Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

14 de ago. de 2015

Dever de ser solidário


             O nosso sistema jurídico enfatiza o dever de sermos solidários e em alguns casos prevê sanções penais para os faltosos.
            Há casos em que não se exige vinculação alguma entre o omisso e a vítima (nem parentesco, nem relação com a situação de risco). O indivíduo não pode alegar, portanto, que nada tem a ver com o problema do outro.
            O Código Penal, no artigo 135, tipifica como crime a omissão de socorro: “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública” (entendida esta como qualquer pessoa do serviço público apta a prestar o auxílio). Temos o dever de intervir, por ex., diante da notícia de que uma pessoa idosa, por razões psíquicas, não está promovendo adequadamente a sua higiene pessoal e isso está lhe gerando risco, situação até comum quando idosos moram sozinhos e a família não promove o devido acompanhamento. Aliás, tratando-se de pessoa idosa, incidirão previsões de crimes previstas no Estatuto do Idoso, especialmente o artigo 97: “deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública”.
            No caso de acidente de trânsito, cabe também ao condutor de veículo envolvido, ainda que não tenha tido culpa, prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública. Se nada fizer, responderá pelo crime do art. 304 do Código de Trânsito, segundo a lei, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros, que se trate de vítima com ferimentos leves ou que posteriormente se constate que tinha havido morte instantânea (pois não cabe ao indivíduo proceder à avaliação quanto à eventual ausência de utilidade de socorro – STF, HC 84.380). Os demais que passarem pelo local poderão responder pelo crime do art. 135, acima citado.
            A legislação, evidentemente, também cobra postura ativa do responsável pelo evento lesivo.
            Nos casos de homicídio culposo e lesão culposa, crimes praticados sem intenção, mas em decorrência de imprudência, negligência ou imperícia, no trânsito ou fora dele, a pena é aumentada se o culpado deixa de prestar imediato socorro à vítima ou não procura diminuir as consequências do seu ato. Só existe crime se o indivíduo podia socorrer sem risco pessoal (por ex., de linchamento). O Supremo já confirmou a constitucionalidade desse aumento de pena, ou seja, já ratificou o dever de solidariedade (HC 126.563 ED).
            Quando que se omite tem o dever jurídico de evitar resultado danoso mais grave, responderá por ele na hipótese de omissão injustificada. Em suma: alguém pode responder por homicídio, como se tivesse atirado no outro, apenas por ter se omitido e dado causa à morte. Esse dever pode derivar de lei (ex.: filho deve amparar o pai), de relação contratual (ex.: babá deve evitar o afogamento da criança) e da criação do risco pelo agente (ex.: quem empurrou o outro na piscina tem o dever de salvá-lo).
            Ainda que a pessoa resista ao socorro, persiste o crime pela indisponibilidade do bem jurídico. É preciso insistir, fazendo tudo que estiver ao alcance (não basta o socorro parcial), muito embora não se exija ato heroico que coloque em idêntico risco quem se propõe a ajudar. Apenas a omissão injustificada de quem tem condições de compreender a situação de perigo é que gera consequências penais. Não justifica a omissão, por ex., é evidente, a alegação de que transportar o ferido sujaria o veículo de quem teve contato com a situação.
            Outros ramos do direito também tratam dever de assistência, especialmente entre familiares. O Código Civil prevê, inclusive, a possibilidade de deserdação de quem desampara ascendente ou descendente em alienação mental ou grave enfermidade (artigos 1.962 e 1.963).
            É lamentável que a lei tenha de reprimir penalmente quem não é solidário, mas isso acontece justamente porque tem muita gente assim...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado nas edições de 13/8/2015 do Diário de Penápolis e do Correio de Lins e abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 10/8/2015)