Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

26 de out. de 2012

A timidez da Autoridade é tão prejudicial quanto o abuso de poder

         A intolerância é das infrações mais graves que alguém pode cometer. Ela se dissipa silenciosamente, enraizando-se nos mais diversos setores, corroendo o espírito de fraternidade que deve existir entre seres humanos, contaminando os influenciáveis, fomentando o ódio gratuito e fazendo milhares de vítimas mundo afora.
         Trabalho em Penápolis(SP) há apenas três anos e meio, mas penso que nunca tinha havido manifestação explícita de intolerância como a protagonizada pelo Sr. Fernando Costa Fernandes por meio do texto “Casamento Homoafetivo”, publicado nos jornais “Interior” e “Diário de Penápolis” de 18/10/2012.
         Diante da gravidade das publicações, já remeti cópias delas à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, à Secretaria de Justiça e Cidadania e São Paulo, ao egrégio Supremo Tribunal Federal e ao egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, para conhecimento e eventuais providências.
         Não discuto decisões que tomo no exercício da judicatura. Para contrariá-las existem recursos previstos em lei. Anoto apenas que não posso fundamentar nada com base na Bíblia ou em qualquer outro texto religioso, mas apenas na Constituição, na legislação infraconstitucional e também nos tratados e convenções internacionais de que o Brasil é signatário.
         Também não pretendo convencer ninguém da adequação de se legalizar o casamento homoafetivo, muito menos o Sr. Fernando. Não quero ficar dando “murro em ponta de faca”. Os comentários que seguem terão o condão apenas de comprovar que não houve mera regular manifestação do pensamento.
         Causou-me espanto não o posicionamento contrário ao casamento homoafetivo, que eu receberia com o respeito se tivesse sido equilibradamente exposto, mas a agressividade do pronunciamento e o ódio que o articulista, que sequer conheço, dirigiu à minha pessoa e à instituição “Poder Judiciário”, do qual, com muita honra, faço parte.
         Meu currículo já é bem conhecido e não tenho necessidade de fazer autopromoção. Também não preciso ficar afirmando que tenho orientação sexual heteroafetiva porque isso não interfere nas minhas convicções e ninguém tem nada a ver com isso.
         A publicação do texto, no meu entender, materializou infrações penais contra a minha honra, pelo que representei ao Ministério Público, no mesmo dia, por providências, bem como estou cogitando outras medidas legais.
         O representado tentou dar roupagem de mera crítica embasada no direito de expressão ao discorrer sobre duas decisões por meio das quais, na condição de Juiz Corregedor do Cartório de Registro Civil de Luiziânia(SP), autorizei conversões de uniões estáveis homoafetivas em casamentos. Ocorre que não se contentou em debater idéias. Tanto isso é verdade que, na parte final, já previu que poderia ser acionado judicialmente, evidenciando seu dolo e admitindo seus excessos e a ilegalidade da sua iniciativa.
         Até tentou minimizar a gravidade da sua tese extremista, reconhecendo que as minhas decisões tinham amparo legal, muito embora tivesse dito que delas decorreriam “maléficos e catastróficos riscos danosos à sociedade” (é inegável o estilo “bate, depois alisa”, do artigo).
         Afrontou a instituição “Poder Judiciário” (resvalando, inclusive, no Ministério Público, ao citar o Promotor de Justiça Fernando Cesar Burghetti, que opinou pelos deferimentos dos casamentos), cuja intervenção tem sido cada vez mais essencial à preservação do regime democrático e à fruição dos direitos constitucionais por parte dos hipossuficientes e discriminados.
         Em dado momento, o articulista tachou todos os Srs. Ministros da mais alta Corte de Justiça do País, assim como este subscritor, de covardes, imorais e antiéticos. Imputou-nos falta de “coragem jurídica, civil e moral de confrontar seguimentos minoritários”. Sustentou que aquiescemos “à imoralidade em nome da legalidade (...) visando angariar a simpatia das pessoas ligadas aos movimentos GLTB’s”. Afirmou que aderimos à “mentalidade pós-cristã, que tem solapado a nossa sociedade e amaldiçoado violentamente as famílias, as crenças, a moral cristã, as instituições sociais, as organizações religiosas e a sociedade brasileira”.
         Veja-se que não se restringiu aos conteúdos das decisões, mas ofendeu as pessoas dos julgadores, dentre eles, este subscritor, que foi escrachado publicamente, classificado como Magistrado incapaz de decidir com imparcialidade, despreparado, imoral, e que, no entender do articulista, ao julgar, procura agradar um ou outro, o que não posso admitir e o que deverá ser severamente reprimido.
         A falta de ponderação do representado e a falta de tecnicidade do texto saltaram aos olhos a partir do momento em que, ao comentar argumento utilizado pelo eminente Ministro Ayres Brito, do egrégio Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é vedada qualquer discriminação em função da preferência sexual, o articulista o classificou como uma “distorção aviltante, catastrófica e satanizada na interpretação do preceito legal” [que no caso foi o art. 3º da Constituição Federal].
