Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

31 de jan. de 2015

Perturbação do sossego


O problema de perturbação do sossego infelizmente é recorrente. Os casos mais comuns decorrem de uso abusivo de equipamento de som e excesso de ruído provocado por cultos religiosos, aglomerações nas imediações de estabelecimentos comerciais e educacionais e até por animais de estimação.
Não há como esgotar o tema neste artigo, já que uma série de circunstâncias do caso concreto deve ser analisada, mas o objetivo é esclarecer o que pode ser feito.
Mesmo durante o dia os abusos podem ser reprimidos se forem devidamente demonstrados, o que normalmente se faz por meio de aferição dos níveis das emissões de ruídos. Mas a prova meramente testemunhal também já foi aceita (STF, RHC 117465).
É importante verificar se o Município definiu horários e limites. Julgados têm se amparado também na Resolução nº 01/90 do Conama e na norma NBR 10.152.
O Direito Penal normalmente é o primeiro a ser lembrado, mas não é o único que pode favorecer a solução. Isso porque as sanções não são suficientemente severas para a repressão. E a responsabilidade penal é individual. Um não pode responder pela infração do outro.
A Lei das Contravenções Penais prevê a perturbação do sossego e a perturbação da tranquilidade, mas são infrações de menor potencial ofensivo. O art. 42, por ex., dispõe: Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa”. Normalmente o autor tem direito à transação penal.
A Lei 9.605/1998 estabelece: “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”. A sanção é mais grave, mas penso que não intimida tanto, pois pode caber suspensão condicional do processo. O STF não descartou a incidência do artigo para a poluição sonora (RHC 117465). O STJ tem decidido que a poluição sonora está compreendida na expressão “poluição de qualquer natureza”. Mas quando decidiu o HC 134163, a Ministra Maria Thereza entendeu que “conduta de provocar ruídos ou sons em desacordo com os limites impostos em regulamento administrativo não se enquadra no art. 54”, posicionamento que creio que seja minoritário.
No âmbito do Direito Civil, há quem ajuíze ação contra o estabelecimento comercial com o objetivo de restringir o seu horário de funcionamento por conta do exercício irregular do direito de propriedade. Na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo existem julgados que acolheram tal pretensão. Ao julgar a Apelação 0006760-98.2006.8.26.0407, por exemplo, o TJSP confirmou decisão da primeira instância que, com base no direito de vizinhança, reconheceu que loja de conveniência era responsável pela emissão de ruídos excessivos e algazarras que perturbavam o sossego dos moradores da região. Determinou que ela não funcionasse das 22 horas às 8 horas, sob pena de multa diária no importe de um salário mínimo. E também a condenou a pagar R$ 15 mil a título de indenização por danos morais ao autor da ação judicial, já que sofreu retaliações por ter reclamado. Ressaltou que é objetiva a responsabilidade decorrente do direito de vizinhança, ainda que a empresa esteja autorizada a funcionar. Em suma: se a empresa lucra com o movimento, deve responder pelos excessos dos seus clientes.
Em alguns casos as ações têm a ver com abusos praticados em templos religiosos, por meio de som “ao vivo” ou mesmo durante ensaios e eventos (especialmente na época do Carnaval), que devem acontecer em locais especificados pelo poder público, tal como já se decidiu. O TJ já decidiu também que mesmo as manifestações de cunho cultural em locais predefinidos não podem gerar propagação excessiva de ruído.
Não vejo problema na apreensão de equipamento de som para perícia quando devidamente justificada, mas não é possível garantir que não será devolvido depois da providência. Cada caso é um caso... E cada julgador tem seu entendimento.
O importante é que a pessoa se diga ofendida com o barulho mantenha a calma e procure tomar providências com embasamento legal. Isso porque se ânimos se exaltarem os desdobramentos poderão piorar a situação. Recordo-me de que quando atuava na Delegacia de Guarantã(SP) tentei conciliar dois vizinhos por causa de latidos de cães. A princípio o problema foi controlado, mas posteriormente houve confronto físico que quase provocou a morte de um deles, já que teve uma víscera rompida... Vale a pena dialogar civilizadamente. Às vezes priorizar o registro da ocorrência ou o ajuizamento poderá protelar a solução ou acirrar os ânimos. Mas se o prejudicado sentir que não há espaço para diálogo, deve solicitar o apoio da Prefeitura, da polícia ou do Ministério Público. Aliás, muitos entraves poderiam ser evitados se a polícia, em vez de aguardar o acionamento sob o argumento de que “sem vítima não há perturbação”, se antecipasse e fizesse orientações preventivas quando os próprios policiais já notassem os excessos. Afinal, às vezes o prejudicado não denuncia porque tem medo. E se multas administrativas fossem aplicadas...
Havendo necessidade, o Judiciário poderá ser acionado. Tenho para mim que providências na órbita cível acabam surtindo resultados mais eficazes, mas às vezes o infrator poderá se intimidar com a investigação policial.
Outras peculiaridades deverão ser observadas: o maior ou menor grau de tolerância do incomodado; a quantidade de pessoas reclamantes; se a região onde o suposto abuso aconteceu é predominantemente residencial ou não; se o responsável pelo imóvel foi omisso ou se fez o que podia para evitar a perturbação etc.
O que não se justifica, no entanto, é que abusos deixem de ser combatidos pela descrença do prejudicado nas instituições e no nosso ordenamento jurídico, pela omissão de autoridades, pela preguiça em denunciar ou pelo receio da impopularidade, pois a inércia incentiva excessos e o sofrimento poderá provocar severos problemas de saúde pela falta do descanso e/ou pela indignação acumulada...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado na edição de janeiro de 2014 da Revista Comunica e no Diário de Penápolis de 29/1/2015)