Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

29 de jul. de 2015

Fiança criminal

Segundo a Constituição Federal, são inafiançáveis o racismo, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, os crimes hediondos e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Ao mesmo tempo, ela prevê que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.
Não é possível tratar a inafiançabilidade como absoluta porque a própria Constituição considera inocente aquele que ainda não ostenta condenação transitada em julgado, ou seja, definitiva. Há quem consiga reverter condenação depois de percorrer várias instâncias judiciais. Enquanto houver recurso disponível, existe essa possibilidade.
Não é apropriado a lei querer impedir a libertação de preso ainda não definitivamente condenado porque essa tarefa cabe ao juiz e a avaliação deve levar em conta uma série de circunstâncias. Cada caso é um caso... Muitas vezes nem a condenação definitiva importará em prisão e por isso fica difícil justificar a custódia ainda no curso do processo.
Quando alguém é surpreendido em flagrante delito, deve ser apresentado à autoridade policial, a quem incumbirá avaliar se a pessoa deve ser recolhida à prisão ou se deve arbitrar fiança em seu favor, o que pode fazer no caso de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos. Fixará o valor entre um e cem salários mínimos. Nos demais casos, a fiança deverá ser requerida ao juiz, que poderá se pautar entre dez e duzentos salários mínimos.
Para determinar o valor da fiança, a autoridade deve considerar a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.
O juiz pode dispensar a fiança, reduzi-la até o máximo de dois terços ou aumentá-la em até mil vezes, levando em conta ou a impossibilidade de recolhimento ou a insuficiência do valor “tabelado” na lei. A lei autoriza a redução e a dispensa da fiança para que o réu pobre não acabe ficando preso apenas por causa da sua condição econômica. É uma forma de tratar com igualdade os desiguais (rico e pobre).
O detido assume compromissos, dentre eles, o de comunicar mudança de endereço e o de comparecer sempre que for convocado.
A fiança pode ser cassada quando o juiz conclui que o investigado deve permanecer preso durante a apuração do delito, ou seja, quando é cabível a prisão preventiva.
Quando recebe a comunicação da prisão, portanto, o juiz deve avaliar se é o caso de liberdade provisória ou prisão preventiva. A concessão de liberdade pode ser acompanhada ou não da decretação de medidas cautelares que sejam suficientes, em tese, para que o investigado não torne a infringir a lei. São medidas cautelares: (a) comparecimento periódico em juízo para informar e justificar atividades; (b) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato; (c) proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (d) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (e) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (f) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; g) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração; (h) fiança; (i) monitoração eletrônica (“tornozeleira”).
Pode ser que o juiz entenda que a prisão preventiva é imprescindível à garantia da ordem pública; à garantia da ordem econômica; à regularidade da instrução criminal ou à aplicação da lei penal. Ela somente será decretada, todavia, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Ao decretá-la o juiz não faz prejulgamento, mas apenas conclui que o conjunto probatório, naquela ocasião, é desfavorável ao investigado.
A avaliação é complexa e tormentosa para o juiz. A investigação está somente começando. Muitas questões ainda serão esmiuçadas. A prisão antes da condenação definitiva deve ser excepcional, mas às vezes as circunstâncias exigem a sua decretação para que, por exemplo, se evitem novos roubos a comerciantes ou se evite intimidação de testemunha ou nova investida contra a mesma vítima. É um instrumento jurídico à disposição do Judiciário que, entretanto, tem de ser bem utilizado, pois a tramitação da ação penal leva alguns meses e o investigado permanecerá custodiado durante esse tempo, muito embora seja possível, a qualquer momento, reavaliar a questão e libertar, quando as razões que fundamentaram a prisão já não persistirem. É necessária muita cautela, pois não é difícil alguém se confundir sobre a autoria de um crime, o que pode implicar em danos irreversíveis para a pessoa indevidamente incriminada e seus familiares. E o juiz deve analisar tudo com isenção, não se deixando levar pelo que a comunidade deseja, pois muitas vezes as pessoas não estão minimamente informadas sobre os detalhes da investigação.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito / Professor no Unisalesiano
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(publicado aos 23/7/2015 no Correio de Lins e no Diário de Penápolis e abordado em entrevista à Rádio Regional Esperança aos 20/7/2015)