         Ao classificar a decisão do Supremo como “famigerada e diabólica aberração, que na verdade, serve de escudo para a poltronaria do egrégio colegiado do STF, bem como dos demais magistrados, que se broquelam no efeito vinculante”, o representado novamente depreciou este Magistrado, dando a entender que não se preocupou em promover a detida apreciação de cada caso e se limitou a se alicerçar na decisão da última instância, que, em verdade, muito embora a informação tenha sido omitida, apenas reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo e lhe outorgou os mesmos efeitos da união estável regida pela Lei 9.278/1996, não tendo tratado, especificamente, nem de casamento homoafetivo direto, nem da conversão de união homoafetiva em casamento (confira-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, decidida aos 5/5/2011, por unanimidade, com eficácia “erga omnes” e efeito vinculante para que todos os Magistrados decidam no mesmo sentido).
         O representado até chegou a dizer, contraditoriamente, que não é contra os homossexuais (?!), muito embora tivesse externado verdadeira fúria ao afirmar que eles “cometem pecado, torpeza e perversão”, e que jamais os admitiria “como membros da Igreja Evangélica Denominada Primeira Batista em Penápolis”, o que é remediável, na medida em que outras igrejas e crenças se dispõem a destinar respeito, conforto e ensinamento verdadeiro àqueles seres humanos.
         Em dado momento, o articulista tornou a evidenciar a sua repugnância às pessoas dos eminentes Ministros e deste profissional, recomendando que consultassem a Bíblia e novamente os descrevendo como desprovidos de equidade, parciais e incompetentes, que decidem com base na “ética de situação, (...) no existencialismo orientado pelo que se imagina ser politicamente correto”. Generalizou nossa forma de trabalhar e fomos praticamente endemoninhados.
         Ainda não satisfeito, exteriorizou todo o seu ódio com deboche, afirmando que os Magistrados do STF e este julgador lançaram “maldição sobre as futuras gerações de Penápolis” e, expondo, no seu dizer, como um “profeta da desgraça”, que Penápolis(SP) passaria de “Princesa da Noroeste” a “drag queen”.
         O seu apelo final reforçou a intenção de incitar os leitores à homofobia e de jogar a comunidade religiosa contra este Juiz de Direito, e escancarou a pessoalidade das ofensas e o distanciamento do texto da mera “opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica” protegida pelo ordenamento (art. 142, inc. II, do Código Penal): “creio e penso que o homossexualismo e a homossexualidade são pecados abomináveis aos olhos de Deus, assim como creio que Deus (...) tem poder para libertar e curar os homossexuais desta escravidão espíritoexistencial que flagela o ser e que lança terrível, catastrófica e abominável maldição sobre a sociedade e às futuras gerações, ao contrário do que argumenta Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira”.
         Está claro, com a devida vênia, que o representado extrapolou o direito de manifestação do pensamento, desrespeitando autoridade judiciária em razão do exercício da função, ofendendo-lhe a honra sem qualquer necessidade, já que seu ponto de vista poderia ter sido exposto de outra maneira, com educação, urbanidade, respeito, enfim, com observância dos ensinamentos morais, éticos e religiosos que ele alegou que costuma observar e divulgar, mas que, verdadeiramente, foram atropelados.
         Nem de longe detectei a “sensatez” que o colunista Gilson Ramos, Diretor do Jornal Interior, fez questão de “aplaudir” por meio de nota inserida na mesma página do artigo (o que não costuma ser usual, diga-se de passagem, uma vez que comentaristas normalmente se reportam a publicações de edições anteriores e não sobre as constantes na mesma edição). Falo do mesmo Gilson que, na edição de 23/10/2012 do jornal “Interior”, solicitou que posicionamentos sobre o assunto que, no seu dizer, “está rendendo”, “sejam sempre respeitosos”...
         Em suma: este subscritor passou de julgador a réu. A sua forma de atuar, a sua imparcialidade, a sua ética, a sua lisura no proceder, o seu profissionalismo e toda a sua experiência de 15 anos de atividade jurídica foram lançados na lata de lixo pelo Sr. Fernando. As suas qualidades pessoais e profissionais foram violenta e propositalmente atingidas por quem fez questão de agredir, de uma só vez, num só dia, por meio de dois dos três jornais locais, fazendo publicar texto longo que, aliás, se distanciou dos padrões usuais de espaço destinados à participação de leitores (e que justificou resposta na mesma medida).
         Isso posto, adiantando que não alimentarei polêmica, faço questão apenas de informar a quem se indignou (sou grato pelo apoio que já recebi de muitos), que solicitei a deflagração de persecução penal tendente a apurar crimes contra a minha honra, nunca antes aviltada sem motivo algum e com tamanha brutalidade.
         Era o que tinha a fazer. Eu não poderia silenciar depois de ter me tornado, na condição de Juiz de Direito, mais uma vítima da intolerância contra a qual sempre lutarei, custe o que custar, doa a quem doer.
         Afinal de contas, tal como sustentava o saudoso Hely Lopes Meirelles: “A timidez da autoridade é tão prejudicial quanto o abuso do poder. Ambos são deficiência do administrador, que sempre redundam em prejuízo para a administração. O tímido falha, no administrar os negócios públicos, por lhe falecer fortaleza de espírito para obrar com firmeza e justiça nas decisões que contrariem os interesses particulares; o prepotente não tem moderação para usar do poder nos justos limites que a lei lhe confere. Um peca por omissão; outro, por demasia no exercício do poder”.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
(publicado no jornal Regional Penápolis de 25/10/2012)

