestada por quem não consegue ouvir e observar sem criticar e sem tentar impor a sua opinião de “dono da verdade”. Para uns, cabelos azuis são ridículos e para os empregados da fabricante da tintura isso é sinônimo de emprego e renda. Para quem tinge os cabelos, não tingir, mesmo quando se deseja, apenas para não fugir dos “padrões sociais”, é um ato de covardia e de violência contra si mesmo. Tudo é questão de ponto de vista.
            As pessoas sempre serão diferentes e as posturas e impressões sempre terão estreita relação com a forma de criação, os costumes familiares, o meio em que o indivíduo foi criado e os valores que lhe foram transmitidos. Quem não é idoso e não sabe das limitações físicas que a idade impõe; quem nunca engravidou ou nunca conviveu com uma grávida para saber o que ela enfrenta; e quem nunca foi pai ou nunca saiu de casa com crianças para tentar resolver seus problemas, por ex., nem sempre consegue entender o porquê dos “privilégios” nas filas dos bancos... Por isso tentar impor opiniões pode se tornar uma missão impossível.
            Não estou dizendo que não devemos tentar alertar as pessoas queridas de que tomaram decisões aparentemente equivocadas e pouco proveitosas. Penso que expor idéias é algo que deve acontecer quando do outro lado existe alguém disposto a ouvir. Até para discordar é preciso ter categoria. Mas, é claro, cada um tem o seu livre arbítrio e responde pelas suas escolhas. Não devemos nos tornar intolerantes aos intolerantes, sob pena de formação de um destrutivo círculo vicioso. Devemos compreendê-los, ajudá-los e, se for o caso, denunciá-los ou simplesmente permitir que a vida propicie respostas e sanções. Caso contrário, nos equipararemos a eles.
Adotar uma postura mais serena e uma solução mais inteligente, abstendo-se de confrontar quando isso não se faz necessário, ou confrontando na exata medida, sem exageros, é um exercício diário. Mas devemos estar cientes de que a prevenção de conflitos depende, na maioria das vezes, unicamente da nossa postura. Afinal, conforme popularmente se diz, “quando um não quer, dois não brigam”.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Prof. no Unisalesiano
(redigido para a edição de junho/2014 da Revista Comunica)