Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

8 de dez. de 2013

Um brinde aos farofeiros!



            Tempos atrás eu ouvi alguém reclamar do barulho que os farofeiros fazem quando chegam à praia e até do espaço [público] que ocupam! Muitos têm uma visão preconceituosa dessas pessoas que tanto podem nos ensinar.
        Segundo o Dicionário Aurélio, farofeiro é aquele que não reside no litoral, mas o frequenta, levando consigo aquilo que vai consumir.
            O que para uma parte das pessoas significa dificuldade, para o farofeiro é sinônimo de diversão. Ele se acomoda em qualquer lugar, pois procura ver o lado positivo do passeio. Tem entusiasmo e autoestima. Não fica lamuriando e nem se comparando ao outro. Não finge ser aquilo que não é. Não está preocupado em ostentar uma condição que não possui. Procura ser feliz com o que tem. É realista. É autêntico. Em vez de se preocupar com o congestionamento, diverte-se com aqueles com os quais se espreme num carro normalmente mais antigo e sem ar condicionado. Não se sujeita aos preços abusivos ao transportar o que vai consumir. Fica imune de riscos quando come só aquilo que ele mesmo preparou. Vive intensamente cada momento. Tem mais facilidade para se desligar dos compromissos e preocupações. Não se prende apenas ao trabalho. É criativo para contornar as dificuldades.Tem disposição de sobra para buscar a felicidade nas coisas simples da vida. É organizado e dedica parte do tempo para planejar os passeios futuros. Tem facilidade de conviver em grupo e, consequentemente, de aceitar as diferenças.Congrega crianças e idosos; reúne a família. Não tem vergonha do que é e não liga para “padrões fabricados”.E o que é mais importante: não fica preocupado com o que estão pensando dele e não se abate com a inveja e com as críticas de um ou outro que, mesmo mais abastado, não consegue se realizar na mesma medida e talvez por isso o critique.
          O farofeiro faz tudo isso, com raras exceções, sem prejudicar ninguém, muito embora a sua postura por vezes aborreça alguns. Aliás, não é tão difícil assim encontrar pessoas que se incomodam com a alegria de outras, o que é de se lamentar...
         Mas o que isso tem a ver com a nossa vida pessoal, familiar e profissional? É simples: temos de nos espelhar mais nos farofeiros.
            Não devemos nos frustrar porque não temos aquele bem de consumo que os meios de comunicação insistem que somos obrigados a possuir. Talvez ele não seja tão indispensável quanto pareça. Não precisamos protelar bons momentos da vida, pois sempre haverá alguma atividade física, profissional ou de lazer que será compatível com a nossa faixa etária, com a nossa condição física e socioeconômica e com a nossa disponibilidade de tempo. Precisamos ter em mente que até para se divertir a gente também cansa e tem de superar algumas dificuldades (juntar dinheiro; planejar; se deslocar; improvisar; aceitar o jeito do outro; reagir bem aos imprevistos; adaptar-se aos hábitos e horários das crianças etc.).
         O farofeiro às vezes faz barulho? Então façamos “barulho” também! Deixemos o marasmo de lado!
            Que tal tentar aceitar mais as diferenças, ampliar a tolerância, ter mais flexibilidade para trabalhar em grupo? Enxergar mais as oportunidades para ser feliz que estão ao seu alcance e ser grato a elas? Deixar as lamentações de lado e parar de achar que só você tem problemas ou que seus problemas são sempre maiores do que os dos outros? Sorrir mais? Dedicar mais tempo para você? Cuidar mais da sua saúde física e mental? Fazer mais do que tem feito no seu curso ou no seu trabalho? Oferecer mais ajuda e se interessarmais pelos outros? Parar de ficar pensando que determinada tarefa incumbe ao outro e não a você? Colocar em prática o que você mais discursa do que faz?
         Ter disposição para resolver as coisas da vida e conduzi-la da melhor forma é questão de treino da postura mental. Alguns têm tendência a desanimar e pode ser necessária ajuda profissional. Outros realmente enfrentam dificuldades que temporariamente abalam. Viver é realmente um desafio. Mas se não é possível que tudo dê certo o tempo todo, pelo menos que a gente tente enxergar o lado bom de cada situação e nos aprimorar com cada tropeço!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
www.direitoilustrado.blogspot.com
(texto publicado na Revista Comunica – edição de novembro/2013)

