Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

7 de ago. de 2015

Intimidade do subordinado

Segundo a Constituição Federal, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar, dentre outros casos: (a) as ações oriundas da relação de trabalho; (b) as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que essa competência “não se restringe (...) às ações ajuizadas pelo empregado contra o empregador, e vice-versa”; e que “se o acidente ocorreu no âmbito de uma relação de trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir” (AgRg nos EDcl no REsp 956.125/RN, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julgado em 14/12/2010).
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região refutou recentemente a possibilidade de a empresa “espionar” mensagens pessoais do empregado, mesmo que transmitidas e/ou recebidas a partir de computador da pessoa jurídica.
No caso avaliado (Processo 0001614-90.2012.5.15.0094), a empresa tinha se servido de um software “espião” para ter acesso às conversas do empregado. Procedeu à demissão por justa causa. A Vara do Trabalho entendeu que não houve invasão da privacidade, “uma vez que as conversas entre a reclamante e outra funcionária juntadas aos autos foram retiradas dos computadores da reclamada, sendo certo ainda que tais conversas ocorreram durante a jornada de trabalho”. A instância superior (TRT-15), todavia, deu provimento ao recurso do empregado e reconheceu a ilicitude da prova. Enfatizou que “o empregador extrapolou os limites do seu poder diretivo” e protagonizou “violação ao direito da intimidade da trabalhadora”. O julgado destacou que “a empregadora não impedia o uso da ferramenta no ambiente laboral e, por isso, não poderia acessá-lo por meio do denominado programa ‘espião'”. Consta que a empresa autorizava o acesso à rede social Facebook, ao chat MSN e ao e-mail pessoal.
O tema é polêmico, tanto que as duas instâncias divergiram. Existem bons argumentos num e noutro sentido. De qualquer forma, o superior hierárquico da relação de emprego ou funcional tem de ter cautela. No afã de colher provas sobre a suspeita de desvio de conduta do subordinado, precisa buscar aconselhamento jurídico. Afinal, a intimidade é um direito constitucionalmente protegido e que só pode ser relativizado quando algum interesse “maior” estiver em pauta. Nem sempre “os fins justificam os meios”. Em cada caso é preciso analisar a razoabilidade do “sacrifício” de um direito para a proteção de outro.
O Tribunal de Justiça de São Paulo já reconheceu a ilicitude da prova em virtude de violação à privacidade e ao sigilo de correspondência (Apelação 0038918-94.2012.8.26.0053, julgada aos 4/8/2014). Invocou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Anulou penalidade imposta a servidor público que teria enviado mensagem eletrônica com conteúdo injurioso ao superior. Enfatizou que a prova é considerada ilícita toda vez que caracterizar violação de normas legais ou de princípios do ordenamento, de natureza processual ou material, obtida mediante a infração a preceitos constitucionais (garantias individuais) e legais. Ressaltou que o caso não revelou “ofensividade suficientemente grave a ensejar a sobreposição da moralidade administrativa a sacrificar o direito à intimidade, a vida privada, ao sigilo de correspondência e a manifestação de pensamento do autor”.
Certa vez analisei o caso de um superior que ludibriou a subordinada, fez com que ela se afastasse do computador e ajuizou pedido indenizatório com base nas mensagens do Facebook que dessa forma teve acesso. No meu entender, ele produziu a prova de maneira ilícita, com invasão da privacidade. As críticas que a subordinada fazia para outra pessoa estranha ao ambiente de trabalho não teriam sido conhecidas pelo superior sem aquela “manobra” que ele adotou para conseguir visualizá-las. Os desabafos foram feitos entre particulares e não se justificava bisbilhotar a página do Facebook, uma vez que dessa forma o superior certamente teve acesso a outras conversas particulares e não somente àquela que alegadamente teria atingido a sua honra. Ao decidir daquela forma, evidentemente, não pretendi chancelar o comportamento deselegante da subordinada, mas apenas fazer valer a previsão constitucional que assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo da comunicação (art. 5º, incisos X e XII).
Às vezes é difícil para o leigo em Direito aceitar essa solução. Os mais afoitos acabam achando que a legislação só ampara pessoas de mau caráter, que acoita práticas ilícitas etc. Mas é preciso lembrar que os direitos e garantias constitucionais foram previstos em benefício de todos e principalmente para proteger as pessoas de abusos que o próprio Estado, por ação ou omissão, já cometeu, muitas vezes comete e poderia cometer. Se certas previsões, como a que protege a intimidade e classifica a prova obtida por meio ilícito como imprestável, não existissem, mesmo a vida de quem se julga cumpridor de seus deveres certamente seria bem tormentosa...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado nas edições de 30/7/2015 do Diário de Penápolis e do Correio de Lins e abordado em entrevista concedida à Rádio Regional Esperança aos 27/7/2015)