Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

21 de set. de 2014

A rotina do juiz

(confira Facebook Adriano Ponce Juridico)
A busca da solução de problemas por intermédio do Judiciário tem se intensificado a cada dia. Tem gente “delegando” tudo... Às vezes detecto comodismo exagerado.
O resultado é um acúmulo invencível de trabalho para os juízes (que em Penápolis presidem cerca de 14 mil ações cada!), os quais, diante das variadas prioridades estabelecidas em lei, às vezes têm dificuldade para identificar as “mais prioritárias”. A aflição do juiz já começa nesse momento: separar o que é mais importante dentre as várias urgências cotidianas.
Quando o magistrado se dirige ao Fórum, sempre tem na cabeça uma proposta de trabalho para aquele dia. Normalmente dá prioridade para os processos que primeiramente chegaram às suas mãos. Ocorre que sempre acaba sendo surpreendido com questões que têm de ser resolvidas de imediato: pedidos de prisão (do investigado perigoso; do agressor da mulher; do devedor de pensão alimentícia); pedidos de liberdade (de quem pagou a pensão, por ex.); requerimentos de busca domiciliar (para o combate ao tráfico ou recuperação de objetos subtraídos que poderão tomar rumo ignorado); pedidos liminares (internação ou cirurgia urgente, medicamento imprescindível, retomada da posse); entraves relativos às audiências do dia (problemas para apresentações de presos etc.); eliminações de registros na Serasa (porque a parte precisa fazer determinado negócio e está “negativada”); atendimentos de profissionais e servidores; orientações ao cartório; pacificações de conflitos internos; questões administrativas (prestar informações ao Tribunal e à Corregedoria, agendar férias, manipular bancos dados como o BacenJud, Renajud, ARisp etc.).
Não raramente essas questões todas consomem a manhã inteira e alguma coisa ainda fica para trás. Durante a tarde o magistrado se envolve em audiências e para que a produção de prova seja bem feita ele precisa tentar folhear o processo antes e se empenhar nas oitivas (afinal, é o destinatário da prova, tem de formar seu convencimento e tem um compromisso consigo mesmo de tentar buscar a verdade e bem decidir).
Ao final da tarde, ele volta a se dedicar às deliberações mais complexas e às sentenças... Mas o tempo será escasso para dar conta disso tudo. Já proferi sentenças criminais com vários réus e sobre vários delitos, interceptações telefônicas, vários bens apreendidos e mais de uma dezena de volumes (cada um tem 200 folhas) que consumiram uma semana... A consequência é que as tarefas se acumulam em proporção geométrica e preocupante...
Aquele dia em que não há audiências acaba sendo quase que integralmente dedicado às análises mais complexas, ou seja, não há grande produtividade em números. Um único caso pode demandar o dia todo...
Ainda que o juiz conte com assessores que o auxiliem bastante na tarefa de fazer triagem dos casos e de rascunhar decisões em conformidade com os seus entendimentos, a conferência do trabalho realizado por vezes é morosa, pois o processo é uma coisa muito meticulosa. O juiz precisa se atentar para a regularidade do procedimento adotado e para a utilidade de cada documento juntado. Não tem a pretensão de “azucrinar” a parte ou o advogado ao cobrar esclarecimentos, como pensam alguns, mas de se manter fiel à sua linha de raciocínio, de se preservar dos riscos (que ele assume muito mais do que qualquer outro ocupante de carreira jurídica) e de fazer cumprir a lei conforme entenda adequado.
Em Penápolis, porque não contamos com Vara Federal, absorvemos ações previdenciárias e execuções fiscais federais. Numa Vara cumulativa (com competência cível e criminal), ao contrário do que ocorre em Varas especializadas, o juiz tem ainda uma dificuldade extra: o tempo todo fica alternando a análise de questões de natureza extremamente diversa. Atua em praticamente todos os ramos do Direito. Por isso, precisa tentar se atualizar acerca de tudo que está sendo decidido pelos Tribunais e de todas as inovações legislativas. Tem de dedicar alguns minutos do dia para se inteirar; pelo menos para ler um boletim jurídico e as leis promulgadas. Imagine se um médico tivesse de atender, todos os dias, sem a possibilidade de encaminhar os pacientes para especialista algum, com rapidez e precisão, casos de oftalmologia, cardiologia, dermatologia, pneumologia, aparelho digestivo, ortopedista, urologia e outras complexas especialidades? É o que o juiz de Vara cumulativa faz: clínica geral! E não pode se limitar a uma breve consulta... Não pode medicar e encaminhar... Tem de ir até o fim... O “paciente” quer a “cura”...
As questões cíveis, por exemplo, englobam direitos das pessoas, obrigações, Direito de Família, contratos, empresarial, dentre outros e envolvem uma infinidade de temas: como funciona a despesca na piscicultura; o motivo de a semente de milho não ter germinado satisfatoriamente; a razão de o motor de caminhão retificado ter apresentado defeito; se os danos no imóvel foram causados pelo inquilino ou pelo desgaste natural; se a criança vai ficar bem com o pai ou com a mãe; se o poder público está sendo omisso ou se não é razoável exigir que determinado serviço funcione de outra maneira etc. Muitas vezes o juiz nomeia perito, mas ele não está vinculado aos laudos, que não são os únicos elementos de convicção. O juiz tem de acabar aprendendo um pouco de cada coisa, pois muitas vezes as testemunhas contrariam frontalmente as conclusões periciais. Tudo isso leva muito tempo... E a maior parte dos casos não chega “redondinha” para julgamento...
O pior de tudo é que geralmente quem critica tem noção dessas dificuldades, mas acaba confortavelmente elegendo o juiz como culpado quando as expectativas não são correspondidas por outras razões. Em resumo: o juiz é muito mais julgado do que julga! Quando julga tem de fundamentar com clareza e transparência. E quase sempre é julgado às escondidas, sem direito de se defender, por conta de alguma “frustração” mal resolvida...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano/Lins(SP)