Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

23 de jan. de 2015

Processo digital

A Comarca de Penápolis ainda não adotou o chamado “processo digital”, ao contrário do que já aconteceu em Lins e Birigui.
Muito embora todas estejam classificadas na entrância intermediária (sejam do mesmo “nível”), em Penápolis funcionam quatro varas de competência cumulativa, enquanto que nas outras operam três varas cíveis e duas varas criminais. Em todas também existem Juizados.
Contamos, portanto, com uma vara a menos e por isso não pudemos concretizar a tão sonhada especialização da competência. Quando o juiz atua somente na área criminal ou apenas na área cível a sua produtividade aumenta. Fica mais fácil se atualizar. Ele não enfrenta tantas oscilações de raciocínio. Ao contrário, quando atua numa vara de competência cumulativa (cível e criminal), o juiz enfrenta uma variedade muito grande de assuntos. Diante da complexidade e da vastidão do Direito, isso dificulta bastante o trabalho. É como se o juiz fosse um “clínico geral”. A diferença com a carreira médica é que o juiz não pode fazer o primeiro atendimento e encaminhar o caso para o especialista. Tem de seguir decidindo até o fim. Tem de ser “especialista em quase tudo”...
Em Penápolis, que não conta com Justiça Federal, os magistrados ainda presidem milhares de ações previdenciárias (demandas ajuizadas contra o INSS para a obtenção dos mais variados benefícios).
As sete cidades da Comarca de Penápolis (Penápolis, Alto Alegre, Avanhandava, Barbosa, Braúna, Luiziânia e Glicério), segundo estimativa do IBGE para 2014, devem possuir 101.097 habitantes. As três cidades da Comarca de Lins (Lins, Guaiçara e Sabino), por sua vez, devem totalizar 92.600 habitantes.
Na Comarca de Penápolis cada um dos cinco juízes estaduais responde por 20.219 habitantes. Na Comarca de Lins cada um dos seis juízes estaduais responde por 15.433 habitantes. Em Lins já existe Vara e Juizado Federais. Como a Justiça Estadual, em razão disso, não absorve causas de competência federal, é possível dizer que, em verdade, o mesmo trabalho desempenhado em Penápolis por cinco juízes e feito em Lins (Comarca menor) por pelo menos sete juízes, ou seja, que cada um deles responde por 13.228 habitantes, realidade bem diferente da nossa!
Cada magistrado de Penápolis preside cerca de 15.000 processos (incluídas as mais de 38.600 execuções fiscais que dividem).
Em resumo, 20.219 habitantes desaguam seus problemas (exceto os de ordem trabalhista e puramente federais), por meio de 338 advogados (contando apenas os inscritos na OAB de Penápolis), de cinco Promotores de Justiça e de várias autoridades policiais, num cartório judicial onde trabalham em média 15 pessoas; que, por sua vez, movimentam esses processos para que um juiz resolva questões de todos os graus de complexidade e relativas a quase todas as disciplinas jurídicas. O afunilamento é impressionante, não é mesmo? Quem dá conta? Quem se habilita?
Quando o processo digital for implantado em Penápolis, tudo isso acontecerá “virtualmente”. Ações serão ajuizadas de qualquer lugar, a qualquer hora, sem que papéis tenham de ser juntados e sem que os autos tenham de ser transportados ao juiz, procedimentos que, se por um lado geram alguma demora, permitem que o escrivão selecione o que precisa ser apreciado com mais urgência. A consequência é que a “caixa de entrada” do juiz, semelhante àquela que acumula e-mails, acumulará, durante 24 horas por dia, questões a serem decididas, independentemente do grau de complexidade e de urgência.
Nesse dia, com o devido respeito, eu desejo que já não esteja por aqui... Para mim “fazer justiça” não combina com números. O trabalho do Judiciário cada vez mais tem sido visto apenas sobre o enfoque quantitativo, como se uma decisão apressada não pudesse destruir os sonhos de alguém. Existe muita preocupação com tecnologia, mas se esquecem de que aquele que tem de decidir é um ser humano e não uma máquina.
Com o processo digital, haverá economia, praticidade, mas o que a Justiça precisa mesmo, além da conscientização das pessoas de que nem tudo deve ser objeto de ajuizamento, é de mais juízes; de que eles tenham mínimas condições para bem desempenharem o seu mister; de que tenham mais serenidade para lidar com as sensíveis questões submetidas ao seu crivo, o que tem acontecido cada vez menos... Do jeito que está, a perspectiva é a de que, por mais que nos empenhemos, com o processo digital a fila aumente ainda mais, a não ser que comecemos a decidir “de qualquer jeito”, solução que me recuso a adotar, pois geraria produtividade em números, mas feriria o juramento que fiz e, pior ainda, a minha consciência, além, é claro, de só agravar conflitos.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
(publicado no Diário de Penápolis de 22/1/2015 e também no Correio de Lins)