Os negócios
envolvendo veículos usados corriqueiramente desembocam no Judiciário. As ações
judiciais normalmente decorrem da falta de cuidado na avaliação do bem; da
ausência de contrato escrito; da venda de veículo financiado sem transferência
da dívida junto ao banco e da anuência para que a transferência da propriedade
não seja feita de imediato. Todo mundo sabe que isso costuma dar problema, mas
muita gente não aprende...
O Código Civil trata dos vícios redibitórios ao dispor
que “a coisa recebida em virtude de contrato comutativo
pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao
uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor” (artigo 441). O adquirente pode
pleitear “desfazimento do
negócio jurídico” ou preferir abatimento no preço (artigo 442).
É preciso se
atentar para os prazos decadenciais previstos no Código Civil para a tomada de
providências: 30 dias se a coisa for móvel; e um ano se for imóvel, contado da
entrega efetiva. Caso o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais
tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele se tiver ciência, até o prazo
máximo de 180 dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os
imóveis.
O Código do
Consumidor, por sua vez, prevê prazos de 30 ou 90 dias para exercício da
reclamação pelos vícios aparentes ou de fácil constatação,
respectivamente, de produtos não duráveis ou duráveis. Estabelece que,
tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que
ficar evidenciado o defeito (art. 26). Aplica-se, por exemplo, quando o veículo
é adquirido em loja.
Há quem faça
“maquiagem” de defeito... Somente será possível dizer se a fraude configurará
estelionato ou mesmo crime contra as relações de consumo depois da análise de
cada caso, posto que a diferença entre a mera malícia comercial e a ação
criminosa daquele que age com má-fé é muito tênue. A adulteração de hodômetro de veículo (redução da marcação da
quilometragem) já ensejou condenação por crime contra o consumidor (artigo 7º, inciso IX, da Lei n. 8.137/1990) (vide STJ – “Habeas Corpus” 135.906).
Por ocasião da aquisição de veículo, é importante se orientar com mecânico de
confiança. É recomendável que o proprietário anterior, se não estiver envolvido
no negócio, seja consultado. Desgaste de volante, pneus, “bola” do câmbio,
pedais e outros componentes podem denunciar o quanto o bem já foi usado.
Recentemente,
apreciei reclamação feita pelo comprador de um “jet sky” localizado em anúncio
de Internet. Ele alegou que o equipamento apresentou defeito pouco tempo depois
da aquisição. Tinha consultado o mecânico e tinha testado a máquina na água. Já
tinha experiência no manejo. Ponderei que o usuário de moto aquática normalmente
explora toda a capacidade do motor e que não descartava abuso. Não tive
condições de concluir se o “jet” já estava avariado ou se foi danificado pelo
uso indevido... Afinal, tinha mais de dez anos de uso... Ilustrei a minha
sentença com julgado que mencionou, inclusive, que a utilização indevida de
“jet sky” pode gerar danos no motor nas primeiras horas. Naquele caso, o autor
da ação alegou que o “jet” era zero quilômetro, mas, nos primeiros quinze minutos
de uso, o motor se encheu de água e parou de funcionar. Ficou decidido: “1 – De
acordo não só com a perícia realizada judicialmente, como também de acordo com
o laudo técnico realizado pela vendedora e seus técnicos, constatou-se a
ausência de qualquer defeito de fabricação no jet-ski, encontrando-se em
perfeito estado de funcionamento quando da realização da perícia. Ressaltou o
sr. perito que, havendo impacto da moto contra ondulações que cubram o capô a
água entra no motor, o que também ocorre quando o veículo é mergulhado na água,
quando há queda do condutor virando a moto e quando há inclinação acentuada que
ultrapasse o nível de água, o que se verificou no caso dos autos; 2 – Não há
meios de se exigir do vendedor a entrega de novo produto ou devolução da
quantia se não houve defeito de fabricação ou vício do produto, mas sim má
utilização” (TJSP, Apelação 1002849-07.2013.8.26.0281, julgada aos 6/4/2016).
Especificidades do contexto, portanto, foram consideradas...
Os tribunais
costumam decidir que bens usados normalmente apresentam defeitos. Eis um
precedente: “COMPRA E VENDA – VEÍCULO USADO ADQUIRIDO NO ESTADO EM QUE SE
ENCONTRAVA - VÍCIO DO PRODUTO – RISCO DO COMPRADOR – AUSÊNCIA DE PROVA DE VÍCIO
OCULTO - RECURSO NÃO PROVIDO. Veículo usado, com mais de seis anos de uso,
adquirido no estado em que se encontrava, não conta com garantia referente aos
componentes comprometidos pelo desgaste natural decorrente do uso.
Improcedência da ação mantida” (TJSP, Apelação 1017456-15.2014.8.26.0079,
julgada aos 23/8/2016).
Em
resumo: não dá para esperar muito de um veículo bastante usado, muito embora,
em determinados casos, normalmente por meio de perícia complexa (que, anote-se,
não cabe em procedimento do Juizado), seja possível comprovar defeito oculto
(vício redibitório) que justifique que o negócio seja defeito ou haja
abatimento do preço.
Adriano Rodrigo Ponce de
Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 1º/9/2016
do Diário de Penápolis)