Baba-ovo



         Costumo dizer que puxa-saco comigo não tem vez. Um elogio ao chefe vez ou outra é bem-vindo se sincero, despretensioso e comedido. Mas subordinado pegajoso...
         O puxa-saco está tão presente em todos os lugares que Brasil afora são os sinônimos previstos no Dicionário Aurélio, alguns bastante curiosos: “2. Aquele que bajula; adulador, adulão, aduloso, babão, baba-ovo, banhista, cafofa, chaleira, chaleirista, cheira-cheira, chupa-caldo, corta-jaca, engrossador, enxuga-gelo, escova-botas, incensador, lambedor, lambe-botas, lambe-cu, lambe-esporas, lambeta, lambeteiro, louvaminheiro, puxa-saco ou puxa-sacos, sabujo, xeleléu, xereta”.
         Pela minha maneira de interagir com subordinados e de tentar valorizá-los por meio de critérios outros, até hoje não tive tantas experiências desagradáveis com bajuladores, mas, com o propósito de induzir reflexão, resolvi citar uma em especial.
            Durante algum tempo Aparecida (nome fictício) atuou no meu setor. Tudo o que ela fazia, muito embora nada fora do rol de suas atribuições, precisava me mostrar que tinha feito. Depois de algum tempo foi ficando difícil conviver com ela. Aparecida sempre procurava deixar para fazer o seu trabalho quando eu estava presente, de modo que eu pudesse vê-la atuando. E enquanto cumpria seu papel, ficava me interrompendo e ressaltando os resultados. Às vezes eu estava em outro setor ou por alguma outra razão ausente da repartição e Aparecida, mesmo depois terminar seu trabalho, fazia questão de, com a minha chegada, retornar à minha sala e discorrer sobre as tarefas realizadas.
         Queria tanto agradar e se autopromover que se tornava enfadonha... Com a nítida intenção de tentar ser melhor do que outros (cujo desempenho,na prática,me agradava mais do que o dela), não me dava tempo suficiente para avaliar criteriosamente o seu trabalho e eventualmente elogiá-la. Mais do que isso, provocou o nosso distanciamento, pois passei a evitá-la.Já nem conseguia enxergar seus pontos positivos. Afinal, no ambiente de trabalho a gente quer pessoas prestativas, de bom trato, mas também discretas, humildes e com espírito de equipe.
            O subordinado precisa entender que o processo de reconhecimento profissional depende de vários fatores. Às vezes o superior hierárquico não tem tanta habilidade para fazer isso; outras vezes não se atenta suficientemente para o que acontece à sua volta, e noutros casos o reconhecimento esbarra nessas duas causas. Há maneiras sutis de solucionar essa dificuldade sem que a pessoa precise se tornar inoportuna, inconveniente, baba-ovo.
         O fato é que o superior, na maioria das vezes, sabe quem é quem no seu ambiente de trabalho. Repara na produtividade, na postura, no interesse e na competência. Ocorre que, infelizmente, nem sempre manifesta seu contentamento. É preciso que se expresse não só nos momentos de insatisfação, mas reconheça sempre o valor dos seus colaboradores. Isso pode ser treinado diariamente.
         Esse reconhecimento profissional, para o bem de todos, deve decorrer da fidelidade do subordinado, do seu comprometimento e da consideração de fatores como a ética e também a conduta pessoal. O verdadeiro parceiro é aquele que privilegia a cooperação em detrimento da competição.
         Na maciça maioria dos casos é a competência e a não a bajulação que determina promoções e outras oportunidades no ambiente de trabalho. O chefe que elege pela bajulação é injusto com os competentes e ilude o eleito. Perde a oportunidade de orientá-lo para que se aperfeiçoe. E pode estar colocando a empresa em risco.
          Aquele que se serve da bajulação para progredir pode estar maquiando deficiências profissionais e de personalidade. Os chefes devem estar atentos!
         Quando o bajulador consegue alguma coisa somente por conta do puxa-saquismo, isso fica muito nítido aos olhos de todos. Ele (e por vezes também o chefe) vira motivo de piadas. Os nomes estampados no dicionário deixam isso bem claro. E a conquistado bajulador costuma ser sempre provisória. Não raramente dura até que o chefe desavisado deixe seu posto e o sucessor monte outra equipe.
       Ao contrário, o colaborador eficiente pode até demorar um pouco mais para ser reconhecido, mas constrói a sua carreira sobre um rígido alicerce. Geralmente acaba se tornando quase queunanimidade no local de trabalho. É mantido quando a chefia se altera. Adquire cargo, salário, conforto, mas, sobretudo, respeito, consideração e liderança. Torna-se um exemplo de que vale a pena se esforçar e perseverar; conquistar pelo mérito. E se sente verdadeiramente realizado pelo reconhecimento profissional, além de seguro com a maior estabilidade.
       Sugiro, portanto, que você, que é bajulador, pense em investir o tempo na construção de uma carreira efetivamente sólida; e que você,que é chefe, destine a cada integrante da sua equipe o valor que ele realmente merece, depois de analisar quem realmente faz bem ao seu setor ou à sua empresa. Não é difícil o bajulador recorrer a outras artimanhas capazes de prejudicar o próximo para se sobressair... Essa sua postura não pode ser alimentada de forma alguma. É preciso mostrar a ele que não é e nem será a “última bolacha do pacote”.
      E quanto à Aparecida, desejo que ela seja muito feliz onde estiver atuando. Certamente o seu modo de agir agradará alguém, pois não faltarásuperior hierárquico que gostará de ter o ego massageado; portador de visão distorcida a respeito do tema que me propus a enfrentar.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito em Penápolis(SP)
Prof. no Unisalesiano
(redigido para a edição de dezembro/2013 da Revista Comunica)

