Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

12 de abr. de 2015

As bicicletas e as normas


            O Código de Trânsito (Lei 9.503/1997) dedica especial atenção ao ciclista e também lhe impõe restrições.
            No anexo I define bicicleta: “veículo de propulsão humana, dotado de duas rodas, não sendo, para efeito deste Código, similar à motocicleta, motoneta e ciclomotor”. Veja-se que se a bicicleta for motorizada, não deve merecer o mesmo tratamento das tradicionais, já que idealizado em virtude da maior fragilidade do veículo e, consequentemente, da necessidade de maior proteção do seu condutor. Não poderá, por ex., trafegar em ciclovias. Todavia, a questionável Resolução 465/2013 do Contran equiparou a bicicleta dotada originalmente de motor elétrico auxiliar às convencionais e permitiu a sua circulação em ciclovias e ciclo faixas, atendidas algumas condições, dentre elas, a potência nominal máxima de até 350 Watts e a existência de dispositivo que garanta o funcionamento do motor somente quando o condutor pedalar (como apoio à propulsão humana e não como força principal), sem acelerador, o que não se costuma ver por aí...
            A bicicleta é considerada veículo de passageiros (art. 96).
            O art. 105 relaciona equipamentos obrigatórios para bicicletas: campainha; sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais; espelho retrovisor do lado esquerdo. A intenção é propiciar maior segurança e visibilidade para o ciclista e evitar acidentes. A Resolução 46/1998 do Contran também trata do tema. Mas há quem discorde e existe projeto de lei para retirar campainha e retrovisor da lista.
            Sobre a circulação de bicicletas, deve acontecer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, ou quando não for possível a sua utilização, nos bordos (nas margens) da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores (art. 58). Não é permitido, como se vê, pedalar na contramão. Mas quando a via tem sentido único, não se exige que o ciclista fique do lado direito. O dispositivo fala em “bordos”, ou seja, usa o plural. Havendo ciclofaixa na via, a autoridade de trânsito pode autorizar a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo dos veículos automotores (de frente para eles).
            A circulação de bicicletas nos passeios (calçadas ou partes de pistas separadas para o uso prioritário de pedestres) pode ser objeto de autorização expressa da autoridade. Quando a sinalização permissiva não existir (normalmente é o que acontece), essa circulação é irregular e configura infração média prevista no artigo 255, apenada com pena pecuniária e remoção da bicicleta, “mediante recibo para o pagamento da multa”. Mesmo que a circulação seja permitida, se for feita de forma agressiva, a infração estará configurada. Anote-se que o ciclista desmontado empurrando a bicicleta equipara-se ao pedestre em direitos e deveres (art. 68).
            Ao conceituar “acostamento” o Código deixou claro que uma das suas funções é favorecer a “circulação de pedestres e bicicletas, quando não houver local apropriado para esse fim”. O art. 244 proíbe ciclos de transitarem em vias de trânsito rápido ou rodovias, salvo onde houver acostamento ou faixas de rolamento próprias. Por isso, nada impede que se pedale nos acostamentos das rodovias. Aliás, já tive a curiosidade de conversar com policiais rodoviários sobre a questão e fui informado de que não há orientação para repressão da prática.
            Para o condutor de automotores há previsão de multa para a infração de natureza média consistente em “deixar de guardar a distância lateral de um 1,5 m ao passar ou ultrapassar bicicleta”. Não se aproximar, portanto, é dever estampado no art. 201, muito embora nem sempre observado, às vezes, por culpa do próprio ciclista. Se sobrevier acidente, essa norma será considerada na avaliação da responsabilidade, juntamente com outros fatores (se o motorista foi sido surpreendido por uma manobra inesperada etc.). O fato é que o motorista deve sempre redobrar a atenção.
            Os notórios benefícios do ciclismo para a saúde e a intenção de oxigenar o trânsito têm despertado cada vez mais o interesse de autoridades por fomentar a prática. Algumas enxergam nesse apoio uma importante bandeira eleitoral. As alterações viárias, todavia, devem ser feitas com muito critério. Não dá para improvisar colocando em risco a vida do outro. A convivência entre automóveis e bicicletas sempre foi complicada e a mudança de mentalidade deve ser feita gradativamente para que todos tenham segurança. O aumento do número de automóveis tem intensificado o trânsito e exigido soluções complexas e que demandam muito estudo e investimento. É melhor anunciar poucas ciclovias seguras do que várias inseguras e/ou que impliquem sérios prejuízos ao fluxo dos demais veículos. Tanto isso é verdade que várias iniciativas públicas têm desaguado no Judiciário, especialmente nos grandes centros. De qualquer forma, a ampliação do uso da bicicleta parece um caminho irreversível; e que bom que tem sido assim...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
Facebook Adriano Ponce Jurídico

(publicado na edição de abril de 2015 da Revista Comunica e na edição de 9/4/2015 do Diário de Penápolis – abordado em entrevista à Rádio Regional Esperança aos 6/4/2015)