Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

20 de fev. de 2016

Arrependimento e reconstrução

Não se discute que toda pessoa está sujeita a falhar. A diferença é que nem todas fazem bom uso da oportunidade para rever conceitos e posturas, reparar o erro, reconstruir a imagem e tornar a inspirar confiança.
Escolhas malfeitas geram falhas. Muitas vezes os equívocos persistem depois delas. Não raramente essa nova escolha (de não aproveitar o erro para a reconstrução) tem a ver com a influência de terceira pessoa. Considerar ou não o que o terceiro sugere é também uma escolha. A conclusão a que se chega é a de que, ao fazer boas escolhas, a gente erra menos e “conserta” melhor os resultados dos nossos erros; canaliza corretamente a nossa energia.
Vamos transportar esse raciocínio para uma situação hipotética de embriaguez ao volante, delito previsto no art. 306 do Código de Trânsito, que prevê detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Tício, considerado boa pessoa, resolveu ingerir álcool e depois dirigir. Parado numa blitz, foi instado a soprar o etilômetro (“bafômetro”). Já tinha ouvido dizer que o investigado não é obrigado a produzir prova contra si. O seu amigo, na ocasião, cogitou que, se deixasse o tempo passar, os efeitos do álcool poderiam se esvair. Surgiu, então, mais uma oportunidade de escolha, e Tício, induzido por terceiro, se recusou a participar do teste. Sob o ponto de vista do exercício de uma prerrogativa, não há dúvida de ele poderia mesmo ter se recusado, mas pode ser que a decisão tenha eliminado ou restringido bastante a oportunidade de reconstrução interior, que é, no final das contas, o que mais importa.
A infração em análise se verifica quando detectada concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou mesmo quando sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran (atualmente, Resolução 432, de 23/1/2013), alteração da capacidade psicomotora. A verificação pode ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos (como a verificação de sinais típicos). A constatação, como se vê, não depende do etilômetro. A recusa não protelará outras providências por tempo suficiente para fazer ninguém “sarar”.
No âmbito administrativo (imposição de multa), qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165. Da mesma forma, outros meios de prova são admitidos desde que o Código foi alterado pela Lei Federal 12.760/2012. Segundo o art. 277 do Código, “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 ... ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos” testes...
A escolha pela recusa, independentemente do “benefício” que o condutor possa cogitar obter nas esferas administrativa e criminal, sem dúvida importará no desperdício de preciosa oportunidade. No âmbito penal, a confissão está prevista como atenuante de pena (art. 65). O indivíduo que confessa e demonstra arrependimento, bem como que coopera, ainda que haja motivo para que seja sancionado, sempre fará jus à menor pena e favorecerá que o promotor e o juiz, quando for possível escolher, independentemente da natureza do crime, elejam medidas menos gravosas.
Afinal de contas, a individualização da pena é um dever do julgador, que, dentre os fatores, deve sempre considerar o grau de culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima (quando for o caso). A resposta penal deve ser estabelecida conforme seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção da infração. A confissão, o arrependimento sincero e a prática de atos que demonstrem reflexão e que os acontecimentos surtiram efeitos pedagógicos na vida do infrator, reduzem a necessidade de intervenção do Estado, ou seja, autorizam resposta mais branda. Não é difícil o juiz se compadecer diante de uma confissão sincera, completa e emocionada, que nitidamente traduza arrependimento...
De qualquer maneira, o objetivo aqui é deixar claro que quando temos dois caminhos a seguir, nem sempre um deles poderá ser considerado como ilegal. Nem sempre poderá ser classificado como “manobra”. A depender do contexto, ao contrário, retratará apenas possibilidade de defesa legalmente amparada, muito embora, na prática, sob o ponto de vista jurídico, nem sempre gere benefício. Mas é preciso ir mais longe... “virar a página”... A reparação completa é sempre o melhor caminho, especialmente porque, com algumas poucas exceções, os faltosos, ainda que não admitam isso, também se decepcionam consigo mesmo e sofrem com as consequências das suas faltas, sentimento que o arrependimento sincero ajudará a abrandar.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado na edição de fev/2016 da Revista Comunica e no Diário de Penápolis de 18/2/2016)