Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

28 de mar. de 2015

Alienação fiduciária e busca e apreensão


Os artigos 1.361 e seguintes do Código Civil tratam da propriedade fiduciária, que se verifica quando o devedor transfere algo ao credor como garantia da dívida. Fidúcia, segundo o Dicionário Aurélio, significa confiança, segurança.
O exemplo mais corriqueiro é o do financiamento de veículo. Por força de contrato, o banco passa a contar com a propriedade fiduciária e o cliente se torna possuidor direto do bem.
A lei exige que o pacto preveja o valor da dívida, prazo de pagamento e taxa de juros.
O devedor pode usar o bem enquanto paga as prestações. Se se tornar inadimplente, tem o dever de entregá-lo ao credor. Neste caso, o credor não pode ficar com o bem para si. Deve vendê-lo e se pagar com o dinheiro arrecadado. Se sobrar saldo, deverá devolvê-lo ao devedor. Mas se a arrecadação for insuficiente para quitar a dívida, poderá prosseguir com a cobrança da diferença. Por isso, se as partes convencionarem que a devolução do veículo importará em quitação da dívida, o acordo deverá ser feito por escrito...
Em resumo:
a) o credor fiduciário tem a propriedade fiduciária (domínio resolúvel), mas tanto ela não se confunde com a propriedade plena que o devedor continua a fazer uso do bem;
b) o devedor fiduciante detém a posse direta e se torna depositário, mas não ostenta outras prerrogativas do proprietário pleno, devendo zelar pelo bem;
c) o devedor conta com direito real de aquisição do bem assim que quitar o contrato;
d) o credor consolida a propriedade plena se o bem não for quitado.
Sem prejuízo dessas regras gerais, a alienação fiduciária de veículo se rege, principalmente, pelo Decreto-Lei 911/1969.
Para valer contra terceiros, o contrato sobre alienação fiduciária deverá figurar no cadastro do Detran e, consequentemente, no documento do automóvel.
A ação para o credor recuperar o bem do devedor inadimplente tem tramitação rápida. O Decreto-lei exige prévia notificação do devedor por carta registrada com aviso de recebimento a ser endereçada para o endereço mencionado no contrato. Alteração imposta pela Lei 13.043/2014 deixou claro que não é necessário que a carta seja recebida pessoalmente pelo devedor.
Se uma parcela se vencer, normalmente os contratos preveem que as futuras se vencerão automaticamente.
Promovida a notificação, o credor poderá requerer e decretação liminar da busca e apreensão do bem, valendo-se, inclusive, do plantão judiciário (Lei 13.043). Ao deferir a liminar, o juiz deverá bloquear o automóvel no sistema Renavam.
Efetivada a apreensão e decorridos cinco dias sem o pagamento da integralidade da dívida, o credor consolidará a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem.
O bem poderá ser apreendido em qualquer município, bastando que o advogado do credor requeira a providência ao juiz local e instrua o seu pedido com cópia da petição inicial e da decisão liminar proferida em outro juízo. Ao que parece, a inovação introduzida pela Lei 13.043 teve por objetivo dispensar a chamada “carta precatória itinerante”.
Se o bem não for encontrado, o credor poderá requerer conversão da busca em ação executiva para cobrar seu crédito.
O financiamento com alienação fiduciária costuma oferecer taxas menores de juros justamente porque o contrato é garantido por um bem.
A experiência mostra que algumas pessoas agem de má-fé. Em alguns casos, algumas poucas parcelas são pagas (às vezes, nenhuma!) e o devedor dá bastante trabalho para entregar o bem, especialmente depois que o Supremo decidiu que já não cabe prisão civil do depositário infiel, ou seja, daquele que recebe alguma coisa para guardar e conservar e não a restitui. Penso até que algumas pessoas menos ajuizadas, deliberadamente, contraem financiamentos apenas para poderem usar determinado veículo pelo maior tempo possível, ou seja, até que venha a ser apreendido, na ilusão de que com a apreensão a situação será normalizada. Trata-se de grande equívoco, na medida em que, como já dito, diferenças poderão continuar a ser cobradas. Quase sempre haverá diferenças, pois o valor do bem financiado ultrapassa significativamente o valor de mercado do veículo usado (especialmente se não estiver conservado). Além disso, os veículos apreendidos normalmente são vendidos em leilões e por preços inferiores aos praticados pelo mercado. Em razão disso, o devedor, que tem direito à prestação de contas dessa venda, poderá ter de continuar a responder pela dívida remanescente e possivelmente persistirão registros negativos em cadastros de inadimplentes, como o da Serasa.
A falta de escrúpulos pode se manifestar na forma de “disposição de coisa alheia como própria”, espécie de estelionato, quando o devedor alienar ou der em garantia para terceiros, de forma oculta, com o fito de causar prejuízo, o bem que já tinha alienado fiduciariamente (art. 171, § 2º, inc. I, do Código Penal, que prevê reclusão de 1 a 5 anos e multa). Nesse caso, acumulará também a responsabilização criminal.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
 (publicado no Diário de Penápolis de 12/3/2015 e no Correio de Lins de 17/3/2015; e abordado na Rádio Regional Esperança aos 2/3/2015)