Os mais
desinformados costumam comentar, em tom de deboche, que “a Polícia prende e a
Justiça solta...”. Essa assertiva até que tem fundo de verdade: realmente a
Justiça não prende ninguém, mas autoriza ou determina a prisão (não executa o
ato de custodiar); e realmente a Polícia não solta, a não ser em situações
excepcionais, por ex., quando o preso recolhe a fiança arbitrada pelo delegado
e mantida pelo magistrado; ou quando se vence o prazo de custódia temporária.
De qualquer
forma, o objetivo aqui não é comparar competências e atribuições, mas apenas
esclarecer como a internação do adolescente infrator tem sido tratada pelo
Judiciário e tentar desmistificar a absurda idéia, cultivada por alguns, de que
juízes não estão preocupados com a segurança da população.
Primeiramente,
é preciso deixar claro que juiz não é “justiceiro”, ou seja, que ele tem o
dever de atuar e de decidir, como é sabido, conforme lhe faculte a lei. Não
pode fazer o que bem entender... Não raramente acaba tendo de fazer certas
concessões a contragosto, pois também é cidadão e também se aflige com o avanço
da criminalidade. Às vezes liberta porque não tem opção, ainda que pessoalmente
entenda injusto esse desfecho.
Dentre
as medidas aplicáveis ao adolescente infrator está a internação provisória,
solução parecida com a prisão preventiva para o adulto criminoso.
Dispõe o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8.069/1990):
a) Art. 108 – A internação, antes da
sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único: A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios
suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da
medida;
a) Art.
121 - A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos
princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento;
b) Art.
122 – A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de
ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II - por
reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento
reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
Muitas
vezes as pessoas ficam indignadas quando um adolescente detido por ato
equiparado ao tráfico de drogas acaba sendo prontamente liberado. Ocorre que
muito embora o tráfico seja delito equiparado aos hediondos e gere inegável
risco à coletividade, os atos executórios não envolvem violência ou grave
ameaça. Assim sendo, ainda que existam fortes elementos de convicção sobre o
envolvimento do jovem no tráfico, segundo o Supremo, a internação deve ser
excepcional. Em suma: o tráfico promovido por adolescente é gravíssimo, mas o
juízo não pode se desviar do que está escrito no Estatuto.
Era
relativamente comum depararmos com custódias provisórias de adolescentes
investigados por infrações do gênero, mas os Tribunais superiores acabaram
pacificando o entendimento de que a gravidade da traficância não justifica, por
si só, a privação da liberdade. O Supremo, por exemplo, em 2011, ao decidir o
Habeas Corpus 94.447, cuja relatoria foi do Min. Luiz Fux, enfatizou que o ECA
reconhece o caráter extremo da custódia ao condicioná-la aos princípios da
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento (artigo 121) e ao prever a sua subsidiariedade, determinando
que “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida
adequada” (artigo 122, § 2º). Enfatizou que em razão desse caráter extremo, a
internação se justifica nas hipóteses taxativamente elencadas no artigo 122,
que deve ser interpretado restritivamente.
O posicionamento da
mais alta Corte de Justiça do País, como se vê, longe de retratar leniência com
a delinquência juvenil, apenas fez valer a opção daqueles que nós mesmos
escolhemos como legisladores.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis de 4/12/2014 e no
Correio de Lins de 6/12/2014)