Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

14 de jul. de 2013

A privacidade do outro

         Todo profissional deve se preocupar com a privacidade das pessoas que atende e/ou com as quais se relaciona. E deve instruir suficientemente seus colaboradores acerca dessa necessidade.
         Certa vez eu presenciei um servidor do Cartório Eleitoral perguntando, à distância, a uma jovem de 16 anos que solicitava a emissão do título, qual era o telefone dela. Na intenção de alimentar o banco de dados ele nem se atentou para o fato de que havia rapazes no mesmo ambiente e de que algum deles poderia fazer mau uso da informação. Sensível ao risco, orientei meu colega de trabalho para que passasse a solicitar dados pessoais com a máxima discrição.
         Imediatamente eu me lembrei da insatisfação que às vezes sintoquando visito consultórios médicos e algumas secretárias insistem em perguntar tudo em voz alta, em vez de solicitarem que eu me aproxime do balcão ou preencha uma ficha. Ninguém precisa saber se fiz determinado exame...
         Devemos ter mente que nem todos se sentem à vontade para revelar telefone, profissão, endereço, estado civil e outras informações pessoais diante de terceiros. Houve uma ocasião em que determinada atendente implicou comigo porque eu disse que não tinha telefone celular. Ela suspeitou que eu não queria fornecê-lo, o que realmente era minha vontade, por entender que a informação não era necessária.
         Há casos em que desprezar a privacidade provoca risco para a segurança, o que acontece, por ex., quando aquele monitor do caixa do supermercado mostra, para todos os que estão nas imediações, o valor da compra, a forma de pagamento e principalmente o troco que foi fornecido ao cliente, expondo-o à ação de ladrões e golpistas.
Às vezes, revelar a profissão de alguém pode lhe trazer riscos ou aborrecimentos e por isso não convém, publicamente, dar a entender que a pessoa com quem a gente se encontra é policial, agente penitenciário, promotor ou juiz. A outra pessoa pode não ficar tão à vontade ou pode até mesmo ter de deixar o local.
A situação fica ainda mais delicada quando as informações dizem respeito a questões mais íntimas. O cirurgião plástico, por ex., na ânsia de convencer alguém a fazer determinado procedimento estético, não tem o direito de revelar que fulana já se submeteu a ele. O arquiteto não deveria exibir fotografias de áreas privativas das casas de antigos para novos clientes ou pelo menos não deveria revelar os nomes dos primeiros, limitando-se a discutir idéias. O servidor público, até mesmo em razão das limitações disciplinares e legais, não deveria comentar fatos que chegam ao seu conhecimento em razão das funções.
         Na mesma esteira, profissionais liberais e empregadores em geral deveriam monitorar permanentemente seus subordinados para que situações de indiscrição fossem evitadas. Profissionais que visitam residências, como entregadores de água e vidraceiros, por ex., não deveriam fazer perguntas do tipo “quanto custa essa moto?” ou “onde você comprou isso?”. A indiscrição pode provocar a perda do cliente.
         Mesmo nas nossas relações sociais, temos de tomar cuidado para não formularmos perguntas indiscretas para aquela pessoa que encontramos em ambientes públicos (como filas de banco), onde não devemos tratar, por ex., na presença de terceiros, de doenças, dívidas e infortúnios familiares e amorosos. E não devemos divulgar telefones de terceiros sem autorização expressa ou sem que o contexto indique que a pessoa gostaria de ser contatada.
         Essa preservação da privacidade exige, inclusive, que aquele que toma conhecimento da informação se abstenha de comentá-la até mesmo em casa, uma vez que não raramente ela se dissemina não por má-fé, mas por descuido de algum familiar do profissional. Não é difícil, ainda, que atritos familiares impliquem na divulgação voluntária de informações sigilosas como forma de retaliação. Quem não se lembra de rebuliços que esposas de políticos já causaram?
         Muitas vezes a gente não se dá conta de que expomos os outros e de que ao mesmo tempo em muitos gostam de “aparecer” (principalmente por meio de redes sociais), outros ainda preferem a tranquilidade e o anonimato (que vale muito, principalmente, para quem já não é tão anônimo assim)...
         Ainda que não se preocupe tanto com a sua, que tal refletir sobre como tem lidado com a privacidade do outro?
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito da 2ª Vara de Penápolis(SP)
Prof. do Curso de Direito do Unisalesiano
(publicado na Revista Comunica de jun/2013)

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