Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

17 de jul. de 2016

Tráfico de drogas “privilegiado” não tem natureza hedionda

Dispõe a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XLIII: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos...”.
A relação dos crimes hediondos está na Lei Federal 8.072/1990. A tortura, o tráfico e o terrorismo são equiparados (para memorizar, lembre-se de “TTT”). Na prática, as consequências jurídicas são as mesmas.
O regime inicial para cumprimento de pena do crime hediondo ou equiparado é o fechado. A progressão de regime (fechado – semiaberto – aberto) só possível depois do cumprimento de pelo menos dois quintos da pena. O livramento condicional requer dois terços cumpridos e ausência de reincidência específica. A prisão temporária pode ser decretada por 30 dias e prorrogada por igual período. O rigor é maior...
O tráfico normalmente é punido com reclusão que pode variar de 5 a 15 anos. A Lei Federal 11.343/2006, entretanto, prevê uma forma mais branda do delito, ao autorizar redução de pena de um sexto a dois terços para o traficante que não seja reincidente; que possua bons antecedentes (que não ostente condenação anterior); não se dedique exclusivamente às atividades criminosas nem integre organização criminosa (artigo 33, § 4º). Esse “tráfico privilegiado” pode ser punido com pena de 1 ano e 8 meses... O legislador quis beneficiar aquele “traficante de primeira viagem”, especialmente o que maneira isolada, aceita a incumbência de transportar drogas em troca de algum dinheiro (“mula”), mas que, verdadeiramente, não é membro do grupo criminoso.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o “Habeas Corpus” 118.533, decidiu que o “tráfico privilegiado” não tem natureza hedionda. Mas o que isso significou? Em linhas gerais, o STF entendeu que se a própria Lei 11.343 já prevê redução significativa da pena de reclusão, é porque o legislador, quando a editou, entendeu que o delinquente deveria receber tratamento penal diferenciado. Estatísticas demonstram que boa parte dos condenados por tráfico se enquadra na forma “privilegiada” (com pena menor) e não representa o mesmo risco para sociedade do que os integrantes de organizações criminosas.
A Constituição determina a individualização da pena e a maioria dos Ministros entendeu que eliminar a natureza hedionda do “tráfico privilegiado” e, nesse caso, viabilizar aos condenados alguns benefícios vedados ao tráfico tradicional, longe de traduzir vantagem indevida para transgressor da lei, nada mais foi do que separar o joio do trigo, ou seja, tratar diferentemente condenados que, apesar de categorizados como traficantes, ostentam perfis bastante diversos. O público leigo nem sempre recebe com bons olhos esse tipo de solução e a classifica como “afrouxamento” do sistema penal, mas, do ponto de vista da ciência do Direito, o raciocínio parece ter sido bem construído e a interpretação parece ter favorecido a repressão na medida certa. Era incoerente aplicar uma pena bem menor e, ainda assim, considerar a infração como de natureza hedionda.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 7/7/2016 do Diário de Penápolis)