Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

29 de abr. de 2013

Contra fotos não há argumentos

Francisca ajuizou pedido para que o Juízo reconhecesse 19 anos de união estável e a dissolução dessa convivência com Paulo, contra quem também dirigiu requerimento de partilha de patrimônio apontado como adquirido pelo esforço comum. Juntou várias fotografias.
Conforme estabelece o Código Civil no art. 1.790, “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
A ação tramitou sob intenso grau de litigiosidade, repleta de acusações recíprocas, até que designei tentativa de conciliação que, aparentemente, seria infrutífera.
Paulo sustentava que tinha tido apenas um “caso” com Francisca e que ela não tinha direito a qualquer parcela do seu patrimônio.
         Analisando as fotografias juntadas pela mulher, percebi que eram antigas. Paulo aparecia em momentos festivos da família, abraçado com os filhos de Francisca, atualmente já maiores de 21 anos, enquanto eles ainda eram crianças... Iniciada a audiência, eu disse a Paulo que não me anteciparia em classificar que tipo de relação teria existido entre ele, Francisca e os familiares dela. Comentei apenas que as fotografias demonstravam grande afeto entre todos, especialmente entre ele e os filhos dela.
         Perguntei a Paulo: Se o Juízo acolher o seu pedido e entender que não houve convivência marital entre vocês, deixando de partilhar seu patrimônio, o Sr. poderá se considerar vencedor? Indaguei Francisca: Se o Juízo deferir a sua participação no patrimônio de Paulo, poderá se dizer vencedora?
         Expus aos dois: Na verdade, antes mesmo da decisão judicial, ambos já são perdedores por terem deixado que o afeto retratado nas fotografias tivesse se transformado numa briga judicial intensa que agora leva em conta interesses menos importantes... Vocês querem que a história aqui fotografada se perca para sempre? Como conseguiram apagar das suas memórias todos esses momentos? Será que essas crianças, agora pessoas adultas, aprovam o que está acontecendo? Será que pelo afeto recebido elas não consideraram Paulo como pai durante uma boa fase da vida? E será que Paulo não as considerou como filhas durante essa mesma fase? É justo que esse sentimento agora se esvazie apenas porque a relação de vocês não deu certo? As fotografias, agora juntadas ao processo, serão sonegadas aos filhos de Francisca? Será que eles não gostariam de ficar com tais fotografias como recordação de quem aparentemente tiveram como pai na sua infância?
         Ambos me ouviram em silêncio e enquanto eu falava Francisca começou a chorar e Paulo ficou visivelmente constrangido... Percebi que era hora de sair da sala e disse que logo voltaria. A opção foi correta porque, confesso, estava sensibilizado com o rumo que o que existiu entre eles tinha tomado e com as consequências para terceiros. Não é fácil enfrentar certas questões de Direito de Família... Nem sempre é possível atuar tecnicamente, sem se afligir...
         Em seguida, o casal pediu que meu Escrevente e que os Advogados também se ausentassem, tendo sido atendido. Permanecemos pacientemente fora da sala por cerca de 30 minutos. Quando voltamos, o acordo estava fechado. Francisca aceitou uma oferta em dinheiro de Paulo, que, implicitamente, acabou reconhecendo que realmente conviveram maritalmente e que a primeira merecia ser indenizada pela vida comum. A proposta ficou bem aquém do que se discutia fervorosamente e a mútua flexibilização demonstrou mútuo arrependimento. Mas o que mais importou foi que as partes, ao término da audiência, se cumprimentaram, deram as mãos e disseram que manteriam a amizade, o que antes parecia impossível. Aliviado, dei outras duas orientações. Pedi que tentassem se reunir com os filhos dela para que todos mantivessem um contato saudável, tudo em homenagem aos bons momentos que viveram, segundo as fotografias, por longos anos. E recomendei que solicitassem o desentranhamento (retirada do processo) das fotografias originais para que pudessem guardá-las, afinal, a história deles não poderia ir parar no arquivo geral do Judiciário.
         A sensação de todos, inclusive servidores, Advogados e das cerca de dez testemunhas que seriam ouvidas e que foram liberadas, foi de muita paz. As testemunhas já comentavam, no corredor, que Francisca e Paulo poderiam ter evitado tudo aquilo.
         É compreensível que no momento da tempestade alguém acabe decidindo procurar a Justiça e que a pessoa demandada, sentindo-se ofendida, relute em propor acordo, agravando a discussão, quando a divergência poderia ser sanada com diálogo. Chega um momento em que as pessoas deixam a razoabilidade de lado para apenas “medir forças”, esquecendo-se do desgaste que isso significa, independentemente de quem venha a “vencer” a demanda. É por isso que não devemos decidir nada sob a tempestade. É por isso que devemos eleger com cautela com quem nos aconselharemos antes de tomar decisões de repercussão, pois sempre haverá quem incite a discórdia e não tenha vocação para o perdão. É por isso que devemos estar próximos de quem se encontra no meio do temporal, indicando o caminho mais seguro. Afinal, quase sempre o ímpeto gera e/ou intensifica o erro, interferindo na prevalência do afeto de que tanto tem se esquecido a humanidade.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor do Curso de Direito do Unisalesiano
(remetido para publicação ao Correio de Lins aos 29/4/2013)