7 de out. de 2013

O perdão como antídoto

            Se a gente despertar para a necessidade de perdoar e de se penitenciar e para os reflexos positivos que esses processos geram nos ambientes familiar, educacional, social e também profissional, teremos muito mais chances de contornar e minimizar dissabores que a vida, muitas vezes de forma desavisada, nos apresentará.


            Digo isso porque sempre haverá quem, por uma razão ou outra, nos decepcionará; assim como não estaremos imunes de, deliberadamente ou não, desapontar o outro. A diferença é que apenas compreendendo os mecanismos da tolerância e do perdão e buscando a sua efetividade é que conseguiremos avançar rumo à plena realização pessoal e profissional.

            O perdão e a penitência são bastante abordados pelas religiões. Conhecida passagem do Evangelho de João (8:3-11) desafia a jogar a primeira pedra aquele que nunca cometeu falta. A “Oração da Serenidade” induz reflexão: “Concedei-nos, Senhor, serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos, e sabedoria para distinguir umas das outras”. A prece de São Francisco de Assis faz questão de ensinar que é melhor perdoar do que ser perdoado, compreender do que ser compreendido... Jó superou várias provações, mas somente depois que demonstrou arrependimento ao Senhor é que recuperou o que lhe foi tirado. Em linhas gerais, as crenças estimulam a indulgência e o exame de consciência e fomentam a reconciliação como forma de harmonização com Deus e consigo mesmo...

            Certa vez eu li que perdoar equivale a lembrar sem sentir dor, e não propriamente a se esquecer o que ocorreu. Afinal, a nossa memória preserva informações, às vezes, pela vida toda (especialmente as experiências dolorosas).

            Qualquer que seja o seu credo, a sua idade, a sua atividade profissional e o meio em que vive, saiba que o seu bem-estar físico e mental, comprovadamente, depende do pedido e da aceitação das desculpas.

            O poder do perdão foi matéria da revista Veja de 28/7/2010. O texto classificou a habilidade para assumir erro e cultivar arrependimento e a desenvoltura para afastar a sensação de injustiça causada por uma ofensa como as “atitudes morais mais nobres e emocionalmente complexas já criadas pela civilização ocidental”. Ressaltou que o perdão é um processo de mão dupla: exige do agressor o arrependimento sincero e do ofendido a disposição para apagar ressentimentos. E enfatizou os benefícios desse processo.

            Matthew, Sheila e Dennis Linn, na obra “Não perdoe cedo demais”, ressaltam a conexão entre o perdão e a saúde ao reputarem-no imprescindível à cura emocional, física e espiritual. Lembram que perdoar não significa tolerar o insulto, mas apenas renunciar à vingança por meio de uma solução criativa para a situação. Elencam cinco estágios do perdão que devem surgir naturalmente, sem que o ofendido precise se violentar: negação (de que se está magoado); raiva (do ofensor); barganha (condicionamento do perdão a uma contrapartida), depressão (admissão da culpa por estar magoado) e aceitação (pelo convencimento do crescimento que o perdão propiciará; de que “a mágoa ajudou você a se integrar, aceitando-se a si próprio, aos outros, ao universo, a Deus”).

            Na seara jurídica, a chamada “justiça restaurativa” consiste basicamente em propiciar aos envolvidos num fato criminoso a oportunidade de refletir sobre o acontecido e minimizar seus efeitos. Evento marcante foi o perdão concedido pelo Papa João Paulo II ao que havia tentado matá-lo...