21 de out. de 2012

E daí que ouço Racionais?

E daí que ouço Racionais?
            Em matéria de música, escuto de tudo um pouco. Ora gosto da melodia, ora me interesso pela letra, ora me divirto com as duas. A depender da ocasião, elejo um ritmo. A batida forte às vezes me distrai, faz a diferença. Afinal, meu ofício requer silêncio o dia todo.
            Tem quem seja mais exigente, selecione alguns gêneros musicais e ignore outros, porém, os respeite. E tem gente que é radical: não gosta de certas músicas e não admite que ninguém goste. Tem prazer em criticar, parecendo se incomodar com a alegria alheia, talvez, pela frustração de não se satisfazer com suas próprias escolhas (quiçá, de não se divertir com nada...).
            O fato é que o desrespeito às preferências alheias é corriqueiro, mas precisamos superá-lo, sermos nós mesmos, independentemente de padrões que a sociedade tente nos impor. A assertiva não tem a ver apenas com gosto musical.
           Foi pensando nisso que decidi escrever para dizer que escuto Racionais MC’s. Nossa, mas Juiz não tem de ouvir apenas MPB, jazz ou clássica? É preciso desmistificar mais esse equívoco. Tempos atrás escrevi sobre tatuagens e a repercussão, em geral, foi muito positiva...
            Mas tem alguma coisa demais eu assumir que também ouço rap? O tema merecia um artigo? Sim, pois para a nossa sociedade cheia de “regrinhas de conduta” e estereótipos, só pode “curtir” esse “som” o morador da periferia ou o bandido. Afinal, um Juiz, por ser uma pessoa “estudada”, teria de ter gosto mais “refinado”, não é mesmo? Claro que não! Foi por isso que se justificava o meu relato, cujo objetivo é, mais uma vez, induzir reflexão sobre a conduta dos Magistrados.
            Fui Delegado de Polícia por mais de 9 anos e não tolerava o rap. Afinal, algumas letras enfatizam que a polícia comete abusos, bem como fazem apologia ao crime e ao consumo de drogas. A minha intolerância tinha a ver com a profissão (muito embora nem todos os policiais sejam contrários ao gênero) e também com a idade. Mas fui refletindo e amadurecendo...
            Tornei-me Juiz e, objetivando reciclar idéias, resolvi ouvir as “rimas” com mais atenção. Não se discute que há trechos melancólicos e derrotistas que, em tese, teriam de ser ignorados. Às vezes é cômodo dizer que “o sistema” não permite que pobre progrida, especialmente quando lhe falta força de vontade. Mas foi justamente por conta de afirmações dessa natureza que me interessei em ouvir os Racionais e outros rimadores. Há também mensagens para que jovens se afastem do crime e das drogas, porque essa vida não compensa. Na verdade elas preponderam. O mais importante é que a realidade vem à tona sem cerimônia.
            Na condição de filho amado de família estruturada (que não tinha dinheiro, mas me deu exemplo e incentivo), era natural que eu achasse um exagero a forma de protesto retratada no rap. Mas, ao passar a ouvir com atenção as letras, percebi que seria importante para mim, na condição de julgador, colocar na balança certas impressões que eu tinha sobre as reclamações do povo da periferia.
            As letras são muito inteligentes (muito mais do que muitos dos ritmos, digamos, mais tolerados). Até Shakespeare já foi citado. Os trocadilhos surpreendem. Trazem muitas verdades. O sistema realmente não ajuda muito as pessoas das favelas a progredirem. Não que isso seja justificativa para infringirem a lei; não é isso que estou defendendo! Penso apenas que a falta de apoio da família, a falta de bons conselhos e de uma boa conversa dentro de casa, mais do que a insuficiência de recursos financeiros, realmente é um complicador para que filhos trilhem o bom caminho. Tanto isso é verdade que filhos de famílias abastadas muitas vezes decepcionam. E os Racionais abordam o tema com maestria.
            Outras verdades (no meu entender) são “cantadas” abertamente: (i) há mesmo servidores públicos corruptos que espalham pânico (embora pequena minoria); (ii) o Estado realmente precisar dar mais atenção aos pobres com antecedentes criminais; (iii) a mídia cada vez mais “obriga” as pessoas a serem bem-sucedidas e a possuírem determinados bens materiais, o que certamente estimula prática criminosas pelos que não detêm recursos e não são bem orientados sobre os valores mais importantes; (iv) negros, infelizmente, ainda sofrem preconceito e discriminação (em uma das canções o interlocutor se diz “pós-graduado em tomar geral”); (v) alguns jovens ricos, em virtude do descuido da família e/ou da má-índole, desperdiçam futuros promissores, elegem bandidos como heróis e se enveredam na vida do crime para satisfazerem suas frustrações; (vi) está cada vez mais difícil confiar nas pessoas; (vii) o meio onde se vive não é tudo, mas tem grande influência na formação da personalidade; (viii) a felicidade é um estado de espírito que nem sempre depende da classe social que se integra e dos recursos que se possui; (ix) a vida deve ser aproveitada dia-a-dia e com intensidade.
            Escutar essas histórias, parece que não, interferiu positivamente no exercício do meu mister. Passei a interpretar fatos e a analisar pessoas também sob essa ótica. Não é que eu tenha me sensibilizado ou que tenha ficado mais ou menos tolerante ao crime, que continua merecendo, da minha parte, na justa medida, a resposta que a lei prevê. Simplesmente passei a refletir mais e com constância sobre os problemas que as pessoas enfrentam e sobre o que interfere na sua forma de agir, o que, para mim, já foi uma vitória. E refletir levando em conta não só as idéias predominantes, mas também idéias novas, é fundamental não só para o exercício da profissão, mas para se viver melhor. Afinal, toda tese tem sua antítese. A nossa verdade pode ser ou não melhor do que a verdade do outro. Talvez o terceiro é quem esteja certo...
            Dito isso, pergunto: e daí que ouço Racionais?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
www.twitter.com/adrianoponce10
(publicado no Correio de Lins de 24/10/2012)

16 de set. de 2012

Expressões diferentes em demandas judiciais

Expressões diferentes em demandas judiciais
         No exercício da Magistratura eu tenho colecionado expressões redigidas com termos e formatos pouco usuais, algumas, pitorescas.
         Já houve que sustentasse “atempramento da recorrência” apenas para dizer que o recurso não foi manejado no prazo.
         Os Códigos recebem variados nomes, inclusive “pergaminho de ritos”.
         A decisão liminar já foi referenciada como aquela prolatada “longe dos holofotes do contraditório”. Mais do que a “fumaça do bom direito” (requisito jurídico), já se sustentou o “incêndio do bom direito” para enfatizar a urgência.
         Já se abusou da língua estrangeira (cujo uso é vedado pela legislação), ao se afirmar: “Pretende o autor que se lhe sejam fixados, como num “coup de magique”, danos morais...” (golpe de mágica).
         A natureza sempre é fonte inspiradora. O sol é o campeão de menções: “causa estranheza nesse subscritor o nobre autor, mesmo claro como a luz solar, diante da escritura...”. Já se falou do mar: “os fatos [...] comprovam oceanicamente que a negligência e a desídia para com a autora...”. A terra não tão firme foi citada: “esta ação sedimentada na malícia está fundada em areia movediça”. Certa vez se ponderou que “o que não está escrito o vento leva” para se rebater tese de que teria havido contrato verbal num certo sentido. E também que “a ré não juntou nenhum documento que comprovasse as suas alegações, portanto não passam as mesmas de meras conclusões ‘catadas ao vento’”.
         O mundo animal não ficou de fora: “Como a autora colocou o carro na frente dos bois, fato que deve ser repudiado por Vossa Excelência...”; “falar até papagaio fala! O duro é provar o que se alega a respeito de outrem”.
         Um Advogado alegou “desintencional cochilo da sua parte” para justificar uma falha.
         Uma petição foi ofertada por parte que se dirigiu à “dilúcida presença de Vossa Excelência para...” (dilúcido = lúcido, claro).
         Em vez de “licitação”, já se fez referência a “conclave”; em vez de “síntese”, já se falou em “epítome”.
         Termos técnicos às vezes não são pesquisados: “A durabilidade de tempo de vida dos espermas do autor é pequena” (esperma é o líquido que contém os espermatozóides).
         Há expressões que de tão rebuscadas se tornaram engraçadas: “Os plúmbeos argumentos trazidos pela autora não refletem a real luz da exatidão”; “feita essa preleção introdutória do espanque, ponto-a-ponto, formula-se o açoite” (ou seja, passa-se à defesa).
         Em ações penais muitas vezes surgem argumentos nada técnicos que não contribuem para os desfechos, mas retratam apenas desabafos: “não será a condenação desses dois pobres coitados que farão cessar toda sorte de irregularidades que ocorrem por todos os Detrans do Brasil” (sic). Houve quem tentasse sensibilizar o Magistrado, reclamando de estar “recolhido a um dos cubículos da cadeia pública desta cidade”.
         Por falar em crime, já li que “o embargante atira para todos os lados, como se fosse uma metralhadora descontrolada”.
         Referindo-se ao fato de o Ministério Público ter ajuizado ação de improbidade, a defesa fez questão de asseverar: “ninguém provocou oficialmente o Promotor Público [...] de modo que a provocação certamente foi como se costuma dizer na gíria ‘de orelhada’”.
         Equipamentos já foram criados pela imaginação de bacharéis: “Na verdade o cálculo – fls. 19 – demonstra isto sim que para se chegar aos 297 Kwh foi utilizado o chamado, no popular, “computador tupiniquins” ou “chutômetro”.
         A versão de uma ré já foi classificada pelo acusador como “papainolesca”...
         E como a criatividade do ser humano é inesgotável, brevemente haverá mais a relatar...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
twitter.com/adrianoponce10

