Os artigos 1.361 e seguintes do Código Civil tratam da propriedade
fiduciária, que se verifica quando o devedor transfere algo ao credor como
garantia da dívida. Fidúcia, segundo o Dicionário Aurélio, significa confiança,
segurança.
O exemplo mais corriqueiro é o do
financiamento de veículo. Por força de contrato, o banco passa a contar com a
propriedade fiduciária e o cliente se torna possuidor direto do bem.
A lei exige que o pacto preveja o valor da
dívida, prazo de pagamento e taxa de juros.
O devedor pode usar o bem enquanto paga as
prestações. Se se tornar inadimplente, tem o dever de entregá-lo ao credor.
Neste caso, o credor não pode ficar com o bem para si. Deve vendê-lo e se pagar
com o dinheiro arrecadado. Se sobrar saldo, deverá devolvê-lo ao devedor. Mas
se a arrecadação for insuficiente para quitar a dívida, poderá prosseguir com a
cobrança da diferença. Por isso, se as partes convencionarem que a devolução do
veículo importará em quitação da dívida, o acordo deverá ser feito por escrito...
Em resumo:
a) o credor fiduciário tem a propriedade
fiduciária (domínio resolúvel), mas tanto ela não se confunde com a propriedade
plena que o devedor continua a fazer uso do bem;
b) o devedor fiduciante detém a posse direta
e se torna depositário, mas não ostenta outras prerrogativas do proprietário
pleno, devendo zelar pelo bem;
c) o devedor conta com direito real de
aquisição do bem assim que quitar o contrato;
d) o credor consolida a propriedade plena se
o bem não for quitado.
Sem prejuízo dessas regras gerais, a
alienação fiduciária de veículo se rege, principalmente, pelo Decreto-Lei
911/1969.
Para valer contra
terceiros, o contrato sobre alienação fiduciária deverá figurar no
cadastro do Detran e, consequentemente, no documento do automóvel.
A ação para o credor recuperar o bem do
devedor inadimplente tem tramitação rápida. O Decreto-lei exige prévia
notificação do devedor por carta registrada com aviso de recebimento a ser
endereçada para o endereço mencionado no contrato. Alteração imposta pela Lei
13.043/2014 deixou claro que não é necessário que a carta seja recebida
pessoalmente pelo devedor.
Se uma parcela se vencer, normalmente os
contratos preveem que as futuras se vencerão automaticamente.
Promovida a notificação, o credor poderá
requerer e decretação liminar da busca e apreensão do bem, valendo-se,
inclusive, do plantão judiciário (Lei 13.043). Ao deferir a liminar, o juiz
deverá bloquear o automóvel no sistema Renavam.
Efetivada a apreensão e decorridos cinco
dias sem o pagamento da integralidade da dívida, o credor consolidará a
propriedade e a posse plena e exclusiva do bem.
O bem poderá ser apreendido em qualquer
município, bastando que o advogado do credor requeira a providência ao juiz
local e instrua o seu pedido com cópia da petição inicial e da decisão liminar
proferida em outro juízo. Ao que parece, a inovação introduzida pela Lei 13.043
teve por objetivo dispensar a chamada “carta precatória itinerante”.
Se o bem não for encontrado, o credor poderá
requerer conversão da busca em ação executiva para cobrar seu crédito.
O financiamento com alienação fiduciária
costuma oferecer taxas menores de juros justamente porque o contrato é
garantido por um bem.
A experiência mostra que algumas pessoas
agem de má-fé. Em alguns casos, algumas poucas parcelas são pagas (às vezes,
nenhuma!) e o devedor dá bastante trabalho para entregar o bem, especialmente
depois que o Supremo decidiu que já não cabe prisão civil do depositário
infiel, ou seja, daquele que recebe alguma coisa para guardar e conservar e não
a restitui. Penso até que algumas pessoas menos ajuizadas, deliberadamente,
contraem financiamentos apenas para poderem usar determinado veículo pelo maior
tempo possível, ou seja, até que venha a ser apreendido, na ilusão de que com a
apreensão a situação será normalizada. Trata-se de grande equívoco, na medida
em que, como já dito, diferenças poderão continuar a ser cobradas. Quase sempre
haverá diferenças, pois o valor do bem financiado ultrapassa significativamente
o valor de mercado do veículo usado (especialmente se não estiver conservado).
Além disso, os veículos apreendidos normalmente são vendidos em leilões e por
preços inferiores aos praticados pelo mercado. Em razão disso, o devedor, que
tem direito à prestação de contas dessa venda, poderá ter de continuar a
responder pela dívida remanescente e possivelmente persistirão registros
negativos em cadastros de inadimplentes, como o da Serasa.
A falta de escrúpulos pode se manifestar na
forma de “disposição de coisa alheia como própria”, espécie de estelionato,
quando o devedor alienar ou der em garantia para terceiros, de forma oculta,
com o fito de causar prejuízo, o bem que já tinha alienado fiduciariamente
(art. 171, § 2º, inc. I, do Código Penal, que prevê reclusão de 1 a 5 anos e
multa). Nesse caso, acumulará também a responsabilização criminal.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado
no Diário de Penápolis de 12/3/2015 e no Correio de Lins de 17/3/2015; e
abordado na Rádio Regional Esperança aos 2/3/2015)
Versão em áudio: www.youtube.com/user/adrianoponce10