            Na minha experiência profissional tenho observado, felizmente, crescente disposição para a conciliação. E tenho notado também que muitas vezes ela não acontece não propriamente por resistência do ofendido, mas por influências externas de quem, por razões variadas, pretende se beneficiar com a persistência do conflito. Cito, como exemplos, um parente mal-intencionado ou um advogado interessado em mostrar que é “durão” (como se a composição não fosse um ato de inteligência) ou está iludido em obter indenização acima da média, daquelas que Tribunal algum concede ou mantém.           É por isso que entendo que o ofendido até deve se aconselhar, de preferência, com mais de uma pessoa; mas também que, se estiver propenso ao perdão, venha a privilegiar essa intenção em detrimento de protelar o desfecho. Afinal, quanto mais alimentar o seu rancor, mais sofrerá, pois deixar de perdoar, na prática, ilustrativamente, é como se aquela pessoa de quem você quer mais quer distância o estivesse acompanhando em todos os bons momentos da sua vida; como se estivesse caminhando o tempo todo ao seu lado. O perdão é o antídoto!

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira

Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)

Professor do Unisalesiano

(texto endereçado à edição de outubro de 2013 da Revista Comunica)

Matrículas abertas para o Curso do Sílvio!


            Não existe melhor maneira de se aprender sobre a vida do que falar com que já viveu, não é mesmo? Falo não somente daquele que já colecionou muitos aniversários, mas especialmente do que, além disso, já aproveitou esse tempo para aperfeiçoar a sua forma de agir, de se relacionar e de dividir experiências. Afinal, se a gente chegar aos 90 anos sem aproveitar os bons exemplos, sem a consciência de que sempre há o que aprender e principalmente de que sempre há em quem se espelhar, não teremos “vivido”, mas teremos apenas “existido”.
            Há mais de quatro anos em Penápolis(SP), tenho aprendido muito como Sílvio Augusto Latorre Filipin, Supervisor do 2º Ofício Judicial.
            Como sempre digo que não devemos esperar “datas especiais” para homenagear ninguém, como o Sílvio brevemente se aposentará e como não sei se e quando as circunstâncias da vida me conduzirão para outro lugar, decidi registrar a minha admiração não só para reconhecer os méritos do homenageado, mas para incentivar os demais a se espelharem nele.
            Sempre muito ponderado, respeitoso e compromissado com o trabalho, o Sílvio exerce uma liderança natural. Poucos têm o dom para tanto. Sabe a hora e o jeito de falar e sabe quando é melhor se calar. Tem décadas de conhecimento acumulado, mas é humilde; orienta de igual para igual. Passa segurança. Ensina sobre o trabalho e sobre a vida. Está sempre pronto para ajudar. É discreto, apesar do “vozeirão” que às vezes ecoa cartório adentro. Tenta sempre manter o equilíbrio e o bom humor. O sorriso é a sua marca registrada. Mantém vida pessoal regrada. Dedica-se à família. É grande parceiro e grande incentivador do filho mais novo. Não desespera diante das adversidades. Assim como qualquer um de nós, já enfrentou e enfrenta dificuldades. Mas mesmo com alguns quilinhos a mais, tem muuuuito mais “jogo de cintura” do que a maioria de nós. Conta piadas. Faz e aceita brincadeiras. “Filtra” e soluciona problemas com maestria. Despreza aquilo que pode parecer, mas que verdadeiramente não é um problema. Desfaz “tempestades em copos d’água”. Respeita a natureza. Respeita regras. Quando não está, faz falta.
            Foi observando o Sílvio que encontrei inspiração para o texto “Experiência”, que publiquei na revista universitária “Comunica” de Lins, edição de agosto de 2013. O seu bom senso e a sua ponderação servem de exemplo a todos! Não me referi especificamente a ele, mas à sua experiência.
            Já ouvi algum comentário no sentido de que o Sílvio não dominava muito bem a informática, o que poderia ser um “defeito” dele, mas até nesse quesito ele tem surpreendido. Tenho constatado o seu empenho para manejar o novo e complexo sistema informatizado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Quer saber de uma coisa, Sílvio? Você certamente tem algum defeito, muito embora eu particularmente desconheça, mas ainda que você tivesse de trabalhar comigo usando a velha máquina de escrever, mesmo assim eu não abriria mão da sua parceria e da sua experiência.
            Aprendamos todos nós com o Sílvio! As matrículas estão permanentemente abertas e o ensinamento é gratuito, agradável e preciso! Quem não se inscrever certamente se arrependerá!!!
                                                                                   Penápolis(SP), 5 de setembro de 2013.