A boa prática jurídica favorece a prestação jurisdicional

         Sempre defendi que peças judiciais devem ser redigidas de forma clara e objetiva, evitando-se, dentro do possível, termos e expressões que dificultem a compreensão por parte dos operadores do Direito e principalmente por parte do jurisdicionado, que é o destinatário final do nosso trabalho. Até mesmo a imprensa pode se confundir diante de uma redação muito rebuscada ou que abuse do chamado “juridiquês”.
         Peticionar exige técnica. Não se pode ficar refém de modelos (tem gente que não sabe fazer nada sem o seu “pen drive”). Ao se recorrer a modelos, é preciso se perguntar o porquê de cada assertiva e consultar os artigos de lei para não citar dispositivos revogados, o que já constatei.
         O excesso de trabalho a que se submetem os profissionais exige que as manifestações sejam concisas e que somente se transcrevam precedentes jurisprudenciais sobre questões mais controvertidas (e não sobre entendimentos já pacificados). Não há tempo para ler “tratados”.
         Em alguns casos, anexar cópia do julgado em vez de transcrevê-lo pode evitar que a leitura da peça jurídica seja dificultada. Introduzir muita coisa na petição pode favorecer que pontos realmente importantes passem despercebidos.
         Particularmente, adoto impressão na frente e no verso e oriento meu cartório a fazê-lo, pois dessa forma reduzimos o consumo de papel e os processos ficam menos volumosos. Assim agindo, também reduzimos o custo do arquivo permanente que é terceirizado pelo Tribunal e que se baseia na quantidade de papel arquivado. Parece que não, mas o impacto de se compulsar um processo mais “fino” é menor. Há uma tendência em se esperar mais para analisar processos mais volumosos, já que, pelo menos em tese, a apreciação requer mais tempo disponível. Seria interessante que a impressão nos dois lados se difundisse mais...
         Ainda falando nas petições, muitas vezes estão acompanhadas de dezenas de cópias de documentos. Nesse caso, é salutar que os documentos sejam numerados e que a cada referência que se faça a eles, se apontem os respectivos números. Além disso, não custa destacar, com caneta do tipo “marca-texto”, as informações mais relevantes que constarem nos anexos. Mais de uma vez eu já oficiei à Ordem dos Advogados elogiando atuações de profissionais bem organizados sob esse ponto de vista. A razão é simples: há casos em que as dezenas ou centenas de papéis não recebem qualquer tipo de identificação, o que demanda o dobro ou o triplo do tempo e do esforço para a sua análise. Essa análise fica extremamente prejudicada quando os anexos são simplesmente “despejados” no processo sem que haja um roteiro. Por falar em roteiro, vários documentos justificam um índice, não é mesmo? Muitas vezes o profissional acaba não conseguindo se fazer entender tão-somente por não observar tais dicas e o cliente pode sofrer muitos prejuízos.
         Ainda sobre os documentos “despejados”, não é demais ressaltar que muitos deles não interessam à discussão. Recentemente eu solicitei à parte que informasse o objeto de outra demanda para eu analisar se eram coincidentes. Em resposta, ela anexou cópia integral do outro processo. Justificando a dificuldade de manuseio, o desinteresse, o prejuízo ambiental e o custo de arquivamento, determinei que mais de 150 folhas fossem desentranhadas (retiradas) e remetidas para reciclagem...
         As folhas de suporte devem ser utilizadas apenas quando houver risco de a perfuração do documento a ser juntado interferir no entendimento do seu conteúdo. Já calculou o prejuízo de material, de espaço e de tempo que decorre do procedimento de ficar desdobrando folhas coladas em outras folhas sem necessidade alguma para conseguir ler seu conteúdo?
         De resto, também recomenda a boa estética que se evite o uso de várias fontes do editor de texto. Os destaques devem recair somente sobre trechos de fato importantes, preferencialmente com a adoção de um só tipo de recurso (negrito, itálico ou sublinhado).
         Por fim, o uso do corretor ortográfico do editor de textos não consome mais do que poucos minutos e gera muitos benefícios. Afinal, a redação truncada também pode impedir a compreensão e o que não é compreendido não será atendido. Tratando-se de situação muito complexa, não custa nada pedir a alguém que leia a petição e diga se está compreensível antes de encartá-la ao processo.
         As dicas versam a prática judiciária, mas se aplicam a outras atividades. Na era da comunicação digital, é preciso gradativo desapego ao papel e é necessário fazer uso racional dele. Deve-se conciliar a agilidade da comunicação com qualidade. É preciso se fazer entender. Tudo é questão de reeducação e de reflexão sobre como estamos nos portando e sobre como podemos melhorar.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
www.twitter.com/adrianoponce10
(publicado no Correio de Lins de 3/10/2012)

Juiz tatuado?