Carta aos Juízes, Promotores e demais funcionários do fórum da Comarca Penápolis

O texto abaixo foi escrito por um Advogado e publicado no Jornal Regional de Penápolis(SP) de 19/2/2013. Por não ser tão usual assim alguém compreender as dificuldades do Judiciário e inclusive elogiar o esforço de seus servidores, resolvi publicá-lo neste espaço, "ipsis litteris", com autorização do autor, para induzir reflexão.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira -  Juiz Titular da 2ª Vara de Penápolis(SP)
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Carta aos Juízes, Promotores e demais funcionários do fórum da Comarca Penápolis
Muitas pessoas desejam alcançar um cargo na Magistratura, alguns impulsionados pelo salário, outros pelo status ou ainda por amor aos estudos, mas estes atrativos são insuficientes para manter alguém que não é do ramo na função.
Amar as pessoas e a justiça é a condição primeira para ser um Juiz, que resulta de um tipo de sabedoria que não se aprende somente em livros técnicos, nem decorre de uma progressiva conquista de graus acadêmicos, sendo algo maior e mais profundo. Estar na posição de decidir destinos e impor decisões, exige do julgador uma sabedoria extrema a qual podemos extrair dos tempos mais remotos: Na Bíblia, no primeiro livro de Reis 3: 16-28, podemos analisar a famosa história de Salomão em que duas mulheres foram ao seu palácio, as quais tiveram filhos juntas. Um dos filhos morreu e a mãe desesperada pegou a criança da outra mãe. Pela manhã esta mãe percebeu que aquele que tinha morrido não era seu filho e começaram a discutir. Para resolver o problema foram ao palácio do Rei Salomão e contaram-lhe a história. Ele mandou chamar um dos guardas e lhe ordenou: "Corte o bebê ao meio e dê um pedaço para cada uma". Após a decisão uma das mães começou a chorar e disse: "Não! Eu prefiro ver meu filho nos braços de outra do que morto nos meus", enquanto a outra disse: "Pra mim é justo!". Salomão, reconhecendo a mãe na primeira mulher, mandou que lhe entregassem o filho. Veja a sabedoria deste julgador em tempos que sequer existia o DNA ou mesmo jurisprudências.
“Hoje, muitos acham que um Juiz se forma quando é aprovado em concurso público e é nomeado a tomar posse no cargo. Mas não é tão simples assim. A pessoa torna-se um Juiz muito tempo antes do concurso, pois lutar por uma vida mais justa e solidária está na alma do julgador, que se prepara para ser um Juiz uma vida inteira, em que todo dia é dia de viver e aprender”.
Cada vez mais o Judiciário é chamado a decidir sobre situações que afetam a vida de todos. A busca de uma existência mais feliz e harmônica é a razão de ser da atividade jurisdicional.
Em Penápolis temos ótimos Juízes, assim como ótimos Promotores. Pessoas com dedicação, capacidade de renúncia, entusiasmo, reflexão, estudos permanentes e trabalho excessivo! Com uma responsabilidade enorme de nos fazer acreditar em dias melhores.
Muitas pessoas olham para o fórum e pensam que a justiça é demorada, mas o termo: “demora”, referindo-se ao nosso fórum de Penápolis é usado de forma equivocada! Quando uma pessoa “demora” em fazer algo, dá uma impressão de descaso, desleixo, esquecimento!
Como cidadão penapolense não aceito esses termos! Só Deus sabe o tanto que trabalham esses escreventes, oficiais de justiça, juízes, promotores, oficiais de promotoria, etc.
Fui estagiário no fórum e acompanhei de perto a rotina deles, e observei que eles podem ter mil acertos, mas caso haja um erro, alguns da sociedade apontarão o erro. Como se o ser humano fosse infalível!
Escrevo para aqueles que indagam: “O que os funcionários fazem dentro do fórum para um processo demorar tanto, sendo algumas coisas tão simples?”
Querido munícipe, caso você seja uma pessoa que afirme isso, peço que fique pelo menos um dia dentro do fórum. Esse pré-conceito com funcionalismo público não deve ser ilustrado para os nossos dedicados funcionários, que batalham para fazer a máquina judiciária de Penápolis funcionar.
Perceberá também que existe uma burocracia que deve ser respeitada em virtude da Lei, e que eles devem dar conta de milhares de processos, respeitando todos os atos, dentre eles: Organizar, preparar a capa, ler, carimbar, cadastrar, dar conta de prazos, atender o balcão, subir escadas, descer escadas, sentenciar, oficiar, pronunciar, condenar, etc...
Sendo certo, que muitos vão além do que lhes foram atribuídos quando ingressados em seus respectivos cargos.
Superada esta etapa, você perceberá que um dia de trabalho é pouco e insuficiente para atender a demanda e que o problema não está nos funcionários.
Concluindo! Parabenizo o Judiciário da Comarca de Penápolis, e sei o tanto que vocês se esforçam por nós penapolenses e os munícipes das demais cidades. Que Deus os abençoe sempre.
GUILHERME MARTINS MORENO