Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

25 de out. de 2014

Breves reflexões sobre o ensino superior


O aperfeiçoamento do ensino superior sempre foi um assunto muito debatido e polêmico. Os desafios são enormes. Muito se fala sobre metodologia e outros temas relacionados...
Não se discute que todos almejam um ensino de qualidade. As instituições estão sempre preocupadas com a preservação do seu conceito perante a comunidade e os órgãos públicos que as fiscalizam. Tentam motivar os professores ao aperfeiçoamento constante e oferecer cursos condizentes com as exigências do mercado de trabalho. Acontece que nem sempre estão dispostas a investirem o suficiente ou nem sempre têm condições para tanto. O que se sabe é que concedem muitas bolsas de estudos, seja por exigência do Ministério da Educação (MEC), seja pela necessidade de facilitar matrículas. O elevado índice de inadimplência às vezes compromete a arrecadação e, em consequência, mais investimentos. Nem sempre conseguem, por ex., auxiliar o docente nas despesas relacionadas à pós-graduação ou à participação em cursos e congressos que favoreceriam a sua pontuação junto ao MEC...
O professor, em consequência, muitas vezes protela a pós por conta dos gastos inerentes. Viagens, hospedagens, alimentação e materiais didáticos costumam comprometer consideravelmente o orçamento do docente, que, como contrapartida, depois de concluir mestrado ou doutorado, fica satisfeito, eleva a sua autoestima, tem condições de oferecer mais aos alunos, mas acrescenta poucos reais à hora-aula, ou seja, demora bastante para recuperar ou sequer recupera o investimento. Por essa razão, muitos não se aventuram... Mas não é só por isso: o mestrado e o doutorado exigem sobremaneira (trabalhos, seminários, fichamentos, pesquisas, domínio de outras línguas, distância da família, falta de tempo para lazer, estresse etc.).
No magistério superior há alguns anos, cheguei a algumas conclusões, é claro, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto e sempre respeitando opiniões contrárias.
O uso do “power point” facilita o trabalho do docente que leciona disciplinas com muitos termos técnicos e que precisa comentar imagens. Nos demais casos, penso que o projetor pode gerar acomodação para o aluno, especialmente se for ter acesso à apostila das telas projetadas. O equipamento pode intensificar o sono, especialmente se a iluminação da sala for reduzida. E o professor pode acabar se rendendo à mera leitura dos “slides”, atitude que nenhuma platéia merece. Por isso, sou bastante favorável ao uso do quadro para a orientação da classe.
Os alunos sonham com cursos “fortes”, mas nem sempre conseguem acompanhar o ritmo do docente que se propõe a inovar demais, notadamente os que estudam à noite e trabalham durante o dia e/ou já constituíram famílias. Às vezes a rotina é tão “cronometrada” que elaborar um trabalho ou preparar um seminário pode significar um verdadeiro tormento para o aluno. O objetivo acaba não sendo atingido, pois realizar atividades apenas para “cumprir tabela”, sem motivação, não gera aprendizado. “Comprar” trabalho pronto, muito menos... Alguns acabam sendo encomendados (pagos) porque o aluno não é capaz, não tem disposição e/ou não tem tempo. E certos alunos, quando o trabalho deve ser feito em grupo, não cooperam suficientemente nem com a elaboração, nem com a apresentação. Nem sempre a classe absorve o conhecimento porque quem expõe nem sempre é encarado com confiabilidade ou com a devida atenção. Por fim, se o professor não tem tempo ou disposição para dar o devido “feedback”, ou seja, corrigir detalhadamente cada trabalho, é melhor que não adote a cobrança.
Não conheço método de avaliação cem por cento eficaz. As questões de múltipla escolha facilitam a correção por parte do professor, mas, na minha opinião, por favorecerem os “chutes”, são as avaliam com menor precisão. As questões dissertativas são mais apropriadas, pois durante a correção o professor terá certeza se o aluno conhecia a resposta. Auxiliam no desenvolvimento da escrita. Aliás, é necessário investir bastante no treinamento da redação. O bom profissional tem de saber escrever e interpretar. Tem de ter bom poder de síntese, objetividade, motivo pelo qual prefiro estabelecer espaço limitado para as respostas. Infelizmente muita gente ingressa no mercado de trabalho com bastante deficiência nesse quesito. E se “escrever” for ferramenta principal, como é o caso dos profissionais do Direito, as perspectivas serão ruins...
O professor deve ter cautela ao adotar livros porque muitos alunos não terão condições de adquiri-los e acabarão se desdobrando para fazê-lo unicamente pela indicação do mestre. Além disso, pode ser que o livro já esteja desatualizado quando o aluno for ingressar no mercado de trabalho. É preciso evitar grandes aquisições na fase da graduação a fim de que o investimento aconteça no início do exercício da profissão. Por isso sempre incentivei um caderno bem anotado, que certamente servirá como preciosa fonte de consulta, mesmo depois da formatura, especialmente nas vésperas de concursos, quando o candidato precisará de material resumido e confiável.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano

