Segundo a Lei Federal 11.340/2006 (Lei “Maria da Penha”),
constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz
poderá aplicar: suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento
do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de
aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre estes e o agressor; proibição de contato com a
ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
proibição de freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas
aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou
serviço similar.
O artigo 11 determina que a autoridade policial informe a
mulher sobre as prerrogativas que a lei lhe confere, dentre elas, a
possibilidade de requerer medidas protetivas. Todavia, não deve haver indução,
mas apenas orientação.
Ao coordenar um dos plantões do último recesso forense,
indeferi um requerimento de afastamento porque não preenchia os requisitos. Ao
saber do indeferimento por telefone, a mulher respondeu: “Graças a Deus!”. O
contexto indicou que ela, em verdade, não desejava a retirada do investigado do
lar conjugal, muito embora tivesse subscrito requerimento nesse sentido. Tudo
indica que tinha sido induzida a peticionar.
A medida protetiva tem natureza cautelar. A decretação
deve levar em conta uma série de fatores. Não é consequência automática de uma
agressão, ainda que confessada pelo homem. Não se confunde com a pena prevista
para a agressão.
O público em geral às vezes não compreende o
indeferimento da protetiva, mas ela se justifica apenas quando houver fundado
receio de que a integridade física da mulher esteja correndo risco. Muitas
vezes o requerimento está embasado apenas em confusa versão apresentada pela
mulher e a autoridade policial não se preocupa em ouvir o suspeito e nem em
demonstrar se ele tem histórico de agressividade.
Não estou aqui, evidentemente, a fomentar a violência
doméstica. Pretendo, apenas, enfatizar que medidas jurídicas restritivas de
direitos devem ser adotadas com parcimônia. Afastar um suspeito do lar (ele
pode não ter para aonde ir) pode significar “castigo” bem maior do que a
própria pena que será aplicada ao final, se houver prova inequívoca da
violência doméstica. Proibi-lo de se aproximar da mulher poderá inviabilizar
que tenham condições, depois de serenados os ânimos, de conversarem sobre o futuro
do casal; sobre se há condições de preservar o relacionamento; sobre o que
precisa ser ajustado, e, se a opção for pela separação, sobre a forma menos
traumática de rompimento (acordo sobre divisão de bens e guarda de filhos).
Falando em filhos, a decretação da proibição de aproximação da mulher poderá
afetar diretamente o contato do suspeito com a prole, o que não deve ser
desconsiderado pelo juiz.
Em muitos casos a relação não é amistosa há tempos, mas
não há notícia de agressividade anterior e nem de prenúncio de mal futuro. O
registro policial menciona agressão leve que cessou pela própria vontade do
homem, sem intervenção de terceira pessoa. Os envolvidos têm filhos que
poderiam sofrer com as gravosas medidas protetivas. A ocorrência até menciona
que a mulher tomará as providências para encerrar o relacionamento. Não fica
clara a necessidade de imposição de proibição de aproximação e de contato com a
mulher e familiares, muito menos, de afastamento do lar. O risco não fica
evidenciado. Mesmo assim o requerimento é feito por conveniência da mulher (que
pode estar tentando se beneficiar indevidamente) ou da polícia (que pode estar
querendo cessar os atritos).
O Superior Tribunal de Justiça já entendeu
que as medidas protetivas tanto refletem restrições relevantes ao direito de ir
e vir do investigado que podem ser debatidas por meio de “habeas corpus” (HC 298.499 / AL). Numa cidade pequena, a
obrigação de se manter distante da mulher, por exemplo, por 500 metros, pode
privar o investigado de frequentar o comércio, o trabalho, o local de estudo,
de ter lazer etc.
O STJ, nos autos do Recurso Especial
1.419.421, afirmou que as medidas protetivas podem ter natureza de cautelar
cível satisfativa: “podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação
ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente
da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal
contra o suposto agressor”. Elas, portanto, podem ser adotadas em variadas
situações. A supressão de direitos antes da condenação exige sempre muita
cautela. O julgador às vezes fica perplexo com certas narrativas, mas não pode
simplesmente resolver a sua indignação por meio de uma “canetada”. Também não
pode ter receio de indeferir o pedido de protetiva para não correr o risco de
ser “culpado”, se alguma investida contra a mulher acabar se configurando (até
porque as medidas previnem, mas não evitam investidas).
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis de 4/2/2016)