Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

17 de mar. de 2016

Advocacia robotizada

O “site” Consultor Jurídico noticiou recentemente que grandes escritórios de advocacia têm se servido de softwares para ampliarem as suas atuações. Segundo a matéria, determinado escritório atua em mais de 360 mil processos com 420 advogados, ou seja, cada profissional cuida de 857 ações ao mesmo tempo, “graças a um único fator: tecnologia”. O texto destaca: “Enquanto o processo judicial eletrônico ainda é motivo de relutância no Judiciário e na comunidade jurídica, a banca tem ‘robôs’ tocando partes dos processos no lugar de humanos”. Consta que “de acordo com o tipo de matéria que o processo discute, existe o robô que foi apelidado de ‘clicador’... substituindo o ‘copia e cola’ das petições”, que “monta uma defesa, preenchendo espaços com os dados daquele processo específico, com os argumentos de defesa que o escritório usa”. Por fim, “cabe ao advogado simplesmente clicar nos trechos que serão aproveitadas na peça”. Segundo a reportagem, não é exagero dizer que, as esteiras de produção, velhas conhecidas da indústria, chegaram à advocacia”. Ela destacou que há quem denomine "advocacia antiga" o método em que “o advogado é responsável por um processo do começo ao fim”. O Consultor também comentou opiniões de outros escritórios sobre os riscos que a excessiva informatização representa.
Decidi comentar o assunto com base no que tenho observado no cotidiano forense, sem ater, em específico, ao trabalho do escritório divulgado.
Essa “linha de produção” que tem sido adotada na advocacia, no meu ponto de vista, é extremamente prejudicial à promoção da justiça. Alguns escritórios que prestam serviços para empresas de grande porte que são comumente demandadas (principalmente nos Juizados), como bancos e operadoras de telefonia, muitas vezes, não apresentam boas petições. É comum depararmos com defesas desnecessariamente extensas, o que desmotiva e torna a leitura bastante desagradável e pouco produtiva. Muitas vezes essas defesas não tratam especificamente dos problemas em discussão, mas trazem argumentos genéricos e até impertinentes (sobre temas que sequer estão sendo discutidos), como se tivessem mesmo sido elaboradas por robôs e o “serviço” deles não tivesse recebido mínima conferência.
A consequência, para o cliente, pode ser a derrota. No Direito, a afirmação que não é rebatida pode vir a ser admitida como verdadeira pelo julgador. Muitas vezes, o juiz julga favoravelmente o pedido do consumidor não propriamente porque ele bem demonstra a sua razão, mas porque a empresa demandada não traz informações básicas sobre a relação contratual; não se defende a contento ou acaba ficando até indefesa.  E isso acontece ora porque a empresa não fornece ao advogado informações que ele precisa para bem desempenhar o seu papel; ora porque o escritório, muito embora famoso, se propõe a atuar em muitas ações sem dispor de estrutura necessária, abusando de estagiários e/ou confiando demais em softwares.
Essa prática de peticionar mal às vezes se repete em causas de um mesmo cliente. Em razão disso, tenho a impressão de que algumas empresas não monitoram minimamente o trabalho desenvolvido nas suas ações, ou seja, não fazem auditoria alguma. Pagam, confiam, não contam com boas defesas, sofrem prejuízos e não procuram mudar essa realidade.
Em alguns casos, parece até que determinada empresa prefere pagar mais barato por cada defesa e assumir o risco de não contar com boa assessoria, do que investir um pouco mais. Parece que o custo-benefício de pagar mais barato acaba compensando. É como se o empresário assim raciocinasse: pago menos por cada defesa, sofro algumas condenações, mas, no balanço geral, isso compensa mais do que pagar melhor e ser menos condenado. Esse raciocínio, tenho a impressão, parece ser adotado quando a empresa é daquelas que lesa sistematicamente consumidores e chega à conclusão de que vale mais a pena continuar trabalhando assim e pagando algumas indenizações do que investir no melhor atendimento.
Nesse “fogo cruzado” está o magistrado (normalmente responsável por milhares de ações), que tem de ler coisas irrelevantes e teses impertinentes; investe muito mais do seu escasso tempo; não conta com boas provas; tem de “se virar” para decidir; e, às vezes, tem de decidir em favor de um, mas sabe que, na verdade, o outro tem razão, muito embora não tenha contribuído com boas provas para poder ser declarado vencedor.
A “terceirização” de serviços que são contratados com base na confiança que o cliente tem no profissional também tem afetado outras áreas do conhecimento, o que requer ampla reflexão e urgente debate. O Judiciário também tem de ter cuidado para não começar a substituir cabeças pensantes por montadores de quebra-cabeças jurídicos, costuradores de retalhos... É preciso repensar a proliferação de práticas que, infelizmente, podem contaminar novos profissionais, fazendo-os acreditar que tudo isso é muito normal e que estar em juízo tem de ser assim mesmo; e os afastando do cumprimento do juramento de fazer o melhor pelo seu assistido.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado no Diário de Penápolis de 10/3/2016)