                                                                                  Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
                                                                                              Juiz de Direito Titular

11 de set. de 2013

Comunicação não-violenta (CNV)

            O problema da comunicação (ou da falta ou ineficácia dela) nem sempre é tratado com a atenção que merece. O tema está umbilicalmente ligado ao adequado desempenho das atividades profissionais e à prevenção e solução de conflitos familiares e sociais.
            Não é difícil alguém se gabar de não ser violento tão-somente pelo fato de nunca ter ofendido a integridade física de outrem. Acontece que a violência se manifesta das mais variadas formas, inclusive pela maneira como a pessoa se expressa. E nem sempre é fruto de uma reação deliberada, mas de um jeito inadequado de reagir, do não saber ouvir, refletir e expor.
            É preciso ter em mente que “um golpe de açoite produz contusões, mas um golpe de língua quebra os ossos” (Eclesiástico, 28:17).
            Emmanuel, por meio de Francisco Cândido Xavier, assim se pronunciou: “É possível que o constrangimento do companheiro tenha surgido do gesto impensado de tua parte. O gracejo impróprio ou o apontamento inoportuno teria tido o efeito de um golpe. Decerto, não alimentaste a intenção de ferir, mas a desarmonia partiu de bagatela, agigantando-se em conflito de grandes proporções. De outras vezes, a mente adoece, conturbada. Teremos ofendido, realmente. A cólera ter-nos-á cegado o discernimento e brandimos o tacape da injúria. Pretendemos aconselhar e cortamos o coração de quem ouve. Alegando franqueza, envenenamos a língua. No pretexto de consolar, ampliamos chagas abertas. E começa para logo a distância e a aversão ... Humildade é caminho. Entendimento é remédio. Perdão é profilaxia. Muitas vezes, loucura e crime, dispersão e calamidade nascem de pequeninos desajustes acalentados. Não hesites rogar desculpas, nem vaciles apagar-te, a favor da concórdia, com aparente desvantagem particular, porquanto, na maioria dos casos de incompreensão, em que nos imaginamos sofrer dores e ser vítimas, os verdadeiros culpados somos nós mesmos” (Justiça Divina, capítulo 6).
            A técnica da CNV tem sido muito difundida para aprimorar relacionamentos e promover conciliações por Marshall B. Rosenberg, autor de livro com o mesmo título (Ed. Ágora). Traduz-se em quatro fases: (1) Observação isenta (sem crítica ou diagnóstico) do que nos agrada ou não no comportamento do outro; (2) Identificação do sentimento que determinada postura nos gera; (3) Individualização precisa que poderia ser feito para melhorar o convívio; (4) Formulação clara do pedido; indicação de ações concretas. São, portanto, componentes da CNV: observação, sentimento, necessidades e pedido. Segundo o autor, quem não expressa honestamente seu sentimento favorece interpretação equivocada. Mas isso tem de ser feito sem avaliações, pois se a manifestação tiver expressão de crítica o outro poderá investir a energia dele em autodefesa ou contra-ataque, ou seja, não reagirá da forma desejada. O pedido sem referência ao sentimento e à necessidade que o fundamentaram poderá soar como exigência. Deve haver sinceridade e empatia (compreensão respeitosa do que o outro está vivendo, sem idéias preconcebidas). Às vezes pode ser interessante confirmar se o outro realmente entendeu o que você quis dizer.
            Rosenberg admite que na prática nem sempre é tão simples administrar emoções e conseguir percorrer todas essas etapas. Mas adverte que o treinamento poderá surtir resultados muito positivos. Propõe uma forma de comunicação que nos leve a nos entregarmos de coração, de forma compassiva. Sugere reformulação da maneira como nos expressamos e como ouvimos os outros. Recomenda atenção com aquilo que denomina de “comunicação alienante da vida” e enumera modalidades que nos afastam do nosso estado natural de compaixão, dentre elas: (a) Julgamentos moralizadores motivados apenas por comportamentos que estão em desacordo com nossos juízos de valor (como se fossemos “donos da verdade”); (b) Comparações, que invariavelmente fazem surgir infelicidade, já que sempre haverá um aspecto em relação ao qual nos sentiremos inferiores ao outro (beleza, inteligência, condição socioeconômica etc.); (c) Negação de responsabilidade pelos nossos comportamentos, pensamentos e sentimentos e a tentativa de imputar a culpa a outrem, o que nos torna perigosos.
            É muito importante que estejamos atentos aos sentimentos violentos que surgem na nossa mente e que admitamos as nossas limitações, pois essa compreensão certamente nos conduzirá a um estado mental mais pacífico, com todos os benefícios inerentes.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito em Penápolis(SP)
Professor no Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de set/2013)

