Vigora no nosso Direito o princípio da livre
convicção motivada, que, em síntese, significa que a maciça maioria das
situações postas em Juízo pode ser comprovada por quaisquer meios lícitos de
prova, isso sem que haja hierarquia entre elas. Cabe ao julgador, diante do
conjunto probatório, apenas fundamentar quais foram os elementos preponderantes
à formação do seu convencimento.
Nas ações de aposentadoria rural, a prova
testemunhal assume especial importância. Grosso modo, para quem atuou a vida
inteira na roça, trabalhando na informalidade, sem registro em carteira, a lei
exige apenas início de prova escrita (documentos antigos que apontem a atuação
rurícola) e admite que o período todo seja ratificado por testemunhas, tudo
porque no passado o vínculo com a terra, principalmente no que tange às
mulheres, dificilmente era documentado.
Sem querer polemizar, tenho ponderado que infelizmente o cotidiano forense tem me obrigado
a ser mais rigoroso na análise da prova oral. Isso porque é comum
depararmos com alguns advogados orientando testemunhas de forma velada ou até
explícita nos corredores ou na frente do Fórum. Às vezes o magistrado passa ao
lado e o “diretor do teatro” não se abala...
Na Comarca de Cafelândia, por exemplo,
comparei os relatos de uma testemunha (que depunha semanalmente, diga-se de
passagem) com o seu depoimento pessoal no processo em ela mesma tinha
conseguido a aposentadoria e constatei que não havia coerência entre as falas
no que tange às propriedades rurais em que ela teria atuado. Era, em verdade,
uma testemunha profissional.
Em Penápolis(SP), uma testemunha, ao
ingressar no prédio, com o fito de saber em que sala seria ouvida, acabou
apresentando na portaria uma carta por meio da qual uma advogada a tinha recomendado
a passar antes no seu escritório para que fosse orientada sobre o que deveria
dizer para que o desfecho fosse de procedência. O “ensaio”, portanto, seria feito
em outro local.
É evidente que a maioria dos advogados atua
de acordo com a lei e com os preceitos éticos, mas como o juízo acaba tendo dificuldade
para comprovar algumas irregularidades e não pode discriminar o trabalho de quem
quer que seja, tenho defendido que precisa adotar posicionamento uniforme que,
se por um lado, reconheço, pode deixar alguém que faça jus ao benefício sem ele;
por outro, evita o deferimento da aposentadoria “no atacado”, com grande
impacto para o erário.
O Poder Judiciário não é entidade
beneficente e o ônus da prova incumbe a quem alega. Cabe à parte diligenciar em
repartições públicas, sindicatos, cartórios, escritórios e outros. Mas, via de
regra, a parte tem se contentado com documentos que referenciam apenas o
cônjuge como rurícola e tentado estender essa condição a si mesma. A prática
mais comum é apresentar certidão de casamento que menciona o marido como
lavrador para sustentar que a mulher, apontada como dona-de-casa no mesmo
documento, também se dedicou à agricultura.
Penso que o Judiciário deve conduzir ações
previdenciárias com responsabilidade, se empenhar na colheita da prova oral,
explorar detalhes e contradições, pois não se cuida de apenas deferir mais um
benefício, mas de adotar posicionamento que de certa forma vinculará o julgador
em casos análogos, já que toda mudança de posicionamento deverá ser justificada,
sob pena até de averiguação de inépcia profissional.
Defendo que não basta, para a aposentadoria,
que duas testemunhas digam que a parte “plantou arroz, feijão e milho para o
José de tal, para o Manoel de tal e para o Antonio de tal”, muitas vezes sem
qualquer referência ao nome da propriedade rural; e que a parte foi rurícola “a
vida inteira”. Não me sinto confortável com a procedência nessas circunstâncias.
Fico “entre a cruz e a espada” quando a
prova escrita é fraca, pois isso pode acontecer ou porque a parte de fato era
lavradora e não conseguiu recolher mais documentos ou porque não foi bem
orientada a esse respeito. E nesse caso a dedicação à roça pela vida toda
poderá não ser recompensada com o benefício. Mas como a credibilidade na prova
oral ficou abalada em razão das situações expostas (muito embora eu nunca tenha
cogitado generalizar), acabo tendo de seguir uma linha coerente de
interpretação que, no mais das vezes, exige bom amparo documental à pretensão e
atenção aos detalhes, como sotaque, sinais físicos comuns em rurícolas, naturalidade
ao falar da vida na roça etc.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito em Penápolis(SP)
Professor no Unisalesiano Lins(SP)
(publicado no Diário de Penápolis de 4.9.2014)