O “site” Consultor Jurídico noticiou recentemente
que grandes escritórios de advocacia têm se servido de softwares para ampliarem
as suas atuações. Segundo a matéria, determinado escritório atua em mais de 360
mil processos com 420 advogados, ou seja, cada profissional cuida de 857 ações
ao mesmo tempo, “graças a um único fator: tecnologia”. O texto destaca: “Enquanto
o processo judicial eletrônico ainda é motivo de relutância no Judiciário e na
comunidade jurídica, a banca tem ‘robôs’ tocando partes dos processos no lugar
de humanos”. Consta que “de acordo com o tipo de matéria que o processo
discute, existe o robô que foi apelidado de ‘clicador’... substituindo o ‘copia
e cola’ das petições”, que “monta uma defesa, preenchendo espaços com os dados
daquele processo específico, com os argumentos de defesa que o escritório
usa”. Por fim, “cabe ao advogado simplesmente clicar nos trechos que serão
aproveitadas na peça”. Segundo a reportagem, “não é exagero dizer que, as esteiras de produção, velhas
conhecidas da indústria, chegaram à advocacia”. Ela destacou que há quem denomine
"advocacia antiga" o método em que “o advogado é responsável por um
processo do começo ao fim”. O Consultor também comentou opiniões de outros
escritórios sobre os riscos que a excessiva informatização representa.
Decidi comentar o assunto com base no que tenho
observado no cotidiano forense, sem ater, em específico, ao trabalho do escritório
divulgado.
Essa “linha de produção” que tem sido adotada na
advocacia, no meu ponto de vista, é extremamente prejudicial à promoção da
justiça. Alguns escritórios que prestam serviços para empresas de grande porte
que são comumente demandadas (principalmente nos Juizados), como bancos e
operadoras de telefonia, muitas vezes, não apresentam boas petições. É comum
depararmos com defesas desnecessariamente extensas, o que desmotiva e torna a
leitura bastante desagradável e pouco produtiva. Muitas vezes essas defesas não
tratam especificamente dos problemas em discussão, mas trazem argumentos
genéricos e até impertinentes (sobre temas que sequer estão sendo discutidos),
como se tivessem mesmo sido elaboradas por robôs e o “serviço” deles não
tivesse recebido mínima conferência.
A consequência, para o cliente, pode ser a derrota.
No Direito, a afirmação que não é rebatida pode vir a ser admitida como
verdadeira pelo julgador. Muitas vezes, o juiz julga favoravelmente o pedido do
consumidor não propriamente porque ele bem demonstra a sua razão, mas porque a
empresa demandada não traz informações básicas sobre a relação contratual; não
se defende a contento ou acaba ficando até indefesa. E isso acontece ora porque a empresa não
fornece ao advogado informações que ele precisa para bem desempenhar o seu
papel; ora porque o escritório, muito embora famoso, se propõe a atuar em
muitas ações sem dispor de estrutura necessária, abusando de estagiários e/ou
confiando demais em softwares.
Essa prática de peticionar mal às vezes se repete
em causas de um mesmo cliente. Em razão disso, tenho a impressão de que algumas
empresas não monitoram minimamente o trabalho desenvolvido nas suas ações, ou
seja, não fazem auditoria alguma. Pagam, confiam, não contam com boas defesas,
sofrem prejuízos e não procuram mudar essa realidade.
Em alguns casos, parece até que determinada empresa
prefere pagar mais barato por cada defesa e assumir o risco de não contar com
boa assessoria, do que investir um pouco mais. Parece que o custo-benefício de
pagar mais barato acaba compensando. É como se o empresário assim raciocinasse:
pago menos por cada defesa, sofro algumas condenações, mas, no balanço geral,
isso compensa mais do que pagar melhor e ser menos condenado. Esse raciocínio,
tenho a impressão, parece ser adotado quando a empresa é daquelas que lesa
sistematicamente consumidores e chega à conclusão de que vale mais a pena
continuar trabalhando assim e pagando algumas indenizações do que investir no
melhor atendimento.
Nesse “fogo cruzado” está o magistrado (normalmente
responsável por milhares de ações), que tem de ler coisas irrelevantes e teses
impertinentes; investe muito mais do seu escasso tempo; não conta com boas
provas; tem de “se virar” para decidir; e, às vezes, tem de decidir em favor de
um, mas sabe que, na verdade, o outro tem razão, muito embora não tenha
contribuído com boas provas para poder ser declarado vencedor.
A “terceirização” de serviços que são contratados
com base na confiança que o cliente tem no profissional também tem afetado
outras áreas do conhecimento, o que requer ampla reflexão e urgente debate. O Judiciário
também tem de ter cuidado para não começar a substituir cabeças pensantes por
montadores de quebra-cabeças jurídicos, costuradores de retalhos... É preciso
repensar a proliferação de práticas que, infelizmente, podem contaminar novos
profissionais, fazendo-os acreditar que tudo isso é muito normal e que estar em
juízo tem de ser assim mesmo; e os afastando do cumprimento do juramento de
fazer o melhor pelo seu assistido.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis de 10/3/2016)