Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

17 de out. de 2014

Pena de morte para o homicida: breve cotejo dos sistemas brasileiro e iraniano


            Consta que uma mulher que teria matado o seu estuprador deverá ser enforcada para pagar pelo seu crime no Irã, onde ainda vigora a conhecida “lei de talião”, que consiste no “olho por olho, dente por dente”, ou seja, punição de delitos de sangue com a morte. Segundo foi noticiado, a família da vítima não perdoou a mulher, o que teria sido suficiente para evitar a decisão pela pena capital. Entidades protetoras dos direitos humanos estão tentando intervir porque entendem que a jovem não teve todas as oportunidades para se defender. Ela admitiu que esfaqueou o agressor no pescoço, mas justificou que isso aconteceu quando sofria uma investida sexual. Consta que um copo com sedativos adquirido pelo homem teria sido encontrado no apartamento onde tudo aconteceu. A jovem teria sido contratada para decorar o local e teria sido surpreendida.
            Segundo um familiar do falecido, a mulher utilizou uma faca que tinha sido adquirida dois dias antes e que trazia na bolsa. “Que outra intenção poderia ter?", questionou o filho do homem morto, conforme notícia publicada no Estado de São Paulo.
            É claro que faltam muitos detalhes, mas a partir do que foi noticiado decidi fazer breve análise do tratamento que a lei brasileira dá ao contexto.
            A mulher que corre iminente risco de ser estuprada está amparada a matar o agressor para evitar o coito indesejado. Nesse caso, em tese, justifica-se que se sacrifique a vida do estuprador para a proteção da dignidade sexual da vítima. O crime de estupro gera consequências muitas vezes irreversíveis. Às vezes a vítima “morre por dentro”. É caso típico de legítima defesa se não houver outro meio de reação que possa ser minimamente eficaz para a contenção da agressão injusta.
            Se a investida sexual já aconteceu ou se a mulher presume que possa vir a acontecer, mas não existe risco imediato, ela não ficará impune se matar o agressor. Responderá por homicídio. Isso porque “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, ou seja, não se justifica o revide contra o criminoso que já agiu ou que a vítima se antecipe por conta de risco ainda remoto. Nestas duas situações incumbe ao Estado agir.
            O delito poderá ser classificado como hediondo se for qualificado, ou seja, praticado: (a) com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; (b) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Mas pode ser que a mulher consiga demonstrar que agiu por motivo de relevante valor moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Neste caso estaremos diante do chamado “homicídio privilegiado” que autorizará redução de pena de um sexto a um terço. Conforme se tem decidido, o “homicídio privilegiado”, mesmo que cometido de qualquer das maneiras elencadas nos itens “a” e “b”, não será considerado hediondo. Tratar-se-á do chamado “homicídio qualificado-privilegiado”. A consequência é que não haverá tanto rigor no cumprimento da pena. E pode ser que o homicídio seja classificado apenas como “privilegiado” se a executora tiver agido por motivo de relevante valor moral (para defender a sua honra), ou sob o domínio de violenta emoção (não basta a mera influência da emoção, mas que ela realmente venha a causar transtorno), logo em seguida à injusta provocação da vítima; e a maneira de execução não envolver qualquer das formas já descritas. Nesse caso a sanção poderá ser bastante branda.
            De qualquer forma, no Irã, segundo consta, um membro da família da vítima de homicídio costuma ser convidado para empurrar a cadeira sob os pés da pessoa condenada quando ela estiver com a corda no pescoço. No Brasil o sistema oficial não “delega” para a família qualquer ato de vingança; só existe pena de morte para casos de guerra declarada e ela é efetivada por fuzilamento. O Código Penal Militar prevê a morte em tempo de guerra para atitudes de favorecimento ao inimigo: traição; favor ao inimigo; tentativa contra a soberania do Brasil; coação a comandante; informação ou auxílio ao inimigo; aliciação de militar; ato prejudicial à eficiência da tropa; cobardia qualificada; fuga em presença do inimigo; espionagem; “cabeças” [a lei utiliza tal termo] de motim, revolta ou conspiração; incitamento em presença do inimigo; rendição ou capitulação; descumprimento de ordem que gere perigo a força, posição ou outros elementos de ação militar; separação reprovável; abandono de comboio com resultado grave; dano especial em benefício do inimigo ou possa comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares; dano em bens de interesse militar; envenenamento, corrupção ou epidemia que comprometa a segurança, dentre outros... E no Brasil a vítima não pode evitar que o agressor não seja responsabilizado, a não ser nos casos de lesão leve e lesão culposa que não configurem violência doméstica, se a pessoa ofendida não oferecer representação...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
(publicado no Diário de Penápolis de 16/10/2014)