         Não faz muito tempo que resolvi fazer tatuagens. Não foi uma decisão difícil não, pois achava legal e concluí que não havia, como de fato não há, impedimento algum. Eu queria também provar para mim mesmo que tinha me livrado de uma pitada de preconceito que tinha na época da atividade policial. E talvez ajudasse outras pessoas a desmistificarem certas impressões...
         Geralmente a primeira reação de quem toma ciência das “tatoos” é a de surpresa. Afinal, há algum tempo atrás não se cogitava que um Magistrado fosse tatuado. Aliás, a sociedade, de maneira geral, atrelava a tatuagem ao delinqüente.
         O preconceito e a discriminação contra os tatuados estão sendo gradativamente reduzidos. A prática se difundiu e as pessoas estão se acostumando com as tatuagens e se convencendo de que não passam de adornos.
         Eu mesmo me perguntei, no dia seguinte ao do início do desenho: será que quem me avistar na rua vai pensar que eu não presto só por causa da tatuagem? Será que ontem eu era pessoa de bem, cumpridora dos deveres, e hoje, apenas por conta do desenho, já não tenho valor algum, já não sou digno de respeito e confiança? Pior que para alguns é exatamente isso...
         O grande problema é que as pessoas firmam convicções sobre outras mais pela aparência do que pelo caráter. E é por isso que estelionatários bem trajados e articulados fazem a festa!
         Recentemente um candidato ao cargo de Soldado PM 2ª Classe foi reprovado porque a tatuagem era maior do que a permitida pelo edital e o Tribunal paulista o reintegrou ao concurso (Apelação nº 0030009-93.2010.8.26.001). O mesmo Tribunal condenou quem fez tatuagem em menor de 18 anos sem consentimento dos pais pela prática de lesão corporal grave pela deformidade permanente (Processo 0008522-88.2009.8.26.0070). Mas o objetivo aqui não é estimular ninguém a se tatuar ou alertar para os riscos, pois cada um tem seu livre arbítrio e sabe se poderá ou não sofrer prejuízo, especialmente no campo profissional. Quero apenas relatar situações curiosas que já vivenciei em audiências.
         Certa vez, ouvindo um usuário de drogas, queria saber dele se tinha adquirido maconha do réu acusado de tráfico. Ele confirmou. Eu perguntei se tinha sido a única vez e ele respondeu afirmativamente. E assim prosseguimos dialogando: Mas você já sabia que ele vendia? Não senhor! Ele ofereceu? Também não. Mas então como é que a compra se consumou? Doutor, eu estava na fissura. Entrei num bar e avistei quatro “caras” sem camisa, todos tatuados, e logo pensei: esses caras devem vender o bagulho! Com a insinuação, por parte do próprio usuário, de que só pelo fato de ostentar tatuagens (inclusive no mesmo local em que tenho a minha), os indivíduos poderiam ser traficantes, o Escrevente e o Promotor discretamente sorriram para mim. Surpreendido com o raciocínio do dependente, respirei fundo para não rir e prossegui, prevendo que na minha carreira ainda enfrentaria momentos hilários por conta das tatuagens. Encerrada a audiência, diante apenas dos servidores, eu refleti: será que algum dia alguém vai perguntar para mim se eu vendo o “bagulho”? A risada foi geral...
         Noutra oportunidade um réu acusado de estelionato lamentou muito por ter voltado a infringir a lei. Confesso, ele fez de tudo para demonstrar arrependimento e tradicionalmente pedir uma nova oportunidade para voltar ao convívio social. Ao final, suplicou: “Meritíssimo, só espero que me dê uma chance e que não me julgue pelas tatuagens que tenho pelo corpo!”. O mesmo Escrevente e o mesmo Promotor olharam para mim e aguardaram a minha reação. Não tive dúvida: fiquei de pé, exibi a tatuagem até então escondida sob a camisa e acalmei o interrogando: “fique tranquilo rapaz, só pelo fato de ser tatuado você não será condenado não”... Ninguém esperava que eu pudesse fazer aquilo. Mas a minha atitude reduziu a tensão e quem estava presente, ao mesmo tempo em que ficou surpreso, reagiu positivamente. Fiquei sabendo até que a Advogada depois elogiou a minha postura...
         Em outras oportunidades nas quais criminosos foram reconhecidos pelas vítimas e testemunhas principalmente por causa de tatuagens identificadoras, também tive de me controlar porque achei graça dos meus colegas de trabalho, que não perdem a oportunidade de fazer seus comentários bem-humorados sobre o elo que ainda existe entre a tatuagem e o mundo do crime, tudo para me provocar.
         O fato é que além de eu ter feito o que desejava sem me preocupar com julgamento alheio (mesmo porque não prejudicaria ninguém), parece que ainda me divertirei bastante com isso tudo...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
www.twitter.com/adrianoponce10
(publicado no sítio Consultor Jurídico aos 12/9/2012)

10 de set. de 2012

Pena máxima de 30 anos

Pena máxima de 30 anos
         A revista Isto É de 10/8/2011, p. 26, noticiou:
6.060 anos de prisão é a condenação dada a quatro oficiais do Exército da Guatemala em julgamento histórico no Tribunal de Alto Risco daquele país. Mais de 28 anos após o crime, eles foram responsabilizados pela morte de 201 trabalhadores rurais no povoado de Dois Erres. Esse foi um dos mais violentos massacres da guerra civil guatemalteca (1960-1996).
         Não sei como funciona na Guatemala, mas nosso Código Penal estabelece: "Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. § 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo". Quando a imprensa noticia que alguém foi condenado a 200 anos de prisão, em verdade esse montante somente será útil para o cálculo de benefícios, como, por exemplo, a progressão do regime. O percentual de pena para progressão será calculado com base no total. De resto, o sentenciado não poderá ficar mais do que 30 anos encarcerado.
         O Diário de São Paulo de 9/9/2012, na pág. 14, caderno de esportes, noticiou:
'Filha' de Barbosa deseja leiloar trave. Tereza Borba, que cuidou por cerca de oito anos de Barbosa, goleiro da seleção na Copa de 1950 e falecido em 2000, pretende leiloar um pedaço da trave que seria do Maracanã no Mundial, doado por um historiador. Ela busca recursos para reformar o túmulo e fazer uma homenagem. "Quero uma estátua dele com uma bola na mão", disse Tereza. Barbosa foi apontado como o vilão da derrota para o Uruguai na decisão da Copa. Ele dizia que era o único brasileiro a cumprir mais de 30 anos de pena, limite do Código Penal, pelo "crime" cometido.
         Realmente há situações que marcam pessoas por muito mais do que 30 anos... O estranho é que a sociedade muitas vezes se esquece e “perdoa” crimes graves, muitas vezes vota novamente em políticos sabidamente desonestos, mas muitas vezes se apega a simples erros de pouco relevo como o que foi relatado na reportagem...

