(visite facebook Adriano Ponce Jurídico)
A nossa legislação
sempre dedicou atenção à religião, mas nem todos acreditam no poder
ressocializador dela.
No preâmbulo da
Constituição Federal, muito embora o nosso Estado seja laico, ou seja, o Brasil
não adote religião oficial (que era a católica na Constituição do Império de
1824), consta que ela foi promulgada “sob a proteção de Deus”, disposição que
ainda gera polêmica, mas que está sacramentada na Lei Maior e foi utilizada em
Cartas anteriores.
A Constituição trata
como “inviolável”
a liberdade de consciência e de crença. Condena discriminação em razão da
religião. Garante o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias. Enfatiza que ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. Proíbe União,
Estados, Distrito Federal e Municípios de estabelecer cultos religiosos ou
igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou
seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da
lei, a colaboração de interesse público. Prevê que ensino religioso, de matrícula
facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental. Garante o efeito civil do casamento religioso. Veda a
instituição de impostos sobre templos de
qualquer culto. Elenca, no seu art. 5º,
dentre as chamadas “cláusulas pétreas” (as regras sobre direitos e
garantias individuais que não podem ser abolidas por emendas constitucionais),
que é assegurada a prestação de assistência
religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.
No que tange aos
estabelecimentos prisionais, a Lei Federal 7.210/1984, conhecida “Lei de Execução Penal”, ressalta que
a assistência
ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e
orientar o retorno à convivência em sociedade. E trata especificamente da
assistência religiosa...
Muitas vezes o indivíduo se
apresenta para ser interrogado e faz questão de deixar claro que está
arrependido e que “se converteu” na cadeia. E nessas horas muita gente “torce o
nariz” por entender, de forma generalizada e apressada, que tudo não passa de
um “teatro” para sensibilizar o juiz (muito embora a “conversão” não isente
ninguém da responsabilidade penal). Acontece também de a testemunha, quando o
juiz a questiona com um pouco mais de veemência para confirmar se de fato fala
a verdade, responder: “eu sou crente e por isso não minto”. Nessas horas há
quem encare essas falas, de forma expressa ou velada, com desconfiança, ironia
ou até com uma certa dose de humor, o que retrata evidente desrespeito. Isso
porque existe mesmo a possibilidade de a pessoa invocar determinada crença para
tentar maquiar aquilo que realmente é e realmente pensa ou deseja. Ocorre que
nem todo mundo é dissimulado. Não devemos receber a assertiva de que a pessoa
“encontrou Jesus” (só para dar um exemplo, pois não estou aqui para discutir o
que ou quem deve ou não deve ser reverenciado) sem acreditar nessa
possibilidade e na mudança que a religiosidade é capaz de introduzir na vida de
uma pessoa e de quem está à sua volta. E tem mais: tem gente que não está
acostumada a ouvir o outro a falar da fé porque muita gente tem vergonha de
assumir a sua e de invocá-la com frequência e difundi-la... Por isso, a pessoa
pode tanto ter escolhido o bom caminho quanto se convencido de que deve falar
disso sempre que puder (o que acaba aborrecendo alguns)...
A falibilidade é inerente ao ser
humano. Se o indivíduo bem educado e que dispõe de todas as condições para ser
uma pessoa de bem acaba falhando, o que dizer daquele que muitas vezes não recebeu
nem educação, nem atenção? O que esperar de quem cresceu vendo os pais
transgredirem? E como alguém que veio a delinquir por conta disso pode,
convivendo com muita gente de índole criminosa, “dar a volta por cima”? Às
vezes, só se “convertendo” mesmo, ou seja, se reaproximando da crença que
conheceu na infância ou passando a acreditar em outra que defenda bons
valores...
Por isso, sempre que alguém diz que
“encontrou Jesus”, procuro receber a afirmação com bastante alegria e prefiro
acreditar que isso realmente aconteceu. Há que reavive a sua fé e acabe tendo
“recaídas”, o que faz parte da falibilidade a que já me referi. O que não se
pode negar, todavia, é que a assistência religiosa aos presos e às pessoas que
enfrentam complexos problemas que a vida impõe pode acabar sendo a “última
saída” e, quando o atormentado investe nele e acredita, pode acabar sendo a
solução.
Espero que os religiosos continuem
insistindo nas visitas aos presídios, ainda que enfrentem alguma resistência de
servidor ou mesmo de certo grupo de presos. Tomara que as autoridades reflitam
sobre a importância de favorecer cada vez mais esses contatos! O preso pode até
trabalhar na difusão religiosa dentro do presídio e dessa forma conseguir
remição da pena, pois a Lei de Execução Penal não distingue o tipo de atividade
que justifica esse benefício.
E quanto a nós, que nem sempre somos
muito melhores do que aqueles presos (há quem já tenha falhado muito mais), que
consigamos, doravante, não ridicularizar quem se propõe a anunciar a mudança de
vida e a retomada da fé, mas aplaudir essa escolha, que apesar de ser boa, nem
sempre é feita com a facilidade que deveria, mas, não há dúvida, merece todo o
incentivo!
Adriano
Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz
de Direito / Professor no Unisalesiano
(publicado
na Revista Comunica de set/2014 e no Diário de Penápolis de 11/9/2014)