Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

25 de set. de 2014

Encontrou Jesus?

(visite facebook Adriano Ponce Jurídico)
            A nossa legislação sempre dedicou atenção à religião, mas nem todos acreditam no poder ressocializador dela.
            No preâmbulo da Constituição Federal, muito embora o nosso Estado seja laico, ou seja, o Brasil não adote religião oficial (que era a católica na Constituição do Império de 1824), consta que ela foi promulgada “sob a proteção de Deus”, disposição que ainda gera polêmica, mas que está sacramentada na Lei Maior e foi utilizada em Cartas anteriores.
            A Constituição trata como “inviolável” a liberdade de consciência e de crença. Condena discriminação em razão da religião. Garante o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Enfatiza que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. Proíbe União, Estados, Distrito Federal e Municípios de estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Prevê que ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Garante o efeito civil do casamento religioso. Veda a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto. Elenca, no seu art. 5º, dentre as chamadas “cláusulas pétreas” (as regras sobre direitos e garantias individuais que não podem ser abolidas por emendas constitucionais), que é assegurada a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.
            No que tange aos estabelecimentos prisionais, a Lei Federal 7.210/1984, conhecida “Lei de Execução Penal”, ressalta que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. E trata especificamente da assistência religiosa...
            Muitas vezes o indivíduo se apresenta para ser interrogado e faz questão de deixar claro que está arrependido e que “se converteu” na cadeia. E nessas horas muita gente “torce o nariz” por entender, de forma generalizada e apressada, que tudo não passa de um “teatro” para sensibilizar o juiz (muito embora a “conversão” não isente ninguém da responsabilidade penal). Acontece também de a testemunha, quando o juiz a questiona com um pouco mais de veemência para confirmar se de fato fala a verdade, responder: “eu sou crente e por isso não minto”. Nessas horas há quem encare essas falas, de forma expressa ou velada, com desconfiança, ironia ou até com uma certa dose de humor, o que retrata evidente desrespeito. Isso porque existe mesmo a possibilidade de a pessoa invocar determinada crença para tentar maquiar aquilo que realmente é e realmente pensa ou deseja. Ocorre que nem todo mundo é dissimulado. Não devemos receber a assertiva de que a pessoa “encontrou Jesus” (só para dar um exemplo, pois não estou aqui para discutir o que ou quem deve ou não deve ser reverenciado) sem acreditar nessa possibilidade e na mudança que a religiosidade é capaz de introduzir na vida de uma pessoa e de quem está à sua volta. E tem mais: tem gente que não está acostumada a ouvir o outro a falar da fé porque muita gente tem vergonha de assumir a sua e de invocá-la com frequência e difundi-la... Por isso, a pessoa pode tanto ter escolhido o bom caminho quanto se convencido de que deve falar disso sempre que puder (o que acaba aborrecendo alguns)...
            A falibilidade é inerente ao ser humano. Se o indivíduo bem educado e que dispõe de todas as condições para ser uma pessoa de bem acaba falhando, o que dizer daquele que muitas vezes não recebeu nem educação, nem atenção? O que esperar de quem cresceu vendo os pais transgredirem? E como alguém que veio a delinquir por conta disso pode, convivendo com muita gente de índole criminosa, “dar a volta por cima”? Às vezes, só se “convertendo” mesmo, ou seja, se reaproximando da crença que conheceu na infância ou passando a acreditar em outra que defenda bons valores...
            Por isso, sempre que alguém diz que “encontrou Jesus”, procuro receber a afirmação com bastante alegria e prefiro acreditar que isso realmente aconteceu. Há que reavive a sua fé e acabe tendo “recaídas”, o que faz parte da falibilidade a que já me referi. O que não se pode negar, todavia, é que a assistência religiosa aos presos e às pessoas que enfrentam complexos problemas que a vida impõe pode acabar sendo a “última saída” e, quando o atormentado investe nele e acredita, pode acabar sendo a solução.
            Espero que os religiosos continuem insistindo nas visitas aos presídios, ainda que enfrentem alguma resistência de servidor ou mesmo de certo grupo de presos. Tomara que as autoridades reflitam sobre a importância de favorecer cada vez mais esses contatos! O preso pode até trabalhar na difusão religiosa dentro do presídio e dessa forma conseguir remição da pena, pois a Lei de Execução Penal não distingue o tipo de atividade que justifica esse benefício.
            E quanto a nós, que nem sempre somos muito melhores do que aqueles presos (há quem já tenha falhado muito mais), que consigamos, doravante, não ridicularizar quem se propõe a anunciar a mudança de vida e a retomada da fé, mas aplaudir essa escolha, que apesar de ser boa, nem sempre é feita com a facilidade que deveria, mas, não há dúvida, merece todo o incentivo!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de set/2014 e no Diário de Penápolis de 11/9/2014)