7 de set. de 2012

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124
Já determinei registro da paternidade reconhecida por preso durante interrogatório criminal. Não importa a circunstância do reconhecimento.
125
O STJ decidiu que o credor tem 5 dias para comunicar que recebeu a dívida aos bancos de dados de devedores.
126
Incumbe a quem requer benefício assistencial comprovar que a família não tem condições de socorrê-lo. Deve relatar situação dos filhos.
127
A gestante tem direito ao salário-maternidade se conservar a condição de segurada, não importando que esteja desempregada.
128
É mantida a qualidade de segurado até 12 ou 24 meses após a cessação das contribuições, a depender do caso (art. 15 da Lei 8.213).
129
A parte autora é ilegítima para a monitória se o cheque, nominal a terceiro, não foi endossado em seu favor.
130
Se a ilegitimidade ativa não foi percebida pelo Advogado adversário, isso deve interferir na fixação dos honorários sucumbenciais.
131
Se a parte reclamou da capitalização diária de juros, entendo implícita a discordância da capitalização diária, que deve ser rechaçada.
132
Se o banco não junta contrato de abertura de conta, há motivo para proibição de capitalização mensal de juros (falta de amparo contratual).
133
Nos embargos de terceiro, o embargante, mesmo vencedor, responde pela sucumbência se demorou para registrar imóvel, ensejando a penhora.
134
Todo mês um sentenciado vai ao meu cartório esclarecer suas ocupações usando a camisa do Corinthians... Justo do Coringão poxa vida! hahaha
135
O episódio de 6/9/2012 da “Grande Família” o Juiz Beiçola mandando Agostinho e Bebel decidirem a guarda do filho no “par ou ímpar” hahaha http://tvg.globo.com/programas/a-grande-familia/programa/platb/2012/09/06/floriano-fantasia-que-sua-guarda-esta-sendo-disputada/
136
Beiçola abandonou Advocacia por causa do apelido. Divirtam-se: http://www.youtube.com/watch?v=judoDA38X7I.
137

Beiçola abandonou Advocacia por causa do apelido

Beiçola abandonou Advocacia por causa do apelido - Vejam só a notícia abaixo, que trata de episódio de “A Grande Família” sobre o fato de Beiçola (Dr. Abelardo) ter abandonado a Advocacia por causa do apelido. Muito legal... O episódio completo está em http://www.youtube.com/watch?v=judoDA38X7I. Divirtam-se!
No quinto minuto ele discute com outra Advogada em audiência e o Juiz o chama de Beiçola hahaha

Lineu se arrepende de ter apelidado Beiçola na infância
Televisão / A Grande Família
Globo
05/07/2012 18h00

Quem nunca colocou um apelido provocante no outro que jogue a primeira pedra. No próximo episódio de A Grande Família, Beiçola ganha o codinome de “beiçobra” devido à qualidade dos alimentos vendidos em seu estabelecimento. E o novo apelido aumenta nele a antiga angústia de ser taxado por terceiros. Lineu (Marco Nanini) acaba se arrependendo de ter desencadeado a infâmia do amigo ao batizá-lo, no passado, de Beiçola.
O problema é que ninguém sabe o futuro promissor que Beiçola, um bacharel em direito, poderia ter tido sem a sombra desse nome. Ele abandonou a carreira jurídica em sua última ida ao tribunal, após a advogada adversária (Stella Maria Rodrigues) o chamar pelo apelido e caçoar dele na frente do juiz (Luciano Pullig).
Mas menos gente ainda ousaria imaginar que foi Lineu quem o batizou. Pai de família sério e funcionário público correto, o fiscal planeja uma forma de se redimir com o amigo e provar o potencial dele como advogado.
O episódio ‘Crueldade é Apelido’ tem redação de Bíbi Da Pieve, Maurício Rizzo, Max Mallmann, Bernardo Guilherme e Marcelo Gonçalves. A direção do episódio é de Olívia Guimarães, a direção geral é de Luiz Felipe Sá e a direção de núcleo é de Guel Arraes. A Grande Família é exibida às quintas-feiras, logo após Avenida Brasil.

6 de set. de 2012

Índice de textos postados até 2/9/2012

Postei esse índice recentemente. Confira. Veja também a sentença sobre o casamento homoafetivo. O objetivo principal do blog é divulgar textos, muito embora eu esteja divulgando também o que venho postando no twitter.

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116
Se a parte não recolheu as custas iniciais, pode haver cancelamento da distribuição sem que ela seja intimada.
117
Antes da citação, cabe cancelamento da distribuição se as custas adicionais não forem recolhidas.
118
Depois da citação, se restarem custas iniciais a serem recolhidas, a inércia configura abandono e causa extinção do processo.
119
O Advogado não precisa ser intimado da data da audiência no Juízo deprecado, mas apenas da expedição da precatória.
120
Ainda que o réu reconheça o pedido do autor, pelo princípio da causalidade deve responder pela sucumbência.
121
Não cabe ao Juízo fazer vista dos autos a determinado Promotor, mas apenas entregá-los na Secretaria do MP.
122
O ajuizamento de interdição por pessoa que não seja da família e que deseja ser curadora deve ser justificado.
123
É possível resolver o incidente de impugnação ao valor da causa relegando para momento posterior a fixação dele quando não há subsídios.

