Consta que uma mulher que teria matado o seu estuprador
deverá ser enforcada para pagar pelo seu crime no Irã, onde ainda vigora a
conhecida “lei de talião”, que consiste no “olho por olho, dente por dente”, ou
seja, punição de delitos de sangue com a morte. Segundo foi noticiado, a
família da vítima não perdoou a mulher, o que teria sido suficiente para evitar
a decisão pela pena capital. Entidades protetoras dos direitos humanos estão
tentando intervir porque entendem que a jovem não teve todas as oportunidades
para se defender. Ela admitiu que esfaqueou o agressor no pescoço, mas
justificou que isso aconteceu quando sofria uma investida sexual. Consta que um
copo com sedativos adquirido pelo homem teria sido encontrado no apartamento
onde tudo aconteceu. A jovem teria sido contratada para decorar o local e teria
sido surpreendida.
Segundo um familiar do falecido, a mulher utilizou uma
faca que tinha sido adquirida dois dias antes e que trazia na bolsa. “Que outra
intenção poderia ter?", questionou o filho do homem morto, conforme
notícia publicada no Estado de São Paulo.
É claro que faltam muitos detalhes, mas a partir do que
foi noticiado decidi fazer breve análise do tratamento que a lei brasileira dá
ao contexto.
A mulher que corre iminente risco de ser estuprada está
amparada a matar o agressor para evitar o coito indesejado. Nesse caso, em
tese, justifica-se que se sacrifique a vida do estuprador para a proteção da
dignidade sexual da vítima. O crime de estupro gera consequências muitas vezes
irreversíveis. Às vezes a vítima “morre por dentro”. É caso típico de legítima
defesa se não houver outro meio de reação que possa ser minimamente eficaz para
a contenção da agressão injusta.
Se a investida sexual já aconteceu ou se a mulher presume
que possa vir a acontecer, mas não existe risco imediato, ela não ficará impune
se matar o agressor. Responderá por homicídio. Isso porque “entende-se em
legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, ou seja, não
se justifica o revide contra o criminoso que já agiu ou que a vítima se
antecipe por conta de risco ainda remoto. Nestas duas situações incumbe ao
Estado agir.
O delito poderá ser classificado como hediondo se for
qualificado, ou seja, praticado: (a) com emprego de veneno, fogo, explosivo,
asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar
perigo comum; (b) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Mas pode ser
que a mulher consiga demonstrar que agiu por
motivo de relevante valor moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida à injusta provocação da vítima. Neste caso estaremos diante do chamado
“homicídio privilegiado” que autorizará redução de pena de um sexto a um terço.
Conforme se tem decidido, o “homicídio privilegiado”, mesmo que cometido de
qualquer das maneiras elencadas nos itens “a” e “b”, não será considerado
hediondo. Tratar-se-á do chamado “homicídio qualificado-privilegiado”. A
consequência é que não haverá tanto rigor no cumprimento da pena. E pode ser
que o homicídio seja classificado apenas como “privilegiado” se a executora
tiver agido por motivo de relevante valor moral (para defender a sua honra), ou
sob o domínio de violenta emoção (não basta a mera influência da emoção, mas
que ela realmente venha a causar transtorno), logo em seguida à injusta provocação
da vítima; e a maneira de execução não envolver qualquer das formas já
descritas. Nesse caso a sanção poderá ser bastante branda.
De qualquer forma, no Irã, segundo consta, um membro da
família da vítima de homicídio costuma ser convidado para empurrar a cadeira
sob os pés da pessoa condenada quando ela estiver com a corda no pescoço. No
Brasil o sistema oficial não “delega” para a família qualquer ato de vingança;
só existe pena de morte para casos de guerra declarada e ela é efetivada por
fuzilamento. O Código Penal Militar prevê a morte em tempo de guerra para
atitudes de favorecimento ao inimigo: traição; favor ao inimigo; tentativa
contra a soberania do Brasil; coação a comandante; informação ou auxílio ao
inimigo; aliciação de militar; ato prejudicial à eficiência da tropa; cobardia qualificada; fuga em presença do inimigo;
espionagem; “cabeças” [a lei utiliza tal termo] de motim, revolta ou
conspiração; incitamento em presença do inimigo; rendição ou capitulação;
descumprimento de ordem que gere perigo a força, posição ou outros elementos de
ação militar; separação reprovável; abandono de comboio com resultado grave; dano
especial em benefício do inimigo ou possa comprometer a preparação, a
eficiência ou as operações militares; dano em
bens de interesse militar; envenenamento, corrupção ou epidemia que comprometa
a segurança, dentre outros... E no Brasil a vítima não pode evitar que o
agressor não seja responsabilizado, a não ser nos casos de lesão leve e lesão
culposa que não configurem violência doméstica, se a pessoa ofendida não
oferecer representação...
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de
Direito / Professor no Unisalesiano
(publicado
no Diário de Penápolis de 16/10/2014)