Segundo a Constituição Federal, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar,
dentre outros casos: (a) as ações oriundas da relação de trabalho; (b) as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes
da relação de trabalho. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que essa
competência “não se restringe (...) às ações ajuizadas
pelo empregado contra o empregador, e vice-versa”; e que “se o acidente ocorreu
no âmbito de uma relação de trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir”
(AgRg nos EDcl no REsp 956.125/RN, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julgado em
14/12/2010).
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região refutou
recentemente a possibilidade de a empresa “espionar” mensagens pessoais do
empregado, mesmo que transmitidas e/ou recebidas a partir de computador da
pessoa jurídica.
No caso avaliado (Processo 0001614-90.2012.5.15.0094), a
empresa tinha se servido de um software “espião” para ter acesso às conversas do
empregado. Procedeu à demissão por justa causa. A Vara do Trabalho entendeu que
não houve invasão da privacidade, “uma vez que as conversas entre a reclamante
e outra funcionária juntadas aos autos foram retiradas dos computadores da
reclamada, sendo certo ainda que tais conversas ocorreram durante a
jornada de trabalho”. A instância superior (TRT-15), todavia, deu provimento ao
recurso do empregado e reconheceu a ilicitude da prova. Enfatizou que “o
empregador extrapolou os limites do seu poder diretivo” e protagonizou “violação
ao direito da intimidade da trabalhadora”. O julgado destacou que “a
empregadora não impedia o uso da ferramenta no ambiente laboral e, por isso,
não poderia acessá-lo por meio do denominado programa ‘espião'”. Consta que a empresa
autorizava o acesso à rede social Facebook, ao chat MSN e ao e-mail pessoal.
O tema é polêmico, tanto que as duas
instâncias divergiram. Existem bons argumentos num e noutro sentido. De
qualquer forma, o superior hierárquico da relação de emprego ou funcional tem
de ter cautela. No afã de colher provas sobre a suspeita de desvio de conduta
do subordinado, precisa buscar aconselhamento jurídico. Afinal, a intimidade é
um direito constitucionalmente protegido e que só pode ser relativizado quando
algum interesse “maior” estiver em pauta. Nem sempre “os fins justificam os
meios”. Em cada caso é preciso analisar a razoabilidade do “sacrifício” de um
direito para a proteção de outro.
O Tribunal de
Justiça de São Paulo já reconheceu a ilicitude da prova em virtude de violação
à privacidade e ao sigilo de correspondência (Apelação
0038918-94.2012.8.26.0053, julgada aos 4/8/2014). Invocou os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade. Anulou penalidade imposta a servidor
público que teria enviado mensagem eletrônica com conteúdo injurioso ao superior.
Enfatizou que a prova é considerada ilícita toda vez que caracterizar violação
de normas legais ou de princípios do ordenamento, de natureza processual ou
material, obtida mediante a infração a preceitos constitucionais (garantias
individuais) e legais. Ressaltou que o caso não revelou “ofensividade
suficientemente grave a ensejar a sobreposição da moralidade administrativa a
sacrificar o direito à intimidade, a vida privada, ao sigilo de correspondência
e a manifestação de pensamento do autor”.
Certa vez analisei
o caso de um superior que ludibriou a subordinada, fez com que ela se afastasse
do computador e ajuizou pedido indenizatório com base nas mensagens do Facebook
que dessa forma teve acesso. No meu entender, ele produziu a prova de maneira ilícita,
com invasão da privacidade. As críticas que a subordinada fazia para outra
pessoa estranha ao ambiente de trabalho não teriam sido conhecidas pelo
superior sem aquela “manobra” que ele adotou para conseguir visualizá-las. Os
desabafos foram feitos entre particulares e não se justificava bisbilhotar a
página do Facebook, uma vez que dessa forma o superior certamente teve acesso a
outras conversas particulares e não somente àquela que alegadamente teria
atingido a sua honra. Ao decidir daquela forma, evidentemente, não pretendi chancelar
o comportamento deselegante da subordinada, mas apenas fazer valer a previsão
constitucional que assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo da comunicação (art.
5º, incisos X e XII).
Às vezes é difícil para o leigo em Direito aceitar essa
solução. Os mais afoitos acabam achando que a legislação só ampara pessoas de
mau caráter, que acoita práticas ilícitas etc. Mas é preciso lembrar que os
direitos e garantias constitucionais foram previstos em benefício de todos e
principalmente para proteger as pessoas de abusos que o próprio Estado, por
ação ou omissão, já cometeu, muitas vezes comete e poderia cometer. Se certas
previsões, como a que protege a intimidade e classifica a prova obtida por meio
ilícito como imprestável, não existissem, mesmo a vida de quem se julga
cumpridor de seus deveres certamente seria bem tormentosa...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico
www.direitoilustrado.blogspot.com.br/
https://www.youtube.com/user/adrianoponce10
(publicado nas edições de 30/7/2015 do Diário de Penápolis e
do Correio de Lins e abordado em entrevista concedida à Rádio Regional
Esperança aos 27/7/2015)