5 de set. de 2012

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Postagens recentes no www.twitter/adrianoponce10
91
Comunicação de ofensa eleitoral que não individualiza situações é inepta. O Juízo não pode conferir anexos para tentar entendê-la.
92
Se a reclamação sobre ofensa eleitoral não é clara, a Autoridade não tem como definir o que pode ser feito e nem mesmo avaliar se procede.
93
Se rádio veicula propaganda eleitoral na programação normal, esta pode ser suspensa liminarmente por 24 horas (art. 56 da Lei 9.504/1997).
94
Advogado dativo pode contestar por negativa geral, deixando de enfrentar o mérito, sem ensejar prejuízo processual ao assistido.
95
Parte que, intimada, não junta procuração, gera extinção do processo pela falta de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido.
96
Se contrato de locação de máquinas agrícolas apenas disfarçou efetiva prestação de serviço de colheita, incide o imposto sobre serviços.
97
Jingle de campanha que apenas traz expressões como “chega de corrupção” e “chega de promessas” não individualiza ofensa a ninguém.
98
Embargos de terceiro devem especificar exatamente o bem que se deseja proteger, não bastando relatar que houve constrições indevidas.
99
O valor da causa, na revisional de alimentos, deve corresponder a anualidade da diferença entre a pensão paga e a que se pretende pagar.
100
Não é conveniente conexão de ações penais quando isso possa acrescentar um réu à demanda em que haja réu preso e esteja prestes a se findar.
101
A emissão de cheque bem depois do encerramento da conta é fundado indício da prática de estelionato, mesmo que seja pós-datado.
102
Interessante a “teoria da perda da chance”, invocada contra Advogados acusados de errarem e prejudicarem clientes em demandas judiciais.
103
Perda de tempo: O TJ anulou minha sentença sobre “prescrição antecipada”, tive de enfrentar o mérito e impus pena que gerará prescrição.
104
Fracionar o objeto de licitação para enquadrá-la em modalidade mais simples, de forma a prejudicar competição, infringe a Lei 8.666/1993.
105
Reconheci inépcia da inicial que não viabilizou compreensão do polo ativo. Considerei o vício insanável após a contestação.
106
É preciso ter cuidado com procurações antigas. Quem as firmou pode já não representar a pessoa jurídica. Melhor exigir atualização.
107
Constatei que a Santa Casa de Penápolis nem sabia que cobranças de DPVAT estavam sendo feitas em seu nome com base em procuração antiga.
108
Exibição de contrato de abertura de conta por quem o banco informa que não foi cliente = perda superveniente do interesse de agir.
109
Só existe ato atentatório se o executado deixou de indicar bens penhoráveis agindo com dolo. Se não tem bens, não cabe penalidade.
110
Há impossibilidade jurídica do pedido quando o mandado de segurança é impetrado para que o impetrante se lance candidato.
111
Não cabe à Justiça Eleitoral analisar os critérios que o partido utilizou escolher os candidatos que disputarão o pleito.
112
A sistemática de juros introduzida pela Lei 11.960/2009 se aplica às demandas em andamento, ainda que sentença disponha o contrário.
113
As regras que tratam de juros são de natureza processual e não material e, por isso, pode haver alteração do que foi fixado em sentença.
114
Autorizei hoje a segunda conversão de união estável homoafetiva em casamento na cidade de Luiziânia(SP). As noivas são mulheres.
115
Sentença minha sobre conversão de união estável homoafetiva em casamento: http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=1759906212350040977#editor/target=post;postID=3679253245629226289

Sentença - conversão da união homoafetiva de duas mulheres em casamento

Sentença - conversão da união homoafetiva de duas mulheres em casamento

Habilitação de casamento – Protocolo nº 000/2012 – Luiziânia(SP)
·       Oficial: Joice Feltrin
·       Pelo Ministério Público: Dr. Fernando César Burghetti

