Tenho escrito bastante
desde 1999 com os objetivos de difundir o Direito, induzir reflexões sobre as
carreiras jurídicas e os cotidianos policial e forense e principalmente
aprimorar meus pontos de vista.
Não tenho qualquer pretensão
de que os meus textos se tornem “tijolos de um muro de lamentações”, mas a
notícia abaixo é uma prova de que a magistratura está longe de ser um lugar
confortável para se trabalhar e entendi que deveria tratar do tema.
Em julho de 2013 causou perplexidade
a notícia de que Cecília de Moura Barbosa Lima, que ocupava o cargo de analista
judiciário no TRE-MG, assumiu o concurso para juíza de direito no Tribunal
mineiro e desistiu da magistratura, tendo retornado para a atividade anterior
menos de dois meses depois. Recentemente o Desembargador aposentado Vladimir
Passos de Freitas relacionou vários juízes que prestaram outros concursos e
publicou interessante texto no sítio Consultor Jurídico (“Fatores diversos
levam juízes e promotores a sair da carreira”).
Juízes, ao contrário
do que muitos pensam, não raramente enfrentam, como certa vez ouvi na Escola da
Magistratura, mais restrições do que os padres. O volume de trabalho é
invencível. O Conselho Nacional de Justiça concluiu recentemente, depois de um
amplo estudo, que o Judiciário, com a estrutura que possui, não consegue
produzir mais do que vem produzindo. O número de ajuizamentos sempre supera o
de desfechos. De nada adiantaria um magistrado trabalhar 18 horas por dia, pois
seu serviço não estaria em dia. Ao contrário, adoeceria. Aliás, muitos adoecem...
E não há como decidir
sem condições físicas e muito menos mentais. Chega um certo momento do dia em
que o desgaste mental pode “emperrar” tudo. Eu costumo dizer, comparativamente,
para os meus alunos: fiquem jogando xadrez o dia todo e verifiquem como estarão
no final da tarde!
O trabalho do juiz é
solitário, sem válvulas de escape. Enquanto delegado de polícia eu às vezes
optava por levar as correspondências ao correio, fazia patrulhamento e saía das
“quatro paredes”, via gente, contemplava o céu azul... Na magistratura é
difícil surgirem momentos de descontração. E quando a gente se esforça para
parar (até para se preservar de lesões por esforços repetitivos) e tomar aquele
cafezinho, sempre tem alguém que não viu o que foi feito e que diz:
“funcionário público é isso aí... só fica tomando café...”.
Se o juiz é simpático,
tem gente que confunde as coisas. Se é sério, isso muitas vezes é confundido
com soberba, muito embora uma coisa nada tenha a ver com a outra.
Se um advogado vira
amigo do juiz, às vezes ele sofre discriminação dos próprios colegas e se o
juiz julgar o pedido dele favorável, alguém poderá dizer que foi por conta da
amizade. É por isso que às vezes as pessoas preferem não se aproximar do
juiz...
Em alguns casos, se o
juiz julga improcedente o pedido, o profissional “leva para o lado pessoal”...
Não entende que o juiz tem e deve mesmo ter um outro olhar... Que tem um “ângulo
de visão” diferenciado... Que tem as suas próprias teses. A partir daquele
momento, haverá risco de eventual admiração do profissional pelo julgador se
transformar em ácidas críticas feitas no calor da emoção (principalmente agora
que as redes sociais e o Whats App estão à disposição), sem que o crítico antes
se acautele e analise tudo com bom senso, tentando se colocar no lugar do
magistrado.
Requerer não gera
responsabilidade, mas decidir gera... Por isso, decidir, obviamente, é muito
mais difícil. O juiz, por ex., se não fiscalizar os recolhimentos de custas,
tem de pagar “do bolso”. E nem sempre tudo o que acontece lá fora acaba sendo
fielmente demonstrado no processo. Em suma: quem requer tem um convencimento
formado com o processo e com aquilo que ouviu, sentiu e enfrentou antes do
ajuizamento. E o juiz, por mais que tenha de ser sensível, precisa fundamentar
o que decide e não pode, por ex., explicar que ficou com dó da parte. Só pode
se pautar no que ficou comprovado dentro do processo. Conforme se costuma
dizer, “o que não está nos autos, não está no mundo!”.
Depois de uma audiência
triste sobre família sendo desfeita ou estupro de criança, por ex., ainda que o
juiz aja com profissionalismo, nem sempre é fácil se recompor e continuar
decidindo tranquilamente os demais casos. O juiz não é de ferro!
A incompreensão de muita
gente causa tristeza, pois é mais fácil culpar o magistrado pela “lentidão” da
resposta jurisdicional do que entender a sua situação. E quem não é juiz muitas
vezes não entende que determinados casos não podem ser julgados rapidamente, ou
seja, que a melhor decisão é aquela que surge depois do amadurecimento da
convicção.
Paralelamente, o juiz
atualmente tem de dar inúmeras satisfações sobre os seus números aos setores
controladores da “produção”, como a Corregedoria e o Conselho Nacional de
Justiça. Para mim, esse é um dos grandes problemas. Não que não ache que o juiz
não tenha de ser monitorado... O problema é que na maioria das vezes os
controladores estão preocupados com a quantidade e não com a qualidade das
decisões. E para se decidir com atenção e bom nível de detalhamento o juiz
acaba demorando mais e os processos acabam se acumulando. Da minha parte,
continuo acreditando que é melhor um caso “bem cuidado” do que vários
analisados e decididos de qualquer jeito, como se cada decisão não interferisse
sobremaneira nas vidas de várias pessoas. Fazer justiça não combina com “linha
de produção”!
O juiz tem de ficar
atento, ainda, para guardar coerência a respeito do que decide, já que de certa
forma gera precedentes e não pode fugir muito da sua linha de entendimento,
pelo menos não sem antes justificar a mudança de postura. Por isso, determinar
que uma creche receba um garoto mesmo sem ter vaga, só porque a mãe que deixar
o filho mais perto de casa, poderá implicar na aceitação de outros pedidos e na
inviabilização do serviço, com prejuízo para todos. Nem sempre é tão simples
assegurar direitos que o legislador criou sem se preocupar com a maneira de dar
efetividade a eles.
Enfim, o juiz não
consegue agradar a todos... E nem conseguiria. Deseja, apenas, ser entendido não
como vilão, mas como apenas mais uma vítima de um sistema que não criou e que
precisa ser todo repensado.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis de 25/9/2014)