Quem lida
com atendimento ao público sabe do que o público é capaz e precisa estar
preparado.
O bom
atendimento requer exercício diário da paciência e compreensão.
É preciso
entender que a maioria das pessoas procura a repartição pública para solucionar
problemas, muitos deles, absolutamente desgastantes.
Muitas vezes
as grosserias estão presentes, seja porque incrustadas no jeito de ser do
interessado visitante (“pago impostos e quero meu problema resolvido agora”);
seja porque motivadas pela sua instabilidade emocional temporária (por razões
de saúde, financeiras, familiares, profissionais, amorosas etc.) ou até permanente
(desvios de personalidade); seja por reação ao mau atendimento prestado por algum
servidor que indevidamente transferiu suas frustrações a terceiros.
Outras
vezes, o servidor público depara com pessoa simplória, desinformada e/ou de
parcos conhecimentos.
Por fim, há
casos nos quais a indignação do reclamante nem sempre é compreendida pelo
servidor público, pois ele indevidamente se coloca no lugar do cidadão e entende
que não se ofenderia ou não reclamaria pelo mesmo motivo, como se os pontos de
vista não variassem de pessoa para pessoa.
É evidente
que julgar, logo de plano, a legitimidade ou não da reclamação e a necessidade
ou não de providências não é o melhor caminho, pois os graus de tolerância aos
fatos da vida variam conforme a idade, o sexo, o grau de instrução, a profissão,
o nível social e até a religião de cada pessoa. Tais fatores devem ser
minuciosamente sopesados antes de o servidor desdenhar da situação narrada pelo
cidadão.
Certa vez,
por exemplo, um senhor esteve na Delegacia para solicitar registro de
ocorrência inusitada. Julgava-se ofendido porque uma pessoa teria perguntado a
um conhecido, nas imediações da sua residência, se ele tinha falecido. Muitos
não se incomodariam com o mesmo questionamento, mas talvez o tal senhor o tenha
encarado como um mau agouro. Respeitei a reclamação, mas esclareci que a lei
não reprovava a conduta.
Algumas dúvidas
também podem parecer ridículas para os mais escolados, mas, ao mesmo tempo, perturbar
os desinformados. Recordo-me de que certa vez uma senhora adentrou na Delegacia
(em vez de ter se dirigido a qualquer unidade de saúde) e antecipou que estava
com vergonha de perguntar, mas acabou me pedindo uma opinião. Disse que ficou
sabendo que seu sobrinho estava sendo procurado pelo Centro de Saúde de Pirajuí
sob suspeita de ser portador de uma doença no “bingulim” (pênis, segundo o
Dicionário Aurélio). Alegou que o tal indivíduo estava hospedado num lote no
Projeto de Assentamento Antonio Conselheiro, em Guarantã(SP), e que em tal
residência havia moças que eventualmente poderiam se sentar em algum local onde
o supostamente infectado pudesse ter se sentado, o que, no entendimento da
reclamante, geraria risco de contágio. Diante da inusitada consulta, encaminhei
à solicitante à Assistência Social do município para que a questão que envolvia
seu sobrinho fosse esclarecida.
Noutras
oportunidades, ébrios e desequilibrados ou tumultuam ou alegram, mas o certo é
que de certa forma alteram a rotina das repartições. Recentemente uma acusada
de furto compareceu na sala de audiências do Fórum de Cafelândia(SP) e deu um
forte e demorado abraço no servidor André Arnal (pareciam fã e artista de
novela!). Ato contínuo, começou a chorar e a implorar a ele, em voz alta, para
que “limpasse” o seu nome dela, já que estava sendo processada. Fiquei sabendo
que ela era alcoólatra e não precisei mais do aquilo que vi para instaurar, de imediato,
incidente para aferição da sanidade mental.
Como se vê,
os servidores públicos devem estar preparados para tudo e, de preferência, isentos
de conceitos próprios acerca da relevância e da urgência das situações que lhes
são postas. Precisam se policiar a todo o momento. Não devem subserviência a
quem quer que seja, mas, no mínimo, respeito; tolerância em relação às
desigualdades de toda sorte e exata noção das aflições e limitações de toda
ordem que cada vez mais atingem os seres humanos.
Adriano Rodrigo
Ponce de Oliveira
Juiz de
Direito de Cafelândia(SP)
(publicado
no Getulina Jornal de 23/11/2008)