“Interessada A” e “interessada B”, ambas do sexo feminino, pretendem converter união estável em casamento.
Apresentaram a documentação de praxe.
Consta que aos 14/3/2012 requereram a lavratura de escritura pública a respeito da convivência estável desde 13/11/2011.
O pedido de habilitação foi protocolizado no Cartório de Registro Civil de Luiziânia(SP) sob nº 000/2012. Houve tramitação regular e não se detectou impedimento. A única pendência tem a ver com a coincidência dos sexos das nubentes.
O Ministério Público opinou favoravelmente ao casamento.
Os autos foram remetidos a esta Corregedoria.
Decido.
O egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, decidiu, aos 5/5/2011, por unanimidade, com eficácia “erga omnes” e efeito vinculante, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo e lhe outorgou os mesmos efeitos da união estável regida pela Lei 9.278/1996.
O voto do eminente Relator Min. Celso de Mello, de início, destacou que o Supremo estava suficientemente abastecido de informações e de posicionamentos para resolver, com segurança, a questão “sub judice”. Anotou que vários amigos da Corte foram admitidos e que essa providência contribuiu para a troca de idéias a respeito do polêmico assunto. Trouxe interessante digressão histórica da forte repressão que os homossexuais vêm recebendo desde que os tempos do Brasil colonial. Mencionou dispositivos legais que classificou como preconceituosos, discriminatórios e excludentes. Enfatizou que “ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual”; e que ao Estado é vedado editar regras que possam surtir tais efeitos. Ponderou a necessidade de dar efetividade ao princípio da igualdade, ao respeito à liberdade pessoal, à autonomia individual e à dignidade da pessoa humana, esta, apontada como “verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional”. Salientou a necessidade de rompimento de paradigmas históricos e culturais que impediam a busca da felicidade por parte de homossexuais. Adjetivou a resistência social ao reconhecimento de direitos dos homossexuais de “incompreensível”. Referenciou opiniões de juristas consagrados e decisões judiciais acerca da necessidade de se ampararem legalmente as uniões homoafetivas, diante das conseqüências jurídicas que delas podem advir. Acerca do art. 226 da Constituição Federal, externou o entendimento de que apesar não ter previsto expressamente a união entre pessoas do mesmo sexo, também não a impediu, circunstância que, somada à interpretação e incidência de outros princípios constitucionais, especialmente do “postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade”, autoriza o reconhecimento. Lembrou, apoiando-se na lição de Daniel Sarmento, que esse art. 226 foi redigido com vistas à inclusão social e que, por isso, não poderia ser interpretado de modo a discriminar os homossexuais. Transcreveu a conclusão de Luís Roberto Barroso, no sentido de que a menção à “união estável entre homem e mulher” no § 3º do art. 226 não excluiu a possibilidade de reconhecimento da união homossexual, já que adotou aquela redação unicamente porque historicamente era necessário legalizar a situação da companheira. Salientou que como o Poder Legislativo, dominado por pensamentos majoritários (acrescento, até mesmo por conveniência política, para não contrariar o eleitorado), não tem dado resposta adequada à minoria homossexual e que assim tem comprometido a busca da felicidade. Argumentou que como “o regime democrático não tolera nem admite a opressão da minoria por grupos majoritários”, o Judiciário, do qual orgulhosamente faço parte, deve atuar como poder contramajoritário, equilibrar os Poderes e garantir direitos fundamentais. Afirmou que “a opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica” e concluiu pelo “rompimento dos obstáculos que impedem a pretendida qualificação da união civil homossexual como entidade familiar”. Concordou que o afeto é elemento formador da família e que por isso precisa ser valorizado.
Esse mesmo afeto foi objeto de especial consideração no voto do Min. Marco Aurélio:
Em detrimento do patrimônio, elegeram-se o amor, o carinho e a afetividade entre os membros como elementos centrais de caracterização da entidade familiar. Alterou-se a visão tradicional sobre a família, que deixa de servir a fins meramente patrimoniais e passa a existir para que os respectivos membros possam ter uma vida plena comum. Abandonou-se o conceito de família enquanto “instituição-fim em si mesmo”, para identificar nela a qualidade de instrumento a serviço da dignidade de cada partícipe, como defende Guilherme Calmon Nogueira da Gama (Direito de família e o novo Código Civil, p. 93, citado por Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, 2010, p. 43).
O eminente Min. Ricardo Lewandowsky também proferiu voto “para que sejam aplicadas às uniões homoafetivas, caracterizadas como entidades familiares, as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que sobrevenham disposições normativas específicas que regulem tais relações”. Transcreveu trecho da discussão que envolveu a aprovação da redação do § 3º do art. 226 da Constituição para, todavia, ressalvar que a união estável somente poderia abrigar pessoas de sexos distintos. Sem prejuízo, destacou:
Muito embora o texto constitucional tenha sido taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos, tal ressalva não significa que a união homoafetiva pública, continuada e duradoura não possa ser identificada como entidade familiar apta a merecer proteção estatal, diante do rol meramente exemplificativo do art. 226, quando mais não seja em homenagem aos valores e princípios basilares do texto constitucional.
E observou:
que não se está, aqui, a reconhecer uma “união estável homoafetiva”, por interpretação extensiva do § 3º do art. 226, mas uma “união homoafetiva estável”, mediante um processo de integração analógica. Quer dizer, desvela-se, por esse método, outra espécie de entidade familiar, que se coloca ao lado daquelas formadas pelo casamento, pela união estável entre um homem e uma mulher e por qualquer dos pais e seus descendentes, explicitadas no texto constitucional.
Com a devida vênia, esses argumentos não podem fundamentar a vedação ao casamento de pessoas do mesmo sexo, já que é conseqüência do reconhecimento da união estável homossexual como entidade familiar. Não vejo como cindir o entendimento para reconhecer a possibilidade jurídica de uma e não do outro.
No seu voto, o Min. Marco Aurélio discorreu sobre a evolução da definição de família e classificou a Constituição de 1988 como “marco divisor”, pois família era só a matrimonial e a Carta promoveu o reconhecimento jurídico de outras formas familiares. A discussão dos constituintes acerca daquela que a comissão entendeu como mais adequada redação do citado § 3º somente confirmou a critica que o Min. Celso de Mello dirigiu à atuação do Legislativo: a inclusão da expressão “homem e mulher” foi proposta pelo Dep. Bispo Roberto Augusto, ou seja, foi fruto de orientação religiosa, e sabemos que posicionamentos religiosos, por mais que devam ser respeitados, muitas vezes interferem negativamente na justiça das decisões e da criação de regras.
Ademais, essa mera discussão parlamentar não pode prevalecer na interpretação do verdadeiro espírito da Constituição em amparar a dignidade da pessoa humana e em proteger a entidade familiar, base da sociedade. Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como se sabe, é o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º da Constituição Federal).
Portanto, andou bem o eminente Relator Ayres Britto quando escreveu que o “sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica”.
O art. 226 da Constituição Federal determina que se proteja especialmente a família, considerada base da sociedade, e que se favoreça a conversão da união estável em casamento:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...) § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Se o Supremo entendeu que a previsão do § 3º do art. 226 não pode ser interpretada como vedação ao reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo; e se referida conversão deve ser facilitada, entendo que nada impede o casamento civil das interessadas.
A leitura fria dos arts. 1.514 e 1.517 no que tange à necessidade de diversidade de sexos para que duas possam se casar, diante do entendimento firmado pelo Supremo, não pode obstaculizar a formalização do casamento.
E o STF apenas não tratou do casamento de pessoas do mesmo sexo porque este instituto não era objeto da ação direta, muito embora seja bastante previsível, à luz do teor dos votos da maioria dos seus Ministros, que, quando for instado, aprovará a cerimônia. Não é do feitio do Supremo antecipar discussões e processualmente a antecipação não se justifica.
Longe de promover indevido ativismo judicial (rechaçado no voto do Min. Marco Aurélio, frise-se), o Supremo apenas reconheceu uma realidade que sempre existiu. Não vislumbro qualquer risco de conseqüências danosas à sociedade, mas, ao contrário, inclusão social, aspiração maior de todo o povo brasileiro. Nem mesmo uma pretensa proteção à moralidade justificaria a negativa, diante até mesmo da dificuldade de se definir, com precisão, o seu conteúdo. Será que determinadas cenas exibidas em rede nacional no Carnaval envolvendo pessoas ditas heterossexuais, para dar apenas um exemplo, não seriam muito mais ofensivas à moralidade?
Como bem ressaltou o Min. Marco Aurélio:
(...) é incorreta a prevalência, em todas as esferas, de razões morais ou religiosas. Especificamente quanto à religião, não podem a fé e as orientações morais dela decorrentes ser impostas a quem quer que seja e por quem quer que seja. As garantias de liberdade religiosa e do Estado Laico impedem que concepções morais religiosas guiem o tratamento estatal dispensado a direitos fundamentais, tais como o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à autodeterminação, o direito à privacidade e o direito à liberdade de orientação sexual.
(...) A solução, de qualquer sorte, independe do legislador, porquanto decorre diretamente dos direitos fundamentais, em especial do direito à dignidade da pessoa humana, sob a diretriz do artigo 226 e parágrafos da Carta da República de 1988, no que permitiu a reformulação do conceito de família
(...) De nada serviria a positivação de direitos na Constituição, se eles fossem lidos em conformidade com a opinião pública dominante.
         Em suma: não tivesse havido pontual intervenção do Judiciário, talvez a insegurança jurídica que sempre preocupou os casais homossexuais não chegaria ao fim tão cedo, contribuindo para a perpetuação do sofrimento de pessoas que, não se pode negar, mesmo diante do reconhecimento do direito à união estável e ao casamento, por um longo tempo, infelizmente, ainda não estarão imunes de olhares, pensamentos e atitudes discriminatórias, e de serem tratados como se humanas não fossem. De qualquer forma, o reconhecimento do direito de constituir família, sem dúvida, contribuirá para que a sociedade gradativamente reconheça os homossexuais, efetivamente, como parte integrante.
         Restituo os autos à Sra. Oficial, para ultimar o casamento, na forma da lei, mas considerando irrelevante a diversidade dos sexos das pretendentes.
         Ciência ao Ministério Público.
                                              Penápolis(SP), 5 de setembro de 2012.

                                                Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
                                                    Juiz de Direito Corregedor