Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

3 de ago. de 2014

Internação compulsória

Um dos momentos mais tensos da existência de uma família é aquele em que se torna necessária a adoção de medida judicial para a internação de um filho dependente de drogas.
Esse tipo de ação infelizmente tem se tornado cada vez mais comum. As drogas estão se disseminando com muita rapidez. E a incapacidade para dialogar também tem avançado na mesma velocidade.
A depender da personalidade e do grau de dependência do indivíduo, a intervenção pode acabar sendo a única solução para a preservação da sua integridade física e, em alguns casos, até mesmo da sua vida. Não raramente familiares também correm risco durante crises de agressividade.
A tramitação da ação de internação compulsória é relativamente simples.
A Lei Federal 10.216/2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Enfatiza a necessidade de que sejam tratadas com humanidade e respeito, tudo a fim de que se recuperem e sejam inseridas família, no trabalho e na comunidade. Prevê direito de acesso aos meios de comunicação e às informações sobre a doença e o tratamento. E ressalta que devem ser utilizados os “meios menos invasivos possíveis”.
A norma exige laudo médico circunstanciado que aponte, com clareza, a imprescindibilidade da internação. Se ela for determinada, o paciente deverá ser reavaliado frequentemente.
Na prática há poucos estabelecimentos habilitados à internação de dependentes de drogas. E essa medida extrema, torno a ressaltar, somente se justifica se os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
Na Comarca de Penápolis(SP), por ex., a Justiça costuma recorrer ao competente Hospital Espírita, que há décadas cuida de portadores de transtornos mentais. Ocorre que a grande demanda exige rotatividade de leitos e o estabelecimento de prioridades. Passado algum tempo (nem sempre o que seria desejável), o dependente, por conta da falta de contato com a droga e da medicação prescrita, vai melhorando, quando então surgem propostas de que o tratamento continue em regime ambulatorial. Acontece que o retorno do paciente ao convívio social às vezes implica na retomada do contato promíscuo com outros dependentes e traficantes e ao retorno ao estado anterior.
Quando a família tem condição socioeconômica mais favorecida ou recebe apoio financeiro de terceiros, costuma eleger clínica especializada. Acontece que tais clínicas não impõem aos pacientes, e nem poderiam, um regime penitenciário. As fugas podem acontecer e sempre acontecem. E, se não houver suficiente fiscalização, o paciente pode ter contato com a droga no próprio local, muitas vezes com a ajuda de outro paciente. O que não se pode negar, todavia, é que nas clínicas o tratamento pode ser mais longo e o ambiente pode ser mais propício.
A lição que fica é que a família deve apostar todas as cartas na tentativa de convencimento do dependente para que ele aceite o seu problema e a sua impotência para lutar sozinho contra a dependência. A busca por tratamento ambulatorial ou até mesmo a internação voluntária, justamente pela adesão do paciente, costumam surtir mais resultados.
Procuro, sempre que possível, designar audiência para conhecer melhor o dependente e saber do seu interesse em ser tratado, pois às vezes é possível fazer uma espécie de acordo para tratamento ambulatorial e monitorá-lo durante algum tempo.
Como se vê, o diálogo acaba sendo a ferramenta mais importante de todo esse processo. Em grande parte dos casos os familiares não estão suficientemente preparados para isso, ainda que sejam bem esclarecidos sobre outros assuntos. Isso é natural, pois não existe uma fórmula pronta para tirar alguém do vício e o emocional fica abalado. O que não se discute é que o dependente, que normalmente é depressivo, precisa de acolhimento, franqueza e resgate da autoestima. Precisa se sentir importante e não um tormento para os familiares. Por meio de uma boa conversa pode ser possível detectar as reais causas da entrega às drogas, pois nem sempre elas estão visíveis. Os familiares devem agir de uma forma organizada, planejada. Não adianta todo mundo falar ao mesmo tempo e nem fazer acusações ao paciente ou abordá-lo com hostilidade. Por isso, eles devem se preparar. E quando a gente tem de fazer algo desconhecido, deve buscar orientação com quem já tem experiência no assunto. Procurar familiares de pacientes que superaram a dependência pode ser interessante para trocar idéias, muito embora o método que utilizaram possa não vir a ser totalmente aproveitado. De forma concomitante, os familiares devem buscar apoio psicológico. Já existem, inclusive, grupos de apoio voltados especificamente à orientação dos familiares. Por mais que se julguem “fortes” e experientes, normalmente são debutantes no enfrentamento desse tipo de problema...
O combate à dependência é lento e imprevisível, mas quando se tem informação, paciência, perseverança, método e, sobretudo, fé, pode mudar a vida de todo o grupo familiar. Só não vale desesperar...
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito e Professor universitário
(publicado na Revista Comunica - edição ago/2014)