4 de ago. de 2013

Experiência

            As circunstâncias da vida, boas ou ruins, nos surpreendem todos os dias, exigem decisões, testam nosso raciocínio e nossas emoções.
            Os desafios são grandes tanto na órbita pessoal quanto na profissional.
            A maneira como reagimos tem muito a ver com o nosso estado de espírito, com a educação que tivemos, os valores que cultivamos, as influências do momento, a nossa fé e a nossa capacidade de enfrentamento.
            Via de regra, com o passar do tempo a gente vai aprendendo a ter mais paciência e a canalizar nossos esforços e nossa indignação para aquilo que realmente vale a pena.
            Isso não significa que todo jovem é afoito e inconsequente, nem que aquele que tem cabelos grisalhos está preparado para tudo... A nossa vida é dinâmica e ainda que vivêssemos centenas de anos teríamos sempre o que aprender.
            No âmbito profissional às vezes acontece de aquele pós-doutor em determinada área do conhecimento, equivocadamente, se negar a dar crédito à experiência do subordinado que há anos se dedica ao mesmo ofício. Mas não demora muito para que aquele iniciante com a parede cheia de diplomas e o passaporte repleto de carimbos, ainda que não reconheça expressamente, se renda e se convença da necessidade de valorizar o colega de trabalho que por vezes não concluiu o ensino fundamental, mas é dotado de sabedoria que não se ensina na escola. Ademais, há informações valiosas que são conhecidas no ambiente operacional e que não chegam aos superiores.
            A prática depende da teoria, mas ao mesmo tempo a complementa. À medida que nos dedicamos a determinada atividade, desenvolvemos atalhos para simplificar rotinas e ampliamos a nossa capacidade de prevenir problemas.
            A troca de informações faz com que descobertas sejam compartilhadas e que incidentes sejam evitados. Isso não significa que outros deixarão de surgir, mas o que não se pode negar é que o mesmo diálogo facilitará também a solução de novos entraves.
            Eu sempre costumo dizer que não é possível entrar num supermercado e pedir um quilo e meio de experiência, pois não há outro meio de adquiri-la senão vivenciando as mais variadas situações que a vida nos prepara.
            Ouvindo os mais experientes normalmente acrescentamos sabedoria e serenidade. Aprendemos a maneira e a hora certa de intervir; ou detectamos quando não é o caso de intervir. Passamos a valorizar mais a discrição. Convencemo-nos de que é mais produtivo agir do que falar. Encontramos equilíbrio para lidarmos com críticas que surgirão mesmo que envidemos todos os nossos esforços naquilo que fazemos. Afinal, conforme alguém já escreveu: “eu não sei qual o segredo do sucesso, mas o segredo do fracasso é tentar agradar todo mundo”. Sobretudo, passamos a errar menos e com menos gravidade.
            Penso que a maior contribuição que os experientes podem nos dar é justamente aquela que diz respeito à correta administração das nossas emoções e à contenção do nosso ímpeto. Esse conhecimento é de suma importância, na medida em que precipitações quase sempre surtem consequências danosas à nossa carreira profissional e não raramente refletem negativamente na nossa vida privada e na nossa saúde.
            Não é à toa que grandes empresas contam com conselheiros que podem até não ter mais tanto vigor físico para o trabalho e podem até mesmo não dominar as atuais ferramentas (especialmente a informática), mas cujo campo de visão da vida independe do astigmatismo e da miopia que porventura afetem um de seus sentidos físicos. Não estou a dizer que eles sempre acertam, mas entendo que ouvi-los pode ser importante até mesmo para que posicionamentos sobrevivam a questionamentos e sejam confirmados antes de serem considerados definitivos e gerarem efeitos práticos.
            Será que andamos valorizando suficientemente os mais experientes? Será que o orgulho ou a desatenção não estão implicando na perda de preciosas oportunidades para o nosso aprimoramento profissional e pessoal? Fiquemos, pois, não só “de olhos abertos”, mas tentemos efetivamente “enxergar” de que maneira a presente reflexão poderá nos ajudar e ao mesmo tempo prestigiar quem tem condições de contribuir...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Professor do Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de agosto/2013)

14 de jul. de 2013

Reivindique com sensatez

            Logo que assumi a Diretoria do Fórum de Penápolis(SP), posto que já não ocupo, deparei com o encarregado da manutenção se equilibrando numa escada sobre uma mesa para trocar uma lâmpada. Não havia escada compatível com o pé-direito do prédio. Solicitei que fosse adquirida e a resposta da minha secretaria foi de que as verbas disponíveis não contemplavam compra de bens classificados como permanentes. Teríamos de requerer uma escada para o setor específico na capital, aguardar a aquisição e pagar o frete que provavelmente custaria o preço do equipamento. Enquanto isso o servidor ficaria exposto ao risco de uma queda que poderia até ser fatal. Mesmo assim, ele não se furtava de cumprir seu papel.
            Na minha gestão, fiquei dois anos tentando terminar a reforma de um imóvel oficial, mas não consegui. Meus colaboradores praticamente imploravam para que as lojas de material de construção aderissem aos certames licitatórios, mas elas tardavam a apresentar seus orçamentos e por vezes nem davam respostas. Isso porque costuma ser trabalhoso vender para repartição pública e receber dela. Muitos lojistas preferem dedicar seu tempo ao consumidor comum, que em muitos casos compra por telefone e paga pelo Internet Banking.
            Sou testemunha do quanto é difícil realizar as coisas no setor público e de quanto os servidores se esforçam, chegando, muitas vezes, a custear algo para manter o serviço funcionando. É bem verdade que as limitações legais são necessárias para evitar desvios ainda maiores de recursos (pois eles acabam acontecendo mesmo assim), mas o sistema ainda é bastante “travado”. Há condições de legalmente modernizá-lo para que as aquisições aconteçam com mais eficiência e para que se possa pagar menos por produtos de melhor qualidade.
            Na esfera privada, se o dono de um restaurante sabe que um evento atrairá muita gente para a cidade, rapidamente contratará cozinheiras e atendentes para enfrentar a demanda, ainda que temporariamente. No serviço público, via de regra, não existe essa possibilidade. No âmbito do Judiciário, por ex., uma crise econômica pode gerar milhares de demandas sem que haja condições de ampliar o quadro de servidores e a estrutura física na mesma proporção e com a mesma agilidade.
            Os meios de comunicação têm divulgado inúmeros protestos contra administradores públicos e a iniciativa tem surtido bons resultados. Esse envolvimento, além de pacífico, tem de ser permanente e não circunstancial. A sociedade tem de se mobilizar para fiscalizar tudo. Deve se interessar pelos gastos públicos e solicitar prestações de contas das gestões. Mas as cobranças devem ser feitas com muita sensatez para que não haja injustiças.
            Nem todos os gestores podem ser colocados na mesma vala. Muitos chegam a adoecer de tanto se preocuparem em promover boas gestões. Acabam esbarrando na falta de recursos ou na destinação de verbas para certas finalidades sem que seja possível realocá-las; na falta de colaboradores capacitados (porque os salários na maioria das vezes não são convidativos); na falta de recursos materiais e humanos e até em sabotagem de quem não se interessa que o resultado seja positivo. As necessidades se proliferam com velocidade e imprevistos surgem a todo o momento. Desastres naturais, uma galeria que se rompe, uma ponte que cede, epidemias, uma condenação judicial vultosa, o pedido de demissão de um excelente assessor, tudo pode ser motivo para alterar o rumo natural dos projetos do gestor e gerar reclamações que muitas vezes são feitas sem o devido conhecimento das circunstâncias. Alguns dias de chuva, por ex., são suficientes para que o mato cresça exageradamente e exija intervenção do poder público. Se ela não acontece de imediato, rapidamente surge aquele que alega abandono das praças etc., sem se ater ao fato de que já existia uma agenda de serviços a ser cumprida.
            Não raramente quem reclama já “compra uma idéia pronta”, age como um mero repetidor daquilo que ouve, como se fosse um “papagaio”. Critica gratuitamente pelo simples prazer de criticar ou por razões políticas.
            O gestor público de qualquer dos Poderes constituídos nem sempre tem condições de divulgar, em detalhes, as conquistas e as dificuldades. Se o crítico estivesse mais próximo, compreenderia melhor a sua situação e reconheceria mais o seu esforço.
            Não estou a defender quem quer que seja. Pretendo apenas induzir reflexão sobre a necessidade de nos colocarmos no lugar do outro antes de criticarmos. Muitas conquistas de hoje são fruto do trabalho de ex-administradores. E muitos problemas de hoje decorreram de atitudes ruinosas de antecessores.
            Nós mesmos, na nossa vida pessoal, não temos tempo e nem recursos para resolvermos tudo de uma só vez. Às vezes demoramos dias para substituirmos uma lâmpada queimada, mesmo com uma escada disponível... As circunstâncias vão determinando nossas escolhas e ações.
            Portanto, antes de criticar, pergunte-se: Eu, no lugar dele, teria condições de fazer melhor? Pesquisei o suficiente para poder falar? Não estou sendo egoísta e querendo soluções apenas para os problemas que eu julgo importantes? Será que eu não me tornei um crítico “cego” e chato que não consegue enxergar o esforço do outro? Em vez de crítica ácida eu não posso efetivamente contribuir com idéias? Pesquisando eu não teria condições de compreender melhor a razão de determinada providência ainda não ter sido tomada? Pense bem...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Professor no Curso de Direito do Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de jul/2013)

A privacidade do outro

         Todo profissional deve se preocupar com a privacidade das pessoas que atende e/ou com as quais se relaciona. E deve instruir suficientemente seus colaboradores acerca dessa necessidade.
         Certa vez eu presenciei um servidor do Cartório Eleitoral perguntando, à distância, a uma jovem de 16 anos que solicitava a emissão do título, qual era o telefone dela. Na intenção de alimentar o banco de dados ele nem se atentou para o fato de que havia rapazes no mesmo ambiente e de que algum deles poderia fazer mau uso da informação. Sensível ao risco, orientei meu colega de trabalho para que passasse a solicitar dados pessoais com a máxima discrição.
         Imediatamente eu me lembrei da insatisfação que às vezes sintoquando visito consultórios médicos e algumas secretárias insistem em perguntar tudo em voz alta, em vez de solicitarem que eu me aproxime do balcão ou preencha uma ficha. Ninguém precisa saber se fiz determinado exame...
         Devemos ter mente que nem todos se sentem à vontade para revelar telefone, profissão, endereço, estado civil e outras informações pessoais diante de terceiros. Houve uma ocasião em que determinada atendente implicou comigo porque eu disse que não tinha telefone celular. Ela suspeitou que eu não queria fornecê-lo, o que realmente era minha vontade, por entender que a informação não era necessária.
         Há casos em que desprezar a privacidade provoca risco para a segurança, o que acontece, por ex., quando aquele monitor do caixa do supermercado mostra, para todos os que estão nas imediações, o valor da compra, a forma de pagamento e principalmente o troco que foi fornecido ao cliente, expondo-o à ação de ladrões e golpistas.
Às vezes, revelar a profissão de alguém pode lhe trazer riscos ou aborrecimentos e por isso não convém, publicamente, dar a entender que a pessoa com quem a gente se encontra é policial, agente penitenciário, promotor ou juiz. A outra pessoa pode não ficar tão à vontade ou pode até mesmo ter de deixar o local.
A situação fica ainda mais delicada quando as informações dizem respeito a questões mais íntimas. O cirurgião plástico, por ex., na ânsia de convencer alguém a fazer determinado procedimento estético, não tem o direito de revelar que fulana já se submeteu a ele. O arquiteto não deveria exibir fotografias de áreas privativas das casas de antigos para novos clientes ou pelo menos não deveria revelar os nomes dos primeiros, limitando-se a discutir idéias. O servidor público, até mesmo em razão das limitações disciplinares e legais, não deveria comentar fatos que chegam ao seu conhecimento em razão das funções.
         Na mesma esteira, profissionais liberais e empregadores em geral deveriam monitorar permanentemente seus subordinados para que situações de indiscrição fossem evitadas. Profissionais que visitam residências, como entregadores de água e vidraceiros, por ex., não deveriam fazer perguntas do tipo “quanto custa essa moto?” ou “onde você comprou isso?”. A indiscrição pode provocar a perda do cliente.
         Mesmo nas nossas relações sociais, temos de tomar cuidado para não formularmos perguntas indiscretas para aquela pessoa que encontramos em ambientes públicos (como filas de banco), onde não devemos tratar, por ex., na presença de terceiros, de doenças, dívidas e infortúnios familiares e amorosos. E não devemos divulgar telefones de terceiros sem autorização expressa ou sem que o contexto indique que a pessoa gostaria de ser contatada.
         Essa preservação da privacidade exige, inclusive, que aquele que toma conhecimento da informação se abstenha de comentá-la até mesmo em casa, uma vez que não raramente ela se dissemina não por má-fé, mas por descuido de algum familiar do profissional. Não é difícil, ainda, que atritos familiares impliquem na divulgação voluntária de informações sigilosas como forma de retaliação. Quem não se lembra de rebuliços que esposas de políticos já causaram?
         Muitas vezes a gente não se dá conta de que expomos os outros e de que ao mesmo tempo em muitos gostam de “aparecer” (principalmente por meio de redes sociais), outros ainda preferem a tranquilidade e o anonimato (que vale muito, principalmente, para quem já não é tão anônimo assim)...
         Ainda que não se preocupe tanto com a sua, que tal refletir sobre como tem lidado com a privacidade do outro?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Prof. do Curso de Direito do Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de jun/2013)