(publicado no Diário de Penápolis de 22/10/2014 e no Correio de Lins de 24/10/20014)

20 de out. de 2014

“Lei da Palmada”

           A iminência da aprovação da chamada “Lei da Palmada” causou muito estardalhaço. Aliás, é muito comum que isso aconteça quando alguma lei polêmica está para ser votada, especialmente porque leigos em Direito costumam disseminar comentários pouco técnicos e muitas vezes equivocados acerca do alcance e da aplicabilidade.
           De qualquer forma, creio que a norma, que já está em vigor e também já foi apelidada (particularmente, acho que lei não deveria receber apelido) também de “Lei Menino Bernardo” (garoto sul-rio-grandense vítima de homicídio imputado ao pai e à madrasta), não terá quase nenhum efeito prático.
            A Lei Federal 13.010, de 26/6/2014, sujeitou os infratores às seguintes medidas, a depender da gravidade do caso: (a) encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; (b) encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; (c) encaminhamento a cursos ou programas de orientação; (d) obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; (e) advertência. Atribuiu ao Conselho Tutelar, a quem os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente deverão ser obrigatoriamente comunicados, a atribuição de aplicar tais medidas. Mas o legislador não levou em conta que muitos Conselhos não estão aparelhados e que muitos conselheiros não estão preparados para tanto... Com o devido respeito ao “parceiro” Conselho Tutelar, definir esse tipo de encaminhamento deve continuar sendo tarefa de outras instituições, quando devidamente instadas. Mas o tempo dirá como isso funcionará na prática... A norma, por ex., não dotou os Conselhos de meios coativos e na hipótese de resistência à sua decisão, o impasse acabará “desaguando” mesmo no Judiciário.
            O texto legislativo incluiu dispositivos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
            a) dispôs que “a criança [0 a 11 anos] e o adolescente [12 a 17 anos] têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los”;
            b) definiu “castigo físico”: “ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente” que resulte em sofrimento físico ou lesão;
            c) explicou “tratamento cruel ou degradante”: “conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente” que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize.
            O ECA já determinava, desde 1990, que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. A nova lei, portanto, “choveu no molhado”... O Estatuto também já deixava claro que para a sua interpretação deveriam ser levados em conta “os fins sociais” e as “exigências do bem comum”. A atuação mais enérgica dos responsáveis, portanto, nunca foi vedada e, na minha opinião, continuará não sendo...
            Não estou a afirmar que o uso da correção física é melhor caminho. Acho até elogiável a previsão da nova lei que instituiu campanhas educativas permanentes acerca da melhor forma de educar. Acontece que para a criação e educação dos filhos, missão bastante dinâmica e cada vez mais desafiante, a repressão mais firme, inclusive com alguma “palmada”, pode se tornar necessária para que certos comportamentos sejam corrigidos, isso se o exemplo e o diálogo não tiverem surtido resultados (quem é pai sabe que às vezes não surtem). Uma intervenção mais rígida poderá, inclusive, evitar mal maior. Lembram-se do caso do garoto que teve o braço dilacerado por um tigre num zoológico? Se o seu pai estivesse mais atento e se a repressão verbal tivesse sido feita e não tivesse adiantado, seria o típico caso de correção física (desde que, é claro, moderada, compatível com o risco que se pretendia repelir).
            Por fim, é preciso deixar claro que a “Lei da Palmada” não previu crime algum. As infrações penais relativas aos maus-tratos e à violência contra menores de 18 anos não sofreram alterações. A questão da “palmada” continuará a ser regida pelo art. 136 do Código Penal, que tipificou o crime de maus-tratos: “Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”. A lei penal prosseguirá reprimindo apenas o “abuso”. E já tenho visto o Ministério Público requerer arquivamento de “palmadas” levando em conta o entendimento que sempre predominou: o de que pequenas correções físicas interessam muito mais ao desenvolvimento de um filho do que a omissão do seu genitor...
            Não podemos nos esquecer de que o ECA elenca medidas de proteção tanto para casos de omissão quanto de abuso dos responsáveis legais. Essas medidas devem se pautar, conforme está expressamente escrito, em princípios como o da intervenção mínima (a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente) e o da proporcionalidade (a medida deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram).
            Toda regra deve ser interpretada com base em princípios gerais e no que tange à “Lei da Palmada” não deverá ser diferente. Se for utilizada com bom senso, moderação, e com a clara finalidade de evitar que a criança fique exposta a risco maior, acredito, continuará a ser normalmente tolerada. Devemos evitar que a nova lei venha a servir como instrumento de intimidação, inclusive do filho contra o próprio pai que luta pela observância às regras de boa convivência e pelo respeito ao próximo.
            Será que uma simples “palmada” reflete o “sofrimento físico” que a lei procurou coibir? Creio que não... A lei, nesse particular, é imprecisa e gera insegurança jurídica. É de questionável efetividade, além de desnecessária. Praticamente “natimorta...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
 (publicado na Revista Comunica de out/2014; no Diário de Penápolis de 1º/10/2014 e no sítio http://jus.com.br/artigos/32799/lei-da-palmada)

17 de out. de 2014

Pena de morte para o homicida: breve cotejo dos sistemas brasileiro e iraniano


            Consta que uma mulher que teria matado o seu estuprador deverá ser enforcada para pagar pelo seu crime no Irã, onde ainda vigora a conhecida “lei de talião”, que consiste no “olho por olho, dente por dente”, ou seja, punição de delitos de sangue com a morte. Segundo foi noticiado, a família da vítima não perdoou a mulher, o que teria sido suficiente para evitar a decisão pela pena capital. Entidades protetoras dos direitos humanos estão tentando intervir porque entendem que a jovem não teve todas as oportunidades para se defender. Ela admitiu que esfaqueou o agressor no pescoço, mas justificou que isso aconteceu quando sofria uma investida sexual. Consta que um copo com sedativos adquirido pelo homem teria sido encontrado no apartamento onde tudo aconteceu. A jovem teria sido contratada para decorar o local e teria sido surpreendida.
            Segundo um familiar do falecido, a mulher utilizou uma faca que tinha sido adquirida dois dias antes e que trazia na bolsa. “Que outra intenção poderia ter?", questionou o filho do homem morto, conforme notícia publicada no Estado de São Paulo.
            É claro que faltam muitos detalhes, mas a partir do que foi noticiado decidi fazer breve análise do tratamento que a lei brasileira dá ao contexto.
            A mulher que corre iminente risco de ser estuprada está amparada a matar o agressor para evitar o coito indesejado. Nesse caso, em tese, justifica-se que se sacrifique a vida do estuprador para a proteção da dignidade sexual da vítima. O crime de estupro gera consequências muitas vezes irreversíveis. Às vezes a vítima “morre por dentro”. É caso típico de legítima defesa se não houver outro meio de reação que possa ser minimamente eficaz para a contenção da agressão injusta.
            Se a investida sexual já aconteceu ou se a mulher presume que possa vir a acontecer, mas não existe risco imediato, ela não ficará impune se matar o agressor. Responderá por homicídio. Isso porque “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, ou seja, não se justifica o revide contra o criminoso que já agiu ou que a vítima se antecipe por conta de risco ainda remoto. Nestas duas situações incumbe ao Estado agir.
            O delito poderá ser classificado como hediondo se for qualificado, ou seja, praticado: (a) com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; (b) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Mas pode ser que a mulher consiga demonstrar que agiu por motivo de relevante valor moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Neste caso estaremos diante do chamado “homicídio privilegiado” que autorizará redução de pena de um sexto a um terço. Conforme se tem decidido, o “homicídio privilegiado”, mesmo que cometido de qualquer das maneiras elencadas nos itens “a” e “b”, não será considerado hediondo. Tratar-se-á do chamado “homicídio qualificado-privilegiado”. A consequência é que não haverá tanto rigor no cumprimento da pena. E pode ser que o homicídio seja classificado apenas como “privilegiado” se a executora tiver agido por motivo de relevante valor moral (para defender a sua honra), ou sob o domínio de violenta emoção (não basta a mera influência da emoção, mas que ela realmente venha a causar transtorno), logo em seguida à injusta provocação da vítima; e a maneira de execução não envolver qualquer das formas já descritas. Nesse caso a sanção poderá ser bastante branda.
            De qualquer forma, no Irã, segundo consta, um membro da família da vítima de homicídio costuma ser convidado para empurrar a cadeira sob os pés da pessoa condenada quando ela estiver com a corda no pescoço. No Brasil o sistema oficial não “delega” para a família qualquer ato de vingança; só existe pena de morte para casos de guerra declarada e ela é efetivada por fuzilamento. O Código Penal Militar prevê a morte em tempo de guerra para atitudes de favorecimento ao inimigo: traição; favor ao inimigo; tentativa contra a soberania do Brasil; coação a comandante; informação ou auxílio ao inimigo; aliciação de militar; ato prejudicial à eficiência da tropa; cobardia qualificada; fuga em presença do inimigo; espionagem; “cabeças” [a lei utiliza tal termo] de motim, revolta ou conspiração; incitamento em presença do inimigo; rendição ou capitulação; descumprimento de ordem que gere perigo a força, posição ou outros elementos de ação militar; separação reprovável; abandono de comboio com resultado grave; dano especial em benefício do inimigo ou possa comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares; dano em bens de interesse militar; envenenamento, corrupção ou epidemia que comprometa a segurança, dentre outros... E no Brasil a vítima não pode evitar que o agressor não seja responsabilizado, a não ser nos casos de lesão leve e lesão culposa que não configurem violência doméstica, se a pessoa ofendida não oferecer representação...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
(publicado no Diário de Penápolis de 16/10/2014)


9 de out. de 2014

O disparo no rosto do ambulante: legítima defesa

         
           Os meios de comunicação noticiaram e convém comentar com isenção, lucidez e objetividade...
            Três policiais militares participavam de operação de combate à pirataria no centro de São Paulo. Para quem só gosta de criticar sem fundamento, a PM deveria se preocupar com outras coisas etc. Para mim, onde existe prática delituosa, não importa a gravidade, o Estado deve exercer o seu papel. E a definição de gravidade não passa apenas pela análise da pena prevista, mas tem a ver com os reflexos de determinada conduta para a coletividade. Se o legislador, nosso representante, optou por criminalizar, a lei deve ser cumprida. E o policial não deve correr o risco de responder por prevaricação. Simples assim...
            Dois policiais, por razões que desconheço, se atracaram no chão com um camelô que resistia ser algemado. O terceiro ficou de pé, junto dos demais, fazendo a segurança deles. Tudo estava sendo filmado por meio de vários telefones celulares. O camelô não estava sendo agredido, mas apenas imobilizado. Ninguém estava autorizado a agir em legítima defesa dele. Quem entendesse a ação indevida deveria, no máximo, aguardar a imobilização e seguir junto para a delegacia para expor as suas razões, o que teria sido saudável.
            Naquele momento, vários outros vendedores ambulantes cercaram os policiais. Aquele que ficou de pé pedia para que se distanciassem. Utilizava spray de pimenta, meio não-letal, mas não era respeitado. Um indivíduo de camisa xadrez chegava cada vez mais perto, exibindo a sua “valentia” para os demais. No chão, dois policiais com as armas na cintura, expostas ao risco de arrebatamento. E o terceiro policial bravamente os protegia.
            O contexto era de intenso risco, pois os três homens da lei estavam cercados e, se vacilassem, seriam desarmados, espancados e quiçá mortos por aqueles indivíduos que desrespeitavam as autoridades. Estava em jogo também a respeitabilidade do serviço público como um todo.
            A afronta prosseguiu por considerável tempo... as pessoas começaram a se aproximar por todos os lados... Uma mulher chegou perto dos pés do policial “protetor” e pegou algo. No instante em que o “protetor” olhou para o lado oposto, aquele sujeito de camisa xadrez extrapolou: avançou contra a mão do policial no intuito de tomar-lhe o spray ou de simplesmente acioná-lo contra os olhos dos policiais. Se tivesse tido êxito, as consequências seriam as já expostas. Inviabilizou o uso do gás como resposta por parte do agente.
            O policial “protetor” dos demais não teve dúvida: atirou no rosto do ambulante, que ainda cambaleou, mas morreu no local. E foi exatamente o que ele mereceu! Afrontou a força de segurança. Desrespeitou a ordem de manter distância. Avançou e colocou a vida dos policiais em risco. E pagou com a sua vida, que, diga-se de passagem, não valorizava.
            Todos os requisitos da legítima defesa estiveram presentes. Segundo o Código Penal, no seu art. 25, “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. A agressão do ambulante era injusta. A reação foi a única possível, condizente com o risco provocado pelo agressor, com o instrumento à disposição e com o tempo para o revide. Quem já atuou em tumulto sabe disso.
            Houve algum burburinho nas redes sociais, mas quem comentou sem “conhecimento de causa”, se precipitou. Há quem critique sem a necessária imparcialidade só porque, ainda que sem razão, um dia foi contrariado pela PM e tem dificuldade para respeitar autoridades e regras ou generaliza e trata a instituição como sua inimiga, esquecendo-se do que ela faz diuturnamente em seu favor. Por fim, há que prefira apenas fazer sensacionalismo para vender seu produto de mídia, conseguir seus votos ou defender outros interesses ilegítimos.
            O homem de xadrez quis acender o pavio para que os demais “explodissem”. O policial explodiu seus miolos. Nossa! Mas é preciso “falar” desse jeito? Sim, pois tem gente que não entende outro discurso e porque tenho embasamento jurídico (muito embora respeite opiniões contrárias).
            Quanto ao policial “protetor”, acabou sendo preso em flagrante e depois liberado. Na minha opinião o delegado nem deveria tê-lo prendido, mas apenas registrado tudo e justificado o seu posicionamento.
            E que tudo isso sirva de lição!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(Publicado nas edições de 9/10/2014 do Diário de Penápolis e do Correio de Lins)