Dias
atrás tive acesso à edição de 11/11/2014 do jornal “O Dia - Marília” e fiquei
mais uma vez estarrecido...
Digo
“mais uma vez” porque recentemente tratei das críticas feitas de forma
inconsequente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por conta do julgamento
do caso que envolveu o juiz e a agente de trânsito, e, na ocasião, enfatizei
que infelizmente a imprensa nem sempre procura se informar de detalhes que
envolvem as decisões do Poder Judiciário e acaba ela mesma promovendo injustiças
com pessoas e com a própria justiça.
O
editorial da referida edição, intitulado “Pane Jurídica”, expressão que
inspirou o tema deste artigo, começou afirmando que “tem algo de errado com a
Justiça no Brasil” e, dessa forma, levianamente ofendeu milhares de
profissionais compromissados com o que fazem.
A
crítica teve a ver, segundo consta, com a ordem de soltura prolatada pelo mesmo
Tribunal fluminense: “Agora, também no Rio de Janeiro, desembargadores colocam
em liberdade acusado de chefiar o tráfico que já tinha mandado de prisão contra
si”.
As
ofensas e os equívocos prosseguiram: “Ao
que parece, os nobres magistrados estão em ‘pane’. Algo de muito errado está
acontecendo. Será que é sobrecarga de trabalho? Peças processuais mal feitas
que dificultam o entendimento dos juízes ou é ‘apenas’ prevaricação? (...)
Ninguém observou que o tal Orelha, que é o vulgo do traficante Edson Silva de
Souza, tinha contra si um outro mandado de prisão e por isso não poderia ser
solto? (...) O alvará de soltura foi expedido, mesmo havendo um outro mandado
de prisão contra o acusado” (sic).
Como
sempre faço, vou tentar desmistificar essas idéias equivocadas...
Em
primeiro lugar, o crime de prevaricação consiste em “retardar ou deixar de
praticar, INDEVIDAMENTE, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição
expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” (artigo 319
do Código Penal). Havendo escolhas
legais, afasta-se o crime. Só se consuma se houver dolo na ação e na
finalidade. O erro, a preguiça, a deficiência e a desídia não são suficientes.
Determinar a expedição de alvará de soltura nem de longe se encaixa na
definição legal.
Mas o
mais importante é desfazer um engano ainda mais grave do redator. Quando o juiz
analisa determinado caso, tem a liberdade de optar pela soltura
independentemente do que se passa em outra investigação e do que já decidiu
outro magistrado. Não está vinculado a nada e nem a ninguém, mas apenas à sua
consciência e ao seu entendimento, que é livre, muito embora tenha de ser
motivado. Nada impede o juiz de conceder liberdade mesmo que outro juízo tenha
imposto ou mantido a prisão do mesmo investigado. Quem tem o dever de verificar
se existe alguma ordem de prisão que impeça a soltura é a autoridade policial
ou o diretor do estabelecimento prisional. E é isso que está sendo averiguado:
qual foi a razão de a soltura ter se efetivado pela equipe da carceragem...
Em
resumo: os mandados de prisão e alvarás de soltura são cadastrados em sistema
informatizado e remetidos para a mesma autoridade administrativa. Cabe a esta
autoridade, antes de dar cumprimento ao alvará de soltura, verificar se pode
colocar a pessoa em liberdade. Se existir determinação de prisão a ser
cumprida, a autoridade administrativa deve certificar cumprimento ao alvará de
soltura, mas, ao mesmo tempo, manter o indivíduo custodiado, de tudo informando
o Judiciário.
Assim
sendo, não é possível que o juiz de um processo desfaça a decisão de prisão
exarada pelo juiz de outro processo. Cada magistrado age de forma independente
e a convicção da necessidade de manter a prisão antes da condenação é formada a
partir do que consta em cada processo. No Direito costumamos dizer que “o que
não está nos autos, não está no mundo”, ou seja, que a convicção não pode ser formada
a partir de elementos externos. O juiz não pode se deixar levar pelo que a
imprensa e/ou a população desejam que aconteça, mas tomar a sua decisão de
forma isenta e técnica. A imprensa e a população devem respeitar a decisão ou
pelo menos comentá-la com educação, responsabilidade e, preferencialmente,
depois de consultar alguém do ramo. Isso porque se o Direito já é bastante
complexo para quem lida cotidianamente com ele, a possibilidade de o leigo
fazer um comentário impertinente é muito grande.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Correio de Lins de 10/12/2014 e
no Diário de Penápolis de 11/12/2014)
Observação: este texto complementa o artigo "Malhação de Judas", que será publicado em breve neste blog, assim que a edição de dezembro da revista Comunica for distribuída.
Observação: este texto complementa o artigo "Malhação de Judas", que será publicado em breve neste blog, assim que a edição de dezembro da revista Comunica for distribuída.