Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

14 de jul. de 2013

Reivindique com sensatez

            Logo que assumi a Diretoria do Fórum de Penápolis(SP), posto que já não ocupo, deparei com o encarregado da manutenção se equilibrando numa escada sobre uma mesa para trocar uma lâmpada. Não havia escada compatível com o pé-direito do prédio. Solicitei que fosse adquirida e a resposta da minha secretaria foi de que as verbas disponíveis não contemplavam compra de bens classificados como permanentes. Teríamos de requerer uma escada para o setor específico na capital, aguardar a aquisição e pagar o frete que provavelmente custaria o preço do equipamento. Enquanto isso o servidor ficaria exposto ao risco de uma queda que poderia até ser fatal. Mesmo assim, ele não se furtava de cumprir seu papel.
            Na minha gestão, fiquei dois anos tentando terminar a reforma de um imóvel oficial, mas não consegui. Meus colaboradores praticamente imploravam para que as lojas de material de construção aderissem aos certames licitatórios, mas elas tardavam a apresentar seus orçamentos e por vezes nem davam respostas. Isso porque costuma ser trabalhoso vender para repartição pública e receber dela. Muitos lojistas preferem dedicar seu tempo ao consumidor comum, que em muitos casos compra por telefone e paga pelo Internet Banking.
            Sou testemunha do quanto é difícil realizar as coisas no setor público e de quanto os servidores se esforçam, chegando, muitas vezes, a custear algo para manter o serviço funcionando. É bem verdade que as limitações legais são necessárias para evitar desvios ainda maiores de recursos (pois eles acabam acontecendo mesmo assim), mas o sistema ainda é bastante “travado”. Há condições de legalmente modernizá-lo para que as aquisições aconteçam com mais eficiência e para que se possa pagar menos por produtos de melhor qualidade.
            Na esfera privada, se o dono de um restaurante sabe que um evento atrairá muita gente para a cidade, rapidamente contratará cozinheiras e atendentes para enfrentar a demanda, ainda que temporariamente. No serviço público, via de regra, não existe essa possibilidade. No âmbito do Judiciário, por ex., uma crise econômica pode gerar milhares de demandas sem que haja condições de ampliar o quadro de servidores e a estrutura física na mesma proporção e com a mesma agilidade.
            Os meios de comunicação têm divulgado inúmeros protestos contra administradores públicos e a iniciativa tem surtido bons resultados. Esse envolvimento, além de pacífico, tem de ser permanente e não circunstancial. A sociedade tem de se mobilizar para fiscalizar tudo. Deve se interessar pelos gastos públicos e solicitar prestações de contas das gestões. Mas as cobranças devem ser feitas com muita sensatez para que não haja injustiças.
            Nem todos os gestores podem ser colocados na mesma vala. Muitos chegam a adoecer de tanto se preocuparem em promover boas gestões. Acabam esbarrando na falta de recursos ou na destinação de verbas para certas finalidades sem que seja possível realocá-las; na falta de colaboradores capacitados (porque os salários na maioria das vezes não são convidativos); na falta de recursos materiais e humanos e até em sabotagem de quem não se interessa que o resultado seja positivo. As necessidades se proliferam com velocidade e imprevistos surgem a todo o momento. Desastres naturais, uma galeria que se rompe, uma ponte que cede, epidemias, uma condenação judicial vultosa, o pedido de demissão de um excelente assessor, tudo pode ser motivo para alterar o rumo natural dos projetos do gestor e gerar reclamações que muitas vezes são feitas sem o devido conhecimento das circunstâncias. Alguns dias de chuva, por ex., são suficientes para que o mato cresça exageradamente e exija intervenção do poder público. Se ela não acontece de imediato, rapidamente surge aquele que alega abandono das praças etc., sem se ater ao fato de que já existia uma agenda de serviços a ser cumprida.
            Não raramente quem reclama já “compra uma idéia pronta”, age como um mero repetidor daquilo que ouve, como se fosse um “papagaio”. Critica gratuitamente pelo simples prazer de criticar ou por razões políticas.
            O gestor público de qualquer dos Poderes constituídos nem sempre tem condições de divulgar, em detalhes, as conquistas e as dificuldades. Se o crítico estivesse mais próximo, compreenderia melhor a sua situação e reconheceria mais o seu esforço.
            Não estou a defender quem quer que seja. Pretendo apenas induzir reflexão sobre a necessidade de nos colocarmos no lugar do outro antes de criticarmos. Muitas conquistas de hoje são fruto do trabalho de ex-administradores. E muitos problemas de hoje decorreram de atitudes ruinosas de antecessores.
            Nós mesmos, na nossa vida pessoal, não temos tempo e nem recursos para resolvermos tudo de uma só vez. Às vezes demoramos dias para substituirmos uma lâmpada queimada, mesmo com uma escada disponível... As circunstâncias vão determinando nossas escolhas e ações.
            Portanto, antes de criticar, pergunte-se: Eu, no lugar dele, teria condições de fazer melhor? Pesquisei o suficiente para poder falar? Não estou sendo egoísta e querendo soluções apenas para os problemas que eu julgo importantes? Será que eu não me tornei um crítico “cego” e chato que não consegue enxergar o esforço do outro? Em vez de crítica ácida eu não posso efetivamente contribuir com idéias? Pesquisando eu não teria condições de compreender melhor a razão de determinada providência ainda não ter sido tomada? Pense bem...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Professor no Curso de Direito do Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de jul/2013)

A privacidade do outro

         Todo profissional deve se preocupar com a privacidade das pessoas que atende e/ou com as quais se relaciona. E deve instruir suficientemente seus colaboradores acerca dessa necessidade.
         Certa vez eu presenciei um servidor do Cartório Eleitoral perguntando, à distância, a uma jovem de 16 anos que solicitava a emissão do título, qual era o telefone dela. Na intenção de alimentar o banco de dados ele nem se atentou para o fato de que havia rapazes no mesmo ambiente e de que algum deles poderia fazer mau uso da informação. Sensível ao risco, orientei meu colega de trabalho para que passasse a solicitar dados pessoais com a máxima discrição.
         Imediatamente eu me lembrei da insatisfação que às vezes sintoquando visito consultórios médicos e algumas secretárias insistem em perguntar tudo em voz alta, em vez de solicitarem que eu me aproxime do balcão ou preencha uma ficha. Ninguém precisa saber se fiz determinado exame...
         Devemos ter mente que nem todos se sentem à vontade para revelar telefone, profissão, endereço, estado civil e outras informações pessoais diante de terceiros. Houve uma ocasião em que determinada atendente implicou comigo porque eu disse que não tinha telefone celular. Ela suspeitou que eu não queria fornecê-lo, o que realmente era minha vontade, por entender que a informação não era necessária.
         Há casos em que desprezar a privacidade provoca risco para a segurança, o que acontece, por ex., quando aquele monitor do caixa do supermercado mostra, para todos os que estão nas imediações, o valor da compra, a forma de pagamento e principalmente o troco que foi fornecido ao cliente, expondo-o à ação de ladrões e golpistas.
Às vezes, revelar a profissão de alguém pode lhe trazer riscos ou aborrecimentos e por isso não convém, publicamente, dar a entender que a pessoa com quem a gente se encontra é policial, agente penitenciário, promotor ou juiz. A outra pessoa pode não ficar tão à vontade ou pode até mesmo ter de deixar o local.
A situação fica ainda mais delicada quando as informações dizem respeito a questões mais íntimas. O cirurgião plástico, por ex., na ânsia de convencer alguém a fazer determinado procedimento estético, não tem o direito de revelar que fulana já se submeteu a ele. O arquiteto não deveria exibir fotografias de áreas privativas das casas de antigos para novos clientes ou pelo menos não deveria revelar os nomes dos primeiros, limitando-se a discutir idéias. O servidor público, até mesmo em razão das limitações disciplinares e legais, não deveria comentar fatos que chegam ao seu conhecimento em razão das funções.
         Na mesma esteira, profissionais liberais e empregadores em geral deveriam monitorar permanentemente seus subordinados para que situações de indiscrição fossem evitadas. Profissionais que visitam residências, como entregadores de água e vidraceiros, por ex., não deveriam fazer perguntas do tipo “quanto custa essa moto?” ou “onde você comprou isso?”. A indiscrição pode provocar a perda do cliente.
         Mesmo nas nossas relações sociais, temos de tomar cuidado para não formularmos perguntas indiscretas para aquela pessoa que encontramos em ambientes públicos (como filas de banco), onde não devemos tratar, por ex., na presença de terceiros, de doenças, dívidas e infortúnios familiares e amorosos. E não devemos divulgar telefones de terceiros sem autorização expressa ou sem que o contexto indique que a pessoa gostaria de ser contatada.
         Essa preservação da privacidade exige, inclusive, que aquele que toma conhecimento da informação se abstenha de comentá-la até mesmo em casa, uma vez que não raramente ela se dissemina não por má-fé, mas por descuido de algum familiar do profissional. Não é difícil, ainda, que atritos familiares impliquem na divulgação voluntária de informações sigilosas como forma de retaliação. Quem não se lembra de rebuliços que esposas de políticos já causaram?
         Muitas vezes a gente não se dá conta de que expomos os outros e de que ao mesmo tempo em muitos gostam de “aparecer” (principalmente por meio de redes sociais), outros ainda preferem a tranquilidade e o anonimato (que vale muito, principalmente, para quem já não é tão anônimo assim)...
         Ainda que não se preocupe tanto com a sua, que tal refletir sobre como tem lidado com a privacidade do outro?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Prof. do Curso de Direito do Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de jun/2013)