Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

8 de dez. de 2014

Internação do adolescente infrator


            Os mais desinformados costumam comentar, em tom de deboche, que “a Polícia prende e a Justiça solta...”. Essa assertiva até que tem fundo de verdade: realmente a Justiça não prende ninguém, mas autoriza ou determina a prisão (não executa o ato de custodiar); e realmente a Polícia não solta, a não ser em situações excepcionais, por ex., quando o preso recolhe a fiança arbitrada pelo delegado e mantida pelo magistrado; ou quando se vence o prazo de custódia temporária.
            De qualquer forma, o objetivo aqui não é comparar competências e atribuições, mas apenas esclarecer como a internação do adolescente infrator tem sido tratada pelo Judiciário e tentar desmistificar a absurda idéia, cultivada por alguns, de que juízes não estão preocupados com a segurança da população.
            Primeiramente, é preciso deixar claro que juiz não é “justiceiro”, ou seja, que ele tem o dever de atuar e de decidir, como é sabido, conforme lhe faculte a lei. Não pode fazer o que bem entender... Não raramente acaba tendo de fazer certas concessões a contragosto, pois também é cidadão e também se aflige com o avanço da criminalidade. Às vezes liberta porque não tem opção, ainda que pessoalmente entenda injusto esse desfecho.
            Dentre as medidas aplicáveis ao adolescente infrator está a internação provisória, solução parecida com a prisão preventiva para o adulto criminoso.
            Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8.069/1990):
            a) Art. 108 – A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único: A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida;
            a) Art. 121 - A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
            b) Art. 122 – A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
            Muitas vezes as pessoas ficam indignadas quando um adolescente detido por ato equiparado ao tráfico de drogas acaba sendo prontamente liberado. Ocorre que muito embora o tráfico seja delito equiparado aos hediondos e gere inegável risco à coletividade, os atos executórios não envolvem violência ou grave ameaça. Assim sendo, ainda que existam fortes elementos de convicção sobre o envolvimento do jovem no tráfico, segundo o Supremo, a internação deve ser excepcional. Em suma: o tráfico promovido por adolescente é gravíssimo, mas o juízo não pode se desviar do que está escrito no Estatuto.
            Era relativamente comum depararmos com custódias provisórias de adolescentes investigados por infrações do gênero, mas os Tribunais superiores acabaram pacificando o entendimento de que a gravidade da traficância não justifica, por si só, a privação da liberdade. O Supremo, por exemplo, em 2011, ao decidir o Habeas Corpus 94.447, cuja relatoria foi do Min. Luiz Fux, enfatizou que o ECA reconhece o caráter extremo da custódia ao condicioná-la aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (artigo 121) e ao prever a sua subsidiariedade, determinando que “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada” (artigo 122, § 2º). Enfatizou que em razão desse caráter extremo, a internação se justifica nas hipóteses taxativamente elencadas no artigo 122, que deve ser interpretado restritivamente.
            O posicionamento da mais alta Corte de Justiça do País, como se vê, longe de retratar leniência com a delinquência juvenil, apenas fez valer a opção daqueles que nós mesmos escolhemos como legisladores.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado no Diário de Penápolis de 4/12/2014 e no Correio de Lins de 6/12/2014)