Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

17 de jul. de 2016

Testemunha não deve ler o processo

O Tribunal Superior do Trabalho decidiu, recentemente, que o juiz pode se recusar a ouvir uma testemunha que tenha tido acesso ao processo, ou seja, que tenha tido conhecimento dos relatos de outras testemunhas. Segundo o TST, "verificada a inutilidade da prova pretendida pela empresa, porque evidenciado o recebimento de instruções antes da audiência, não há de se falar em diminuição do direito de defesa" (Proc. TST-RR-1251-43.2011.5.15.0093).
Imediatamente, lembrei-me de uma situação corriqueira nas Varas Criminais...
Os policiais, evidentemente, participam de muitas ocorrências, o que acaba motivando que sejam arrolados como testemunhas com bastante frequencia.
Em alguns casos, as audiências acabam sendo designadas anos depois dos acontecimentos. Quando o réu não é encontrado para ser citado, por exemplo, o processo fica suspenso até que ele seja localizado.
Sob o argumento de que o decurso do tempo gerou esquecimento de detalhes, alguns policiais já procuraram cartórios sob a minha responsabilidade e pediram para consultarem processos. A minha orientação para a equipe sempre foi a de vedar esse tipo de acesso.
Às vezes, o policial fica preocupado com a possibilidade de não se lembrar do caso e, dessa forma, em decepcionar o juiz e/ou o promotor.
Todavia, é natural que a testemunha ouvida em juízo se esqueça de alguns detalhes mencionados na delegacia. Isso tem a ver com o passar do tempo, com a forma de indagação e até com o estado emocional ou psíquico da pessoa no dia do depoimento.
O juiz, para formar a sua convicção, não compara os depoimentos das fases policial e judicial para ver se são absolutamente idênticos. Considera a postura da testemunha, a coerência dos seus relatos, a sua forma de falar e até de gesticular para avaliar credibilidade. Algumas posturas são sugestivas de que a pessoa está “calculando” cada palavra que vai dizer e despertam suspeitas. É claro que divergências significativas entre os dois relatos serão exploradas.
Quando já se passou muito tempo desde que a testemunha foi ouvida na delegacia, o juiz entende que já não é possível reproduzi-lo fielmente, a não ser que a pessoa tenha tido acesso ao texto do depoimento anterior. O magistrado não quer que a audiência seja uma encenação de falas decoradas.
A pessoa que se dispõe a falar a verdade não precisa consultar depoimento anterior. A verdade sempre poderá ser repetida diversas vezes sem que os relatos se alterem significativamente. Ao contrário, quem mente pode precisar fazer a consulta para conseguir reproduzir a mentira, pois normalmente é difícil conseguir renovar a versão falsa depois de algum tempo.
A quem vai ser indagado em juízo, fica a dica: bastará contar, com naturalidade e boa-fé, imbuído da vontade de colaborar, aquilo que a memória permitir. Se ler o depoimento anteriormente prestado, a testemunha poderá, justamente, se pronunciar de forma “artificial” e gerar descrença. De qualquer forma, se o juiz perguntar de maneira mais enfática, isso não significa que duvidou da veracidade do que foi dito. Pode ser que o magistrado quis apenas testar a testemunha.
É bom salientar, por fim, que o julgamento de um caso não depende apenas de um depoimento, mas da análise conjunta de todas as provas colhidas.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 30/6/2016 do Diário de Penápolis)