Decisão recente do Tribunal de Justiça
sul-rio-grandense reverteu condenação imposta em primeira instância e
reconheceu que não existe crime no ato de manter casa de prostituição.
A sentença reformada tinha deixado claro que
eventual conivência social não tem o condão de tornar ineficazes os
dispositivos penais que coíbem a manutenção de casa de prostituição, o
rufianismo e outros delitos do gênero. A Câmara julgadora do TJRS, no entanto,
por maioria, entendeu aplicável o princípio da adequação social, segundo o
qual, mesmo que exista previsão legal (tipicidade formal), a conduta aceita
pela sociedade não deve ser considerada criminosa (não tem tipicidade
material).
Apesar de a conduta estar prevista no Código Penal,
no entendimento dos desembargadores, como o Estado não combate a prostituição e
como ela é tolerada também pela sociedade, não é razoável aceitar que seja
reprimida penalmente.
O acórdão transcreveu precedentes no mesmo
tribunal. O entendimento foi assim resumido: “A exploração
de casa de prostituição, embora formalmente típica, é conduta amplamente
tolerada pela sociedade, faz tempo, e muitas vezes pelo próprio Estado, que,
através de sua administração, fecha olhos para o funcionamento escancarado de
prostíbulos e de pontos de prostituição em plena via pública, além de ser
estimulada e divulgada pela mídia. Então, não pode o próprio Estado, de um
lado, coibir a prática através de sua função repressiva, e, de outro, pela via
administrativa, permiti-la a olhos vistos” (Apelação Crime Nº 70.061.310.124,
6ª Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho
Friedrich, Julgado em 09/07/2015).
Todavia, a solução não está de acordo com o
que tem decidido o egrégio Superior Tribunal de Justiça. Nos autos do Recurso
Especial 1.508.423/MG julgado em setembro de 2015, por exemplo, ficou claro que
o STJ não aplica o princípio da adequação social aos crimes de favorecimento da
prostituição ou manutenção de casa de prostituição. Ao apreciar o “Habeas
Corpus” 238.688/RJ, em agosto de 2015, o STJ salientou: “A jurisprudência desta
Corte Superior orienta-se no sentido de que eventual tolerância de parte da
sociedade e de algumas autoridades públicas não implica a atipicidade material
da conduta de manter estabelecimento em que ocorra exploração sexual, delito
tipificado no artigo 229 do Código Penal”.
O egrégio Supremo Tribunal Federal, em 2011,
nos autos do “Habeas Corpus” 104.467, também se posicionou pela
inaplicabilidade dos princípios da fragmentariedade e da adequação social:
“Impossibilidade. Conduta típica. Constrangimento não configurado. 1. No crime
de manter casa de prostituição, imputado aos Pacientes, os bens jurídicos
protegidos são a moralidade sexual e os bons costumes, valores de elevada
importância social a serem resguardados pelo Direito Penal, não havendo que se
falar em aplicação do princípio da fragmentariedade. 2. Quanto à aplicação do
princípio da adequação social, esse, por si só, não tem o condão de revogar
tipos penais. Nos termos do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (com alteração da Lei n. 12.376/2010), “não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. 3. Mesmo
que a conduta imputada aos Pacientes fizesse parte dos costumes ou fosse
socialmente aceita, isso não seria suficiente para revogar a lei penal em
vigor. 4. Habeas corpus denegado”.
Com a devida vênia de opiniões contrárias, concordo
que a suposta tolerância em relação à existência de casas de prostituição não
justifica, de forma alguma, que a lei penal possa deixar de ser aplicada. Caso
contrário, outras práticas poderiam acabar sendo “descriminalizadas” com base
no mesmo argumento, como por ex., o jogo do bicho. O principio da
fragmentariedade diz que o Direito Penal deve se preocupar com os bens
jurídicos mais importantes e que outras questões devem ser solucionadas por
outros ramos do Direito. Em 2009 o Código Penal sofreu modificações (Lei
12.015) que somente reforçaram a intenção dos nossos legisladores não somente
de manterem, mas de reforçarem a repressão penal de várias modalidades de
exploração sexual: mediação para servir a lascívia de outrem (art. 227);
favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 228);
casa de prostituição (art. 229); rufianismo (art. 230); tráfico internacional
de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231); e tráfico interno de pessoa
para fim de exploração sexual (art. 231-A).
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado no Diário de Penápolis de 14/1/2016)