Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

28 de jul. de 2014

Cinema não pode proibir cliente de entrar com alimentos

            O egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) tratou, em decisão de março de 2014, nos autos do Agravo de Instrumento 1.368.374, interposto por Cinemark Brasil S/A, de algo que interessa quem gosta de frequentar cinemas.
            Consta do julgado que o Cinemark foi multado por infração ao art. 39, “caput”, do Código de Defesa do Consumidor, por ter proibido que clientes ingressassem em salas de projeção com alimentos adquiridos em estabelecimentos externos.
            O Procon paulista o havia autuado pela prática da “venda casada”. O Tribunal paulista reconheceu a regularidade do auto de infração, tendo decidido que a multa estava de acordo com o artigo 57 do Código. Rechaçou o argumento de que o Cinemark teria tido suprimida a liberdade de estipular termos e condições da prestação do serviço.
            O relator do acórdão do STJ, Min. Arnaldo Esteves Lima, lembrou que o STJ já tinha se posicionado pela possibilidade de o poder público reprimir a “venda casada” em cinemas por meio de autuações. Isso porque a livre iniciativa deve ser exercida sempre à luz dos princípios do direito do consumidor. Discorreu sobre a irregularidade, tendo reproduzido julgado do Min. Luiz Fux (Recurso Especial 744.602/RJ, DJ 15/03/2007):
“A denominada 'venda casada', sob esse enfoque, tem como ‘ratio essendi’ da vedação a proibição imposta ao fornecedor de, utilizando de sua superioridade econômica ou técnica, opor-se à liberdade de escolha do consumidor entre os produtos e serviços de qualidade satisfatório e preços competitivos. Ao fornecedor de produtos ou serviços, consectariamente, não é lícito, dentre outras práticas abusivas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (art. 39, I do CDC). A prática abusiva revela-se patente se a empresa cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos na suas dependências e interdita o adquirido alhures, engendrando por via oblíqua a cognominada 'venda casada', interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade comercial como, ‘verbi gratia’, os bares e restaurantes. O juiz, na aplicação da lei, deve aferir as finalidades da norma, por isso que, ‘in casu’, revela-se manifesta a prática abusiva”.
            Na seqüência, Sua Excelência não considerou inadequada a multa de R$ 22.660,01, que tinha sido mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com base nos seguintes argumentos:
“Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade foram atendidos na aplicação da pena. Não há dúvida de que ela deva ter um caráter preventivo para obstar o transgressor na prática de outros atos ilícitos e deve ter também um caráter repressivo para que o sancionado se intimide na reincidência da prática de atos ilícitos. Na hipótese vertente, o Órgão público não exacerbou na punição. Mesmo diante desses dois dados, não poderia ter aplicado uma pena mais branda, especialmente, porque o dano social foi relevante e houve extensão do mesmo no mundo consumerista, verificando-se repercussão econômica financeira de razoável prejuízo para aqueles consumidores que freqüentam o estabelecimento”.
            E por falar no Recurso Especial 744.602/RJ, na ocasião do seu julgamento, em 2007, o derrotado foi o mesmo Cinemark, grande empresa da área do entretenimento, que na época tinha sido multada no Estado do Rio de Janeiro.
            As decisões trataram de cinemas, mas o raciocínio se aplica a outros eventos, como jogos de futebol.
            Seria interessante que as autoridades competentes determinassem que avisos sobre a proibição ilegal fossem retirados dos estabelecimentos, evitando-se, dessa forma, que desavisados fossem prejudicados.
            Estejamos atentos!
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito e Professor universitário
www.direitoilustrado.blogspot.com – twitter @adrianoponce10

(publicado no Jornal Correio de Lins aos 23/7/2014)