O nosso sistema jurídico enfatiza o dever de
sermos solidários e em alguns casos prevê sanções penais para os faltosos.
Há casos
em que não se exige vinculação alguma entre o omisso e a vítima (nem
parentesco, nem relação com a situação de risco). O indivíduo não pode alegar,
portanto, que nada tem a ver com o problema do outro.
O Código
Penal, no artigo 135, tipifica como crime a omissão de socorro: “deixar de
prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança
abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em
grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública” (entendida esta como qualquer pessoa do serviço público apta a prestar
o auxílio). Temos o dever de intervir, por ex., diante da notícia de que uma
pessoa idosa, por razões psíquicas, não está promovendo adequadamente a sua
higiene pessoal e isso está lhe gerando risco, situação até comum quando idosos
moram sozinhos e a família não promove o devido acompanhamento. Aliás,
tratando-se de pessoa idosa, incidirão previsões de crimes previstas no
Estatuto do Idoso, especialmente o artigo 97: “deixar de prestar assistência ao
idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente
perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa
causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública”.
No caso
de acidente de trânsito, cabe também ao condutor de veículo envolvido, ainda que
não tenha tido culpa, prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo
fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade
pública. Se nada fizer, responderá pelo crime do art. 304 do Código de
Trânsito, segundo a lei, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros,
que se trate de vítima com ferimentos leves ou que posteriormente se constate
que tinha havido morte instantânea (pois não cabe ao
indivíduo proceder à avaliação quanto à eventual ausência de utilidade de
socorro – STF, HC 84.380). Os demais que passarem pelo local poderão
responder pelo crime do art. 135, acima citado.
A
legislação, evidentemente, também cobra postura ativa do responsável pelo
evento lesivo.
Nos
casos de homicídio culposo e lesão culposa, crimes praticados sem intenção, mas
em decorrência de imprudência, negligência ou imperícia, no trânsito ou fora
dele, a pena é aumentada se o culpado deixa de prestar imediato socorro à
vítima ou não procura diminuir as consequências do seu ato. Só existe crime se
o indivíduo podia socorrer sem risco pessoal (por ex., de linchamento). O
Supremo já confirmou a constitucionalidade desse aumento de pena, ou seja, já ratificou
o dever de solidariedade (HC 126.563 ED).
Quando
que se omite tem o dever jurídico de evitar resultado danoso mais grave,
responderá por ele na hipótese de omissão injustificada. Em suma: alguém pode
responder por homicídio, como se tivesse atirado no outro, apenas por ter se
omitido e dado causa à morte. Esse dever pode derivar de lei (ex.: filho deve amparar
o pai), de relação contratual (ex.: babá deve evitar o afogamento da criança) e
da criação do risco pelo agente (ex.: quem empurrou o outro na piscina tem o
dever de salvá-lo).
Ainda
que a pessoa resista ao socorro, persiste o crime pela indisponibilidade do bem
jurídico. É preciso insistir, fazendo tudo que estiver ao alcance (não basta o
socorro parcial), muito embora não se exija ato heroico que coloque em idêntico
risco quem se propõe a ajudar. Apenas a omissão injustificada de quem tem
condições de compreender a situação de perigo é que gera consequências penais. Não
justifica a omissão, por ex., é evidente, a alegação de que transportar o
ferido sujaria o veículo de quem teve contato com a situação.
Outros
ramos do direito também tratam dever de assistência, especialmente entre
familiares. O Código Civil prevê, inclusive, a possibilidade de deserdação de
quem desampara ascendente ou descendente em alienação mental ou grave
enfermidade (artigos 1.962 e 1.963).
É lamentável
que a lei tenha de reprimir penalmente quem não é solidário, mas isso acontece justamente
porque tem muita gente assim...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado nas
edições de 13/8/2015 do Diário de Penápolis e do Correio de Lins e abordado em
entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 10/8/2015)