O art. 228 da Constituição Federal classifica como
penalmente inimputáveis os menores de 18 anos.
A proposta de emenda constitucional (PEC) 171/1993 visa a
alterar esse patamar para 16 anos. A aprovação dependerá de votos favoráveis de
308 deputados federais e de 49 senadores.
Recentemente, um parlamentar impetrou mandado de segurança
(33.556) no Supremo para sustentar que a proposta fere cláusula pétrea e que
por isso não poderia prosperar. Segundo o impetrante, a alteração da idade ofenderia
garantia individual, pois a sua definição atual protege as pessoas que ainda
não completaram 18 anos do poder de punir do Estado.
O debate é bastante complexo, tanto que a tramitação se
estende há mais de duas décadas...
Particularmente, sou contrário à alteração almejada.
Os adolescentes de 16 e 17 anos atualmente vêm sendo
investigados e responsabilizados com base no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), que prevê, inclusive, internação para atos infracionais que
envolvam violência ou grave ameaça ou mesmo para reiteração infracional grave
ou descumprimento de medida socioeducativa. O Supremo tem decidido que o
envolvimento no tráfico de drogas por si só não justifica internação porque não
se trata de infração cuja prática envolva violência.
É equivocado dizer que os menores de 18 anos não
respondem pelos seus atos. Eles apenas são tratados de forma diferenciada
porque a lei leva em conta que são pessoas em desenvolvimento.
O fato de o jovem poder votar nada tem a ver com a
resposta por infração que possa vir a cometer. O voto é facultativo. A
imputabilidade penal se define não só pelo fato de a pessoa ter condições de
saber o que é ilegal. Exige também que a pessoa tenha condições de se
determinar de forma a não praticar conduta ilícita. E essa “maturidade”,
segundo mais de 80% das legislações mundiais (inclusive de países considerados
como “de primeiro mundo”), só é atingida a partir do 18º aniversário.
Dados estatísticos demonstram que apenas 12% dos atos
infracionais tratam de condutas equiparadas a homicídios, latrocínios e
estupros. O percentual de reiteração infracional de jovens que cumprem medidas
socioeducativas não ultrapassa esse percentual. Já a reincidência de adultos
criminosos que frequentam penitenciárias é da ordem de 60%. A partir do momento
em que todos se “misturarem”, jovens de 16 e 17 anos certamente reincidirão
mais... Essa “mistura” fatalmente acontecerá. O art. 123 do ECA determina que
as internações obedeçam a rigorosa separação por critérios de idade, compleição
física e gravidade da infração, mas a falta de estrutura já tem impedido a
observância dessa regra e jovens de personalidades bastante distintas estão
convivendo em muitos Estados brasileiros.
Os jovens de 16 e 17 deixarão de contar com a proteção integral
do ECA. Tudo indica que poderão passar a conduzir veículos automotores, pois o
Código de Trânsito considera apto para tanto o que é penalmente imputável.
Teoricamente, o fornecimento de álcool, tabaco e outras substâncias lícitas que
possam causar dependência não será mais vedado ao jovem de 16 anos. A
superlotação carcerária se ampliará, o que poderá abrir espaço para
penitenciárias privatizadas mantidas por empresas que têm feitos sistemáticas
doações para campanhas (o que pode estar justificando os interesses de alguns
parlamentares pela aprovação da PEC). O aumento da falta de vagas poderá
importar na manutenção em liberdade de muitos indivíduos perigosos...
Encarcerar mais jovens de 16 e 17 anos será medida paliativa
e trará certa comodidade ao Estado, que não terá de enfrentar o problema da
forma mais adequada, ou seja, não terá de ampliar investimentos e ações em
educação, profissionalização e prevenção. A sociedade até poderá estar
temporariamente protegida, mas em pouco tempo receberá o jovem de volta com pouca
ou nenhuma motivação para mudar de vida, ou mesmo com a opção pela vida do
crime já feita.
Alguns estudiosos têm sustentado, e concordo, que os
jovens de 16 e 17 anos não são responsáveis pelo clima de insegurança que
atualmente impera no país. Algumas infrações graves acabam repercutindo nos
meios de comunicação, mas refletem pequeno percentual de atos ilícitos.
Alterações na sistemática repressiva não podem ser feitas sob o clima de
comoção popular. Há políticos que simplesmente têm medo de se posicionarem contrariamente
e de perderem votos.
A sociedade precisa se mobilizar pela efetividade da
legislação já existente, ainda que alguns ajustes no ECA possam sejam
bem-vindos. Os índices de esclarecimentos de ilícitos e de respostas do Estado
precisam ser melhorados por meio de investimentos nas polícias e no sistema
judiciário. O que assusta o delinquente não é lei muito severa, mas a maior
certeza de ser descoberto e punido. E mesmo com a intensificação da punição,
infringir ou não a lei sempre será uma escolha, o que confirma a tese de que o
esclarecimento por meio da educação também é fundamental para contenção da
criminalidade. Ou será que mesmo com a pena de morte ninguém mais tentará
introduzir drogas na Indonésia? Ou será que mesmo diante do risco de pagarem
elevadas multas de trânsito e de responderem pelo crime de embriaguez ao
volante, todas as pessoas que se dizem cumpridoras das normas deixaram e/ou deixarão
de beber antes de dirigirem veículos automotores?
Adriano Rodrigo Ponce de
Oliveira
Juiz de Direito /
Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce
Jurídico
(publicado aos 25/6/2015 no
Diário de Penápolis e no Correio de Lins; abordado em entrevista à Rádio
Regional Esperança